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Defensoria Pública como custos vulnerabilis em ações no STF

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O Supremo Tribunal Federal é frequentemente acionado como guardião último dos ideais democráticos, especialmente quando o sistema representativo falha em cumprir as promessas de igualdade e justiça social. A instituição emerge, então, como um ator central na formulação e execução de políticas públicas no Brasil, um papel que desafia a tradição e suscita críticas tanto de esferas decisórias tradicionais quanto da sociedade.

Entre as críticas mais recorrentes, aponta-se para a falta de legitimação democrática na atuação do STF como árbitro das escolhas distributivas e redistributivas do governo, especialmente quando suas decisões adquirem uma pretensão universalizante, alcançando diversos atores que não compõem, necessariamente, o litígio objeto de sua jurisdição.

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A legitimidade democrática do STF estaria ligada à consideração das “aspirações da comunidade” e à concretização dos direitos sociais, num contexto em que a jurisdição constitucional deveria preservar o pluralismo e estruturar o processo constitucional com instrumentos que permitam uma maior participação social.

Para lidar com essas e outras questões, o STF buscou ampliar os partícipes do processo decisório, incorporando aos julgamentos de repercussão geral e de processos objetivos mecanismos de participação efetiva das diversas instituições e entidades, além de outros representantes da sociedade, por meio, por exemplo, da utilização dos chamados amici curiae e das audiências públicas.

Nesse contexto, a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis se apresenta como um inovador mecanismo processual, capaz não somente de conferir legitimidade ao processo decisório, mas também de contribuir para o incremento da legitimação democrática da jurisdição constitucional, atuando como ator relevante no processo decisório e na fiscalização/acompanhamento das demandas coletivas e estruturantes.

O conceito de custos vulnerabilis surge como uma extensão da evolução institucional da Defensoria Pública, reconhecida como “expressão e instrumento do regime democrático” pela Emenda Constitucional 80/2014. Originalmente proposto pelo defensor público Maurilio Casas Maia, em 2014, o termo refere-se à atuação da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis, distinta do papel do Ministério Público como fiscal da lei.

Em síntese, o instituto busca garantir que os interesses de grupos vulneráveis sejam adequadamente representados em processos judiciais, especialmente aqueles com potencial impacto coletivo.

A implementação desse novo papel processual ainda encontra obstáculos no STF, que nem sempre reconhece ampla legitimidade da Defensoria para atuar nas controvérsias de natureza coletiva que envolvam o interesse de seus assistidos. No entanto, decisões recentes têm consolidado a percepção da Defensoria como um ator essencial na promoção da justiça social e na ampliação da legitimidade democrática do processo judicial, considerada, em especial essa atuação, como “fiscal dos vulneráveis.

Em estudo recente para a Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (publicada em novembro de 2024), os autores investigaram como o STF tem lidado com os pedidos de intervenção da Defensoria Pública como “fiscal dos vulneráveis”, a partir de uma análise das decisões do STF proferidas até 1º/6/24.

Entre diversos achados, verificou-se que, das Defensorias Públicas, a da União é a que mais frequentemente requereu intervenção como custos vulnerabilis, embora usualmente as decisões ou despachos que examinaram esses pedidos tenham se limitado a deferir o ingresso na condição de amicus curiae, sem analisar ou adentrar na distinção entre as figuras.

Essa circunstância evidencia, desde logo, a necessidade de uma compreensão mais clara e abrangente do instituto do custos vulnerabilis (cuja atuação mais se aproxima à das partes, não se limitando a esclarecimentos pontuais, juntada de memoriais ou sustentações orais, que caracterizam a participação dos amicii curiae).

Percebeu-se, também, que as análises dos pedidos de ingresso como custos vulnerabilis variavam de acordo com a classe e a natureza das demandas em que requeridos, estando nos processos de controle concentrado uma maior tendência ao reconhecimento dessa atuação.

Já nos recursos extraordinários, contudo, a corte muitas vezes sequer analisou os requerimentos, geralmente solucionando a controvérsia com amparo na jurisprudência defensiva, impedindo o debate substantivo sobre o papel da Defensoria nesse tipo de processo.

Entre as Reclamações, destacaram-se as decisões proferidas nas RCLs 54.011 e 64.803. Na primeira, o relator, ministro André Mendonça, admitiu o ingresso da Defensoria Pública paulista na qualidade de custos vulnerabilis, “inclusive para suprir a ilegitimidade ativa das reclamantes quanto aos interesses dos demais beneficiários ocupantes da área, não representados formalmente pelos advogados subscritores da exordial[1].

Na segunda (RCL 64.803), a admissão da intervenção da Defensoria Pública fluminense como custos vulnerabilis viabilizou a participação daquele órgão de defesa dos necessitados na audiência de conciliação (realizada em 21/2/24), convocada pelo relator, ministro Cristiano Zanin.

Outro caso relevante analisado foi o da SL n. 1.696 (DJe de 8/1/2024), no qual ministro Luís Roberto Barroso, superando jurisprudência anterior, reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar suspensão de liminar justamente diante da sua condição excepcional de custos vulnerabilis, mantendo a necessidade de o pedido ser delegado ou subscrito pelo Defensor Público Geral.

O estudo completo está disponível na edição do 2º semestre da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, revelando que a aceitação do instituto pelo STF ainda é incipiente e depende do tipo de processo e do impacto social/político da questão em debate, não sendo possível, portanto, afirmar-se uma tendência da corte sobre ampla aceitação e reconhecimento da atuação da Defensoria como custos vulnerabilis.

O tema está em aberto e as discussões apenas no início. Após a finalização do trabalho, outras decisões proferidas no STF reconheceram a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis (como as proferidas pelo ministro Edson Fachin nos embargos declaratórios opostos pela Defensoria da União na ADPF 991, DJe de 14/8/24, e na ADPF 645, DJe de 28/10/24).

Outros pedidos ainda aguardam análise (como os requerimentos formulados nos processos objetivos em que se discute o marco temporal: ADIs 7.582, 7.583 e 7.586; ADO 86 e ADC 87, todos de relatoria do ministro Gilmar Mendes).

Daí a necessidade de regulamentação normativa sobre o tema, tendo a Comissão de Juristas do Senado, responsável pela elaboração do Anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil, divulgado recentemente Relatório Final (Parecer 1/2024), no qual estabeleceu como norma fundamental do processo estrutural o “diálogo entre o juiz, as partes e os demais interessados, inclusive os potencialmente impactados pela decisão, para a construção de um contraditório efetivo na busca da solução plural e adequada” (inc. III do art. 2º).

Parece inegável que a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis reforçaria a intenção da norma fundamental mencionada, por representar um importante avanço na proteção dos direitos de seus assistidos e na ampliação da participação democrática no processo judicial, o que contribui para a legitimação das decisões do STF.


[1] Trecho da decisão monocrática proferida pelo ministro André Mendonça na Rcl 54.011/SP, divulgada no Diário da Justiça eletrônico de 29/06/2022.

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