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Desapropriação indireta de Direitos Minerários

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A desapropriação de bens imóveis é um dos instrumentos legais utilizados pelo empreendedor para intervir na propriedade privada e realizar atividades de interesse social ou utilidade pública. Em posse de atos autorizativos emitidos pelo Poder Público, com caráter eminentemente declaratório, o concessionário ou o próprio ente público inicia uma complexa sucessão de atos e diligências a fim de concretizar sua obra ou empreendimento.

Não é novidade que a desapropriação pode ocorrer de forma indireta, ou seja, quando não há a formalização dos procedimentos legais pelo expropriante, mas há um apossamento sobre esse bem e um esvaziamento econômico sofrido pelo titular do bem, que precisa, por sua conta, ajuizar uma demanda para buscar indenização correspondente ao prejuízo percebido.

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O Superior Tribunal de Justiça (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 10.12.2008, DJe 9.2.2009), acompanhado por tribunais federais e estaduais, possui entendimento no sentido de que se configura a desapropriação indireta quando ocorre o efetivo apossamento do bem pelo Poder Público ou seu concessionário.

A doutrina também entende que “não há que se falar em desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade particular pelo Poder Público. Quando há apossamento efetivo da propriedade particular o que se tem, em verdade, é uma desapropriação indireta, ação de direito real que, diga-se de passagem, retrata uma prática ilícita, abusiva e inconcebível num Estado de Direito”[1].

Contudo, esse apossamento não pode ser interpretado de forma simplista. É necessária uma análise sobre o que poderia ser considerado apossamento no âmbito do Judiciário, uma vez que a configuração desse pressuposto será decisiva para que a parte lesada consiga ser indenizada pela completa extensão do dano sofrido ou não.

Diante disso, foi realizada uma pesquisa ampla no STJ[2] a fim de se verificar a origem dos julgados que tratam do apossamento nas ações indenizatórias por desapropriação indireta. Foram identificadas duas situações distintas.

A primeira delas são decisões que afastam a ocorrência de desapropriação indireta em razão de normas ambientais, formalizando-se o entendimento de que haveria mera limitação administrativa quando não verificado o apossamento pelo Poder Público ou concessionário quando recai no bem alguma restrição ambiental (como é o caso da criação de áreas de preservação permanente, por exemplo). Nesses casos, pouco ou nada se discutiu o ato de apossamento.

A segunda situação são decisões em que o apossamento é tratado sob o viés da utilidade dada ao bem expropriado.  Nesse caso, mesmo que não haja uma ação de posse concreta e palpável sobre o imóvel (como construção de estruturas físicas, por exemplo), o Poder Público ou seu concessionário atribui uma função ao bem que acaba por restringir demasiadamente o seu uso pelo particular, causando a este esvaziamento econômico tal que não mais se é possível usá-lo como planejado.

Nessa última hipótese, entende-se que o apossamento estaria, sim, configurado. Ou seja, não seria necessária uma ação concreta de posse efetiva do Poder Público. Bastaria que o ato praticado pelo então expropriante fosse suficiente para inviabilizar o domínio do bem particular ou reduzir significativamente o potencial econômico daquela propriedade[3].

Partindo desse ponto, opina-se que configuraria desapossamento de um imóvel pelo Poder Público ou seu concessionário quando este der utilidade pública ou interesse social ao bem, sem que precise necessariamente haver uma ação concreta palpável e material de posse.

E de fato o STJ parece assim ter entendido ao firmar a tese no sentido de que “O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC”, conforme Tema Repetitivo 1019.

Os recursos representativos da controvérsia que geraram a tese firmada no Tema 1019 tratavam de indenização por desapropriação indireta em razão de construção de rodovia estadual, tendo-se reputado prescrita a pretensão do particular em ambos os casos em razão do decurso do prazo prescricional decenal.

Naqueles casos, não se discutiu nenhuma limitação por norma ambiental, e sim a prática de um ato que inviabilizou exercício pelo particular de uso e gozo sobre o seu bem, causando-lhe diminuição patrimonial – verdadeiro desapossamento a atrair a aplicação do prazo prescricional decenal para busca de indenização.

Por certo, na maior parte das vezes o apossamento é facilmente verificado: inundações promovidas por hidrelétricas que cobrem imóveis e benfeitorias de água; realização de obras e empreendimentos de viés público – como rodovias e estádios – que torne necessária a inexistência de pessoas, moradias e atividades na área expropriada, etc. Essas intervenções são, de certa forma, de fácil identificação.

Ocorre que nem sempre a desapropriação implica a expropriação de um bem imóvel individualizado em matrícula imobiliária. É possível que o bem afetado seja, de certa forma, intangível, o que torna a verificação do desapossamento mais complexa.

É o caso dos Direitos Minerários. Justamente por se dar sobre um bem intangível, esse requisito para a desapropriação fica de difícil identificação, sendo ainda mais complexo prová-lo na esfera judicial na busca de indenização.

Essa dificuldade é ainda maior se levarmos em conta que nem o Judiciário nem a legislação definiram o que seria admitido como prova desse apossamento, o que torna ainda mais relevante a discussão aqui proposta. Afinal, há um impacto prático no trâmite de ações e veiculações de pretensões indenizatórias nas vias judiciais, a começar pela incidência do prazo prescricional que se distingue de uma situação para outra.

É que se a intervenção for admitida como mera limitação administrativa (como é o caso, por exemplo, das restrições ambientais sobre a propriedade[4]), o prazo prescricional pacificado pelos tribunais é quinquenal[5], diferentemente das situações de efetiva desapropriação indireta, que possuem prazo decenal de prescrição[6].

Com efeito, não foram identificados precedentes que tratem sobre materialização do desapossamento quando o bem discutido e sobre o qual houve perda do particular é intangível.

Propõe-se, portanto, a aplicação do Tema Repetitivo 1019, do STJ, para os casos em que, embora não se tenha um desapossamento do bem materializado e de fácil identificação, verifique-se que o Poder Público ou seu concessionário tenha praticado algum ato que tenha dado utilidade pública ou interesse social ao bem expropriado.

Assim, ainda que a parte que se sinta desapropriada sem a justa indenização não tenha o requisito do desapossamento configurado de uma forma mais aparente, este requisito poderia ser relativizado em razão da aplicação do Tema 1.019.

As Unidades de Conservação de Proteção Integral, por exemplo, inseridas nas disposições da Lei 9.985/2000 (Lei do SNUC), que se sobrepõem a jazidas minerais tituladas – e que, embora não possuam estruturas evidentes de restrição, ensejam um impeditivo da atividade mineral – são bons exemplos de desapossamento indireto de um bem intangível pelo ente público sem um ato de posse aparente.

Sob esse raciocínio, pode-se dizer que o Direito Minerário que tiver sido inviabilizado por um ato administrativo que impeça o exercício da atividade mineral em determinada área da jazida ou de áreas essenciais ao empreendimento, seria um Direito Minerário desapossado indiretamente – ainda que a restrição administrativa cubra apenas parte desse título minerário, mas o suficiente para afetar a viabilidade econômica do empreendimento minerário como um todo e causar, via de consequência, um esvaziamento econômico ao particular.

Tão ou mais importante que o desapossamento em si, seria, então, o esvaziamento econômico causado ao expropriado.

A discussão é relevantíssima ao empreendedor expropriado que investe anos a fio e, em dado momento, depara-se com ato administrativo que faz cair por terra todo o capital, tempo e energia empregados, tornando inviável um empreendimento que tinha potencial para produzir riqueza ao longo do tempo e gerar retorno financeiro.

Se por um lado o empreendedor titular de um Direito Minerário não conseguir provar tão facilmente o apossamento pelo Poder Público sobre o seu direito, mas conseguir demonstrar a função dada ao imóvel pelo ente e a inviabilidade econômica de prosseguir com seu empreendimento e o esvaziamento sofrido, é coerente que se trate a questão como uma desapropriação indireta a ensejar justa indenização – pelo menos no prazo de dez anos a contar do ato praticado pelo expropriante.

Diferentemente do que vem entendendo o STJ, portanto, não há razão para se afastar tais conclusões dos casos envolvendo restrições criadas por normas ambientais, se estas estabelecerem um caráter de utilidade pública ao espaço onerado por Direitos Minerários, a ponto de esvaziarem economicamente tais bens jurídicos.

É certo que as particularidades de cada caso desafiarão a ponderação dos direitos e deveres envolvidos, mas, ao menos a princípio, esse racional parece melhor observar o direito à justa indenização da parte indiretamente desapropriada, especialmente se aplicado à luz dos princípios e normas que regem o Direito da Mineração.


[1] FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 528.

[2] De forma exemplificativa, cita-se os processos AgInt no REsp n. 2.018.290/SP, REsp 1.757.352/SC, REsp 1.757.385/SC, AgInt no REsp 1934539/AM, EREsp 628588/SP, AgRg nos EDcl no REsp 1417632, EREsp1548180 SC 2015, AgInt no AREsp: 294867, AgInt no AREsp 1041533 SP.

[3] Nesse sentido, a decisão proferida em acórdão do processo EDAG 1013868-62.2020.4.01.0000, JUIZ FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO (CONV.), TRF1 – QUARTA TURMA, PJe 22/11/2022 PAG.

[4] REsp 1524056/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 13/03/2018; AgRg no REsp 1.235.798/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/4/2011, DJe 13/4/2011

[5] AgInt no AREsp 1.019.378/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/02/2019

[6] Tema Repetitivo 1019/STJ: O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC.

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