Desoneração da folha e ativismo à brasileira

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A desoneração da folha de salários vigora há mais de dez anos e consiste na substituição da incidência da contribuição sobre a folha pela cobrança de 1% a 4,5% sobre a receita das empresas de 17 setores que fazem uso intensivo de mão de obra. Os resultados positivos em termos de geração de empregos, recuperação da atividade econômica e mesmo para a arrecadação parecem demonstrados por estudos sérios.

No ano passado, o Legislativo aprovou a extensão desse regime até o fim de 2027, mas Lula a vetou. O Congresso então derrubou o veto presidencial e promulgou a Lei 14.784/2023. Inconformado, o chefe do Executivo editou, no dia seguinte, uma medida provisória que revogava a tal Lei. No governo Bolsonaro, o expediente foi usado contra as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Na ocasião, o STF afirmou que o Executivo não poderia “impor sua escolha contra o que foi decidido pelo Parlamento”, a quem cabe “a última palavra no processo legislativo.” (ADI 7.232).

No caso da desoneração, a MP inicialmente editada por Lula foi revogada por outra, restando em vigor apenas disposições sobre compensação de créditos tributários. Havia uma ADI (7.587), distribuída ao ministro Cristiano Zanin, contra a primeira MP. A própria AGU peticionou reconhecendo a perda de objeto em relação ao problema da desoneração.

Todavia, de forma surpreendente, a AGU pediu a distribuição por prevenção ao ministro Zanin de nova ADI, agora contra a Lei 14.784/2023. Em menos de 24 horas, o relator supostamente prevento profere uma decisão monocrática, chancelada por outros quatro juízes em tempo recorde, no Plenário Virtual. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux.

Além de examinar com lupa essa alegada prevenção, de modo a afastar a impressão de que o governo tenha escolhido o relator do caso, o STF deve atentar para o seguinte: (I) não houve criação de um novo benefício fiscal, mas a mera prorrogação de um regime em vigor há mais de dez anos, cuja fonte de custeio é contemplada em sucessivas leis orçamentárias; (II) o Congresso demonstrou cabalmente, em suas informações, que houve estudo dos impactos financeiros da medida, como exige a Constituição.

O impacto na arrecadação foi estimado em R$ 9,4 bilhões, mas o efeito positivo previsto foi de R$ 10 bilhões, pelo incremento da atividade econômica e geração de mais de 600 mil empregos nos 17 setores desonerados. Nada muito diferente do que reconheceu o ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.632 ao indeferir a liminar então pleiteada pelo governo Bolsonaro contra a manutenção do mesmo regime de desoneração.

A prerrogativa de errar por último não transforma erros em acertos. Diante dos precedentes do próprio STF, de mais de uma década de vigência da desoneração e da insistência do Executivo em desrespeitar a decisão soberana do Parlamento no campo legiferante, não há razão para a confirmação de uma liminar concedida de afogadilho. O STF não pode admitir ser reduzido a mero departamento subalterno do Ministério da Fazenda.

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