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Desvendando a cortina de impunidade: Brasil condenado pela Corte IDH

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A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)[1] responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro em dois casos em julgamento ocorrido nesta quinta-feira (14).

O primeiro refere-se ao assassinato do trabalhador rural Antônio Tavares e aos ferimentos sofridos por outros trabalhadores pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por repressão de agentes da Polícia Militar de Curitiba, durante a realização da Marcha da Reforma Agrária, em 2000. O segundo trata do caso José Airton Honorato e outros (Operação Castelinho), que envolve execuções extrajudiciais perpetradas por policiais militares em Sorocaba, no ano de 2002.

Ambos os casos têm em comum a violência policial e a impunidade. Desde os acontecimentos, da submissão do caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos até a publicação da sentença, passaram-se mais de 20 anos, sem que o Estado brasileiro investigasse de maneira diligente, imparcial e efetiva, em prazo razoável, para esclarecer os fatos e responsabilizar os envolvidos. Sem que as vítimas fossem integralmente reparadas por danos materiais e morais (no sistema internacional de direitos humanos, os familiares também são considerados vítimas), sem nenhuma medida de reabilitação (ou seja, atenção à saúde física e mental) e tampouco nenhum avanço em políticas públicas nos órgãos de segurança para transformar esse contexto de violação[2].

No primeiro caso, Antônio Tavares e outros 197 integrantes do MST estavam em uma marcha em prol da reforma agrária, o que foi previamente informado ao Estado. No entanto, a resposta estatal foi de repressão, em vez de garantir o exercício dos direitos fundamentais de reunião, liberdade de expressão e circulação. Desde já adianto que a grande vitória desta sentença está na determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos para que o Estado brasileiro adeque a competência da Justiça Militar. Sem dúvida, a reforma do sistema de competência jurisdicional militar será um grande avanço para romper ciclos de violações de direitos humanos e cenários de impunidade no Brasil.

Na notificação da sentença, a Corte IDH, por unanimidade, declarou a responsabilidade do Brasil pela violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade de pensamento e expressão, à reunião, à criança, à circulação, às garantias judiciais e à proteção judicial devido ao impedimento da realização de manifestação pacífica e ao uso excessivo e desproporcional da força contra trabalhadores e trabalhadoras rurais. Assim como devido às graves violações na investigação e nos processos judiciais após os fatos. A Corte declarou que o Estado é responsável pela violação dos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos em relação ao senhor Antônio Tavares Pereira e outros 197 trabalhadores rurais[3].

Como medidas de não repetição, Brasil deve incluir um conteúdo específico e permanente no currículo de formação das forças de segurança que atuam no contexto de manifestações públicas no estado do Paraná. Por fim, a Corte IDH determinou que o Estado brasileiro deve adequar seu ordenamento jurídico em relação à competência da Justiça Militar, de acordo com os princípios estabelecidos na jurisprudência do tribunal.

No segundo caso, em março de 2002, nas proximidades de Sorocaba, a Polícia Militar paulista realizou uma operação contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), a principal organização criminosa da cidade. Essa operação, conhecida como Castelinho – nome da localidade onde foi realizada –, foi planejada e executada pelo Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (GRADI), composto por agentes da PM e subordinado ao Secretário de Segurança Pública.

O GRADI instruiu ex-presos informantes a enganarem o PCC sobre a existência de um avião com dinheiro que chegaria ao aeroporto de Sorocaba. A Polícia Militar cercou o local com aproximadamente cem policiais e, sem a presença de testemunhas que pudessem questionar a versão oficial, promoveu um tiroteio que foi justificado como um ato de resistência a um grupo que viajava em um ônibus. Como resultado da operação, na qual o ônibus foi atingido por mais de 100 disparos, um policial foi ferido com lesões leves e 12 pessoas foram mortas.[4]

É crucial enfatizar que a Corte IDH emitiu uma sentença histórica ao determinar que os assassinatos ocorridos nesta operação foram considerados execuções extrajudiciais, e não meramente um uso desproporcional da força, como alegado anteriormente no caso. Além disso, ao mencionar a violação do direito à verdade, a Corte IDH protege as pessoas em situações de vulnerabilidade e dignifica os indivíduos que sofrem com a institucionalização da violência policial. O tribunal também inova ao determinar que a Polícia Militar de São Paulo deve assegurar a plena implementação de dispositivos de geolocalização de movimentos, o que, sem dúvida, é uma medida preventiva contra execuções extrajudiciais.

Na notificação da sentença, a Corte IDH declarou a responsabilidade internacional do Brasil pela violação do direito à vida, das garantias judiciais, da proteção judicial, da verdade, do cumprimento das decisões judiciais, da integridade pessoal e da garantia ao prazo razoável devido à execução extrajudicial de 12 pessoas por agentes da PM, assim como as graves deficiências na investigação policial e no processo judicial posterior aos fatos[5].

Dentre as medidas de condenação, destaco um dos grandes avanços representados para que o Estado adote as medidas necessárias para a plena implementação de dispositivos de geolocalização de movimentos dos veículos policiais e das polícias no estado de São Paulo. Além da determinação para a criação de um grupo de trabalho com a finalidade de esclarecer as atuações do GRADI.

Em ambos os casos, o Brasil foi condenado ao dever de investigação diligente, mesmo que os crimes tenham prescrito, além de fornecer tratamento psicológico e psiquiátrico gratuito a todas as vítimas elencadas. Também foi determinada a publicação e realização de um ato público para declarar sua responsabilidade internacional[6]. Além disso, o país está obrigado a pagar as indenizações previstas por danos materiais, imateriais e reintegração de custos e gastos.

A responsabilização internacional do Estado brasileiro pela Corte IDH evidencia que não se tratam de casos isolados, mas sim de elementos integrantes de um contexto de violência e impunidade no Brasil. Mesmo que a sentença, por si só, seja uma medida de reparação, a partir dessas condenações, o Brasil tem a obrigação de cumprir a sentença a fim de reformar o sistema de competência jurisdicional militar, garantir o direito de reunião e livre manifestação, assegurar o direito à verdade e implementar políticas públicas, com a participação da sociedade, que desloquem o Estado brasileiro do papel de protagonista da violência policial em garantidor de direitos.

[1] A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão judicial de proteção de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A OEA é composta por dois órgãos de proteção de direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (órgão quase judicial) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil é parte da OEA e é responsável internacionalmente porque ratificou (ou seja, internalizou) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (tratado) em 25 de setembro de 1992 e aceitou a competência contenciosa (as sentenças) da Corte em 10 de dezembro de 1998.

[2] E nesta mesma data, 14 de março, completam-se 4 (quatro) anos sem que se saiba quem foram os autores do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, o que evidencia a persistência da impunidade.

[3] Também determinou a responsabilidade do Estado pela violação das garantias judiciais, proteção judicial e integridade pessoal em prejuízo das senhoras Maria Sebastiana Barbosa Pereira, Ana Lucia Barbosa Pereira, Ana Claudia Barbosa Pereira, Ana Ruth Barbosa Pereira, Samuel Paulo Barbosa Pereira, João Paulo Barbosa Pereira e demais 69 trabalhadores rurais.

[4] Informações site da Corte Interamericana de Direitos Humanos. CORTE IDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/. Acesso em 14 de março de 2024.

[5] A Corte por unanimidade declarou que é o Estado é responsável pelo direito à vida em razão da execução extrajudicial de José Airton Honorato, Gerson Machado da Silva, Djalma Fernandes Andrade de Souza, Fábio Fernandes Andrade de Souza, Laércio Antônio Luiz, Luciano da Silva Barbosa, Jeferson Leandro Andrade, Sandro Rogério da Silva, Aleksandro de Oliveira Araújo, José Maria Menezes, Silvio Bernardino do Carmo e José Cícero Pereira dos Santos.

O Estado é responsável das garantias e proteções judiciais, à integridade pessoal, assim como pela violação ao direito à verdade pela violação a garantia da proteção judicial em prejuízo de Elisangela de Souza Santos, Bruno Alexander, Angelina Rodriguez, Renata Flora Resende, Geralda Andrade, Luciana Felix Barbosa Leite, Sandro Vinicius da Silva e Dilma Silva do Carmo. O Estado é responsável pela violação da garantia de prazo razoável em relação a Geralda Andrade e pela violação dos direitos de cumprimento das decisões em prejuízo de Bruno Alexander, Elisangela de Souza Santos, Renata Flora Resende e Luciana Felix Barbosa Leite.

[6] No caso Tavares Pereira, a Corte determinou que o Estado brasileiro deve agir com todas as medidas necessárias para proteger o monumento de Antônio Tavares Pereira.

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