Dificuldades das operadoras de saúde na aplicação do Tema 1.034 do STJ

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Com o envelhecimento da população e o aumento da demanda por serviços médicos, a manutenção de inativos nos planos de saúde empresariais figura como um tema de relevância social e econômica no Brasil. 

A Lei 9.656/1998, em seu artigo 31, dispõe sobre a continuidade do benefício para inativos, assegurando ao aposentado o direito de manter o plano coletivo com as mesmas condições de cobertura que possuía enquanto empregado, desde que: (i) tenha contribuído financeiramente por, no mínimo, dez anos durante o vínculo empregatício; e (ii) assuma o pagamento integral do plano.

Além disso, a lei garante ao aposentado que contribuiu por menos de dez anos o direito de se manter como beneficiário, à razão de um ano para cada ano de contribuição, desde que assuma o custo total.

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Apesar da regulamentação prevista em lei, aumentaram os processos judiciais sobre as condições assistenciais e de custeio dos planos de saúde para aposentados, o que levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a afetar a questão ao sistema de recursos repetitivos, cuja tese fixada deve ser observada por todos os tribunais do Brasil.

No julgamento do Tema 1.034, a Segunda Seção do STJ, em interpretação ao artigo 31, da Lei 9.656/1998, fixou as condições assistenciais e de custeio que devem ser mantidas para beneficiários inativos. As teses fixadas foram:

  1. Eventuais mudanças de operadora, de modelo de prestação de serviço, de forma de custeio e de valores de contribuição não implicam interrupção da contagem do prazo de 10 (dez) anos previsto no art. 31 da Lei n. 9.656/1998, devendo haver a soma dos períodos contributivos para fins de cálculo da manutenção proporcional ou indeterminada do trabalhador aposentado no plano coletivo empresarial.
  2. O art. 31 da Lei nº 9.656/1998 impõe que ativos e inativos sejam inseridos em plano de saúde coletivo único, contendo as mesmas condições de cobertura assistencial e de prestação de serviço, o que inclui, para todo o universo de beneficiários, a igualdade de modelo de pagamento e de valor de contribuição, admitindo-se a diferenciação por faixa etária se for contratada para todos, cabendo ao inativo o custeio integral, cujo valor pode ser obtido com a soma de sua cota-parte com a parcela que, quanto aos ativos, é proporcionalmente suportada pelo empregador; e
  3. O ex-empregado aposentado, preenchidos os requisitos do art. 31 da Lei nº 9.656/1998, não tem direito adquirido de se manter no mesmo plano privado de assistência à saúde vigente na época da aposentadoria, podendo haver a substituição da operadora e a alteração do modelo de prestação de serviços, da forma de custeio e os respectivos valores, desde que mantida paridade com o modelo dos trabalhadores ativos e facultada a portabilidade de carências.

Acontece que passados mais de três anos desde o advento do Tema 1.034, o que se verifica, na prática, são inúmeras dificuldades operacionais enfrentadas pelas operadoras de planos de saúde para cumprimento do quanto fixado pelo STJ, especialmente em relação aos valores de contribuição dos inativos no plano coletivo único.

Afinal, a determinação é para que se mantenha o aposentado no mesmo plano de saúde destinado aos ativos, custeado pelas empresas empregadoras, assumindo o inativo o valor integral das mensalidades pagas pela empresa e pelo empregado ativo.

Daí já surge dificuldade operacional criada na prática pelo Tema 1.034/STJ, que é a separação, dentro do mesmo plano, de ativos e inativos, pois há casos, por exemplo, em que o plano de saúde destinado aos ativos tem as cobranças realizadas na modalidade pós-pagamento, enquanto aquele destinado aos inativos pré-pagamento. Tal situação, aliás, foi muito bem abordada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao apresentar o seu voto no julgamento do recurso que deu origem à tese fixada no Tema 1.034:

“Todavia, superada a divergência, no sentido de ser obrigatória a instituição de plano de saúde coletivo uno para ativos e inativos, incluídas as condições de pagamento, algumas reflexões devem ser feitas a respeito das diversas modalidades de custeio: pré-pagamento por faixas etárias, pré-pagamento por preço único, pós-pagamento por custo operacional e pós-pagamento por rateio.

(…)

Na modalidade pós-pagamento, por sua vez, o valor do prêmio é variável, pois dependerá do cálculo das despesas efetuadas pelo universo de usuários com a utilização dos serviços em dado mês de referência, isto é, não há custo individualizado, por pessoa. No tipo custo operacional, a operadora repassa ao empregador o valor total das despesas assistenciais; já na opção por rateio, a estipulante reparte o custeio das despesas com os beneficiários do plano, que poderá ser um percentual fixo sobre a remuneração ou outras formas de configuração.

No atinente à modalidade pré-pagamento por faixas etárias, não ocorrerão maiores transtornos, visto que a tabela de preços do plano coletivo único incidirá conforme a situação individualizada do beneficiário, podendo a soma “cota do empregado” e “cota do empregador” ser feita sem complicações, o que resultará na assunção do pagamento integral pelo aposentado, conforme disposição legal.

Entretanto, os planos das modalidades pré-pagamento por preço único e pós pagamento serão fortemente afetados, dada a dificuldade de se calcular individualmente o valor integral a ser suportado pelo aposentado (não é uma simples soma aritmética da parcela do empregador com a contribuição do empregado), e provavelmente serão reestruturados, ainda que seja para incluir os empregados inativos no universo de beneficiários antes formado somente por empregados ativos, o que produzirá subsídio cruzado e patrocínio”

Desse modo, nos casos de planos em que a cobrança seja realizada sob a modalidade de pós-pagamento por custo operacional, a soma da cota-parte do empregador com a cota-parte do empregado acaba resultando em valor de mensalidade que, na prática, corresponde ao pagamento integral do tratamento, apenas com o benefício da prática dos valores negociados entre operadora e prestador de serviços credenciado.

Tanto que no Recurso Especial nº 2.091.141 (2023/0286730-4), o STJ decidiu que “sendo o plano de saúde dos empregados ativos contratado na modalidade pós-pagamento com coparticipação, a manutenção do aposentado como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial, implica a assunção, por este, da integralidade do custeio (cota do empregado + cota do empregador), representado pelo pagamento da taxa de administração e, em caso de utilização dos serviços, do pagamento de 100% de seu custo, cabendo-lhe, se não lhe for conveniente a permanência como beneficiário, exercer o direito à portabilidade de carência”.

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Há diversas decisões, no entanto, pelas quais o órgão julgador busca alcançar um valor fixo, baseado, por exemplo, em médias aritméticas das contribuições anteriores, contrariando o artigo 31, da Lei nº 9.656/1998 e a própria Tese Repetitiva 1.034/STJ.

Ou seja, trata-se de um tema ainda não pacificado na jurisprudência, que tem gerado controvérsias e decisões de toda sorte, especialmente em relação ao custeio do plano pelo inativo.

Além disso, a inclusão de aposentados na mesma carteira dos ativos tem potencial de elevar a sinistralidade, resultando em outra dificuldade operacional. Isto resulta num efeito cascata que é a aplicação de reajustes por sinistralidade para toda a carteira, gerando novas ações judiciais sobre abusividade.

Portanto, é crucial que o Superior Tribunal de Justiça volte a analisar o tema, com urgência, principalmente para definir os critérios de fixação do valor a ser pago pelos inativos, proibindo critérios de cálculo que não sejam aqueles previstos na legislação e no próprio Tema 1.034; além de permitir, como ocorria anteriormente, a separação das carteiras – mantidos os critérios de cobertura e valores, o que ajudaria a evitar o aumento da sinistralidade e as dificuldades operacionais de cobrança.

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