No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

‘Disparidade de armas’ em ações coletivas

Spread the love

Estão em julgamento na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça os Embargos de Divergência em Resp 1.304.939/RS e Embargos de Divergência em Resp 1987688/PR, que tratam da aplicação dos artigos 18 da Lei 7.347 (LACP) e 87 da Lei 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) em favor das partes rés nas ações coletivas ajuizadas por entidades civis, legitimadas pelo artigo 82, IV do CDC e 5º, V da LACP.

A discussão gira em torno do conflito de entendimento entre as turmas do STJ quanto à aplicação do princípio da simetria em favor das instituições financeiras – rés nestes casos – mesmo que o autor da ação coletiva seja uma entidade civil.

No Brasil, para fazermos uma comparação com uma história bem conhecida (a luta de Davi e Golias), uma luta é travada todos os dias por meio das ações coletivas ajuizadas por organizações da sociedade civil contra grandes grupos econômicos que, coincidentemente, são os litigantes habituais[1]. E nessa batalha, em que não parece haver a chamada “paridade de armas”, são as entidades civis que desempenham um papel fundamental para a coletividade, em diversos campos de atuação, seja na defesa do consumidor, na assistência social, na ajuda humanitária, na proteção e promoção do meio ambiente e da sustentabilidade.

Não por outro motivo, o legislador estipulou, no Código de Defesa do Consumidor, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de associações representativas, bem como a facilitação da atuação dos hipossuficientes em juízo (arts. 4º, II, b, e 6º, VII e VIII). A intenção de estabelecer a isenção de custas e honorários às entidades civis, nos termos do art. 87 do CDC[2] e 18 da LACP[3], é justamente trazer o acesso à Justiça por meio da ação coletiva, garantindo tal isenção aos legitimados ativos e não à parte contrária.

Porém, caso haja a interpretação por parte do STJ, de que o princípio da simetria deve ser aplicado em favor das instituições financeiras, haverá violação inequívoca a outro  princípio Constitucional, o de acesso à Justiça, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da CF. Lembremos que o princípio da simetria determina que as partes envolvidas em um litígio judicial devem estar em igualdade de condições, o que não ocorre no embate judicial entre entidades civis e os grandes players do mercado.

Não há dúvidas de que a aplicação do princípio da simetria a esses litigantes habituais irá gerar desigualdades substanciais no acesso à Justiça, limitando a capacidade das partes menos favorecidas de defenderem seus direitos e de toda a coletividade, de forma eficaz no sistema legal, causando o verdadeiro desestímulo dos profissionais que atuam em prol das organizações da sociedade civil.

Num tempo em que temos instituída no Ministério da Justiça e Segurança Pública uma Secretaria de Acesso à Justiça, se faz contraditória qualquer decisão do Judiciário brasileiro que limite de forma tão desigual a busca por reparação em casos em que os que buscam seus direitos são, na sua maioria, pessoas que encontram dificuldade de acessar as vias legais e que, só o fazem, pela bravura e insistência das entidades civis.

Sabiamente, o ministro Herman Benjamin, no julgamento do Recurso Especial 1.873.776/RS, afirmou que nas ações empreendidas pelas entidades civis, o que se observa não é a simetria, mas o contrário: “Nessas situações, o que se apresenta, em vez de simetria, é exatamente o oposto, absoluta assimetria substantiva de condições econômicas, políticas, institucionais e jurídicas, encenação contemporânea, no inóspito campo de batalha do processo civil coletivo, da luta de Davi contra Golias”. Assim como o ministro Herman, fizemos essa comparação no início deste texto.

A isenção das custas e dos honorários para as entidades da sociedade civil no âmbito das ações coletivas funciona como instrumento de participação dos cidadãos no Sistema de Justiça, fortalecendo a democracia e a transparência. Isso permite que as OSCs trabalhem em conjunto com o Estado para exercer um controle social sobre as instituições públicas e privadas, promovendo a responsabilização dos danos perpetrados em massa, bem como evitando lesões à sociedade.

Dessa forma, entendemos que a equiparação das entidades civis aos players do mercado aplicando o princípio da simetria é uma espécie de violação ao acesso à justiça, prejudicando a defesa dos direitos da coletividade, incentivando a um desestímulo no ajuizamento das ações coletivas pelos patronos das entidades civis que atuam de forma pro bono. Aplicar tal princípio, sem dúvida, é o verdadeiro genocídio do processo coletivo brasileiro, ficando a cargo, exclusivamente, dos entes Públicos, os quais já estão em total colapso, a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Os ministros e ministras do tão honrado Tribunal da Cidadania tem a oportunidade de garantir que não haja retrocesso no processo coletivo brasileiro, devendo afastar a aplicação do princípio da simetria aos réus das ações coletivas, a fim de garantir a continuidade do trabalho prestado pelas organizações da sociedade civil em prol da coletividade e zelar pelo acesso à Justiça para todos e todas.

[1] Disponível em: https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/

[2] CDC – Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais. Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

[3] LACP – Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

[4] Ação Popular – Art. 12. A sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *