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Da crise gerada pela Operação Lava Jato, passando por uma nova legislação, o uso crescente da mediação para resolver conflitos entre a administração pública e o setor privado (e dentro de cada um dos setores) tem crescido. A ferramenta tem despontado ao unir segurança jurídica ao senso de urgência econômica. O assunto foi tema do primeiro dia do VI Congresso Internacional CBMA (Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem) de Mediação, que começou nesta quinta-feira (7/11) no Rio de Janeiro.
“A grande virada de chave foi a entrada do TCU [Tribunal de Contas da União] no jogo”, diz Vivianne Magalhães, legal affairs officer do RIOgaleão, concessionária do Aeroporto Internacional Tom Jobim. “Hoje temos tranquilidade, segurança jurídica, um ambiente de confiança dentro do tribunal que antes era visto como algoz”. No final de 2022, o TCU criou um instrumento de consensualidade na instrução normativa 91, estabelecendo um procedimento de solução consensual de controvérsias para órgãos e entidades da Administração Pública Federal no âmbito do Tribunal.
Esse mecanismo permitiu que autoridades especificadas no Regimento Interno, dirigentes de agências reguladoras e relatores de processos no TCU solicitem uma solução consensual. As solicitações devem detalhar o objeto da controvérsia, incluindo a materialidade e o risco envolvidos, entre outras informações. Uma vez admitido, o processo é autuado como Solicitação de Solução Consensual (SSC), encaminhado à Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex-Consenso) para análise.
A proposta de solução deve ser feita em até 90 dias, prorrogáveis. Após manifestação do Ministério Público, o processo segue para sorteio de relator e, em seguida, ao Plenário para decisão final. A rapidez do processo permite que empresas e o próprio Estado evitem gastos com processos judiciais longos, levando em conta, além das chances de êxito no judiciário para cada uma das partes, o custo oportunidade. “A vantajosidade é daquele momento”, diz Silvio Caracas, auditor do TCU que também participou do evento. “Talvez quem analise aquele acordo seis anos depois não tenha vivido o momento, então não se trata de olhar no retrovisor”.
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Até agora, a Secex-Consenso teve 25 casos admitidos, 14 acordos homologados, e 4 casos não chegaram a um acordo, de acordo com Caracas. No entanto, a Secex-Consenso também tem sido alvo de críticas: a recente remoção da necessidade de aprovação de auditores em acordos fortaleceu o protagonismo do Plenário do TCU, aumentando as tensões sobre a autonomia das unidades técnicas e o risco de interferência direta no mérito dos acordos. Além disso, uma pesquisa interna indicou que mais da metade dos auditores discorda da atuação negociadora do TCU, defendendo que a Secex-Consenso deveria manter um papel meramente procedimental.
Ainda na esfera pública, outro turning point para a exploração de métodos de conciliação foi a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em 2018, segundo a procuradora do estado de São Paulo Eugênia Marolla. Com a inclusão dos artigos 20 a 30, a LINDB passou a incentivar a autocomposição com segurança jurídica, abrindo espaço para decisões administrativas negociadas e processos de mediação mais transparentes e menos punitivos.
“Havia uma visão muito mais formalista do direito”, diz. “Houve uma mudança de chave dessa visão, para uma preocupação com a finalidade do ato, qual é o benefício que pode ser atingido com a medida. O formalismo gerou um monte de obras paradas porque você fica discutindo no judiciário”. Para a especialista, a construção da ideia de vantajosidade é essencial na esfera pública, pois é preciso “mostrar que partir para a mediação é o que melhor atende ao interesse público, por ser mais rápida e eficiente”.
No meio do caminho
Na Petrobras, uma sociedade mista de capital aberto, as mudanças em direção à implementação de técnicas de mediação teve o empurrão da crise deixada pela Lava Jato, com aumento dos litígios. Além das mudanças na área de governança e fortalecimento de mecanismos anticorrupção, a petroleira hoje tem áreas estruturadas para análise de riscos específicos que ajudam em estratégias de negociação, conta Paula Karam, advogada sênior da empresa. “Isso também dá conforto para o gestor, é importante estar embasado em análises muito robustas”, diz. “Afinal, ele pode ser responsabilizado em seu CPF pelos acordos”.
Além disso, a busca por soluções consensuais também mantém relacionamentos importantes para as operações da companhia como um todo. “Há segmentos em que não há muitos prestadores de serviços, e brigar em um contrato contamina outros que você tem”, diz Paula. “Uma modelagem de vantajosidade em uma empresa inclui mil ponderações, e tem de ser feita de forma multidisciplinar”.
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As crises de corrupção da última década também atingiram as concessões e o setor de infraestrutura, agravando inseguranças para o ambiente de negócios. “Todas as projeções que tínhamos há dez anos não se concretizaram”, diz Magalhães, do RIOgaleão. “Havia na posição da administração pública um receio de revisitar profundamente esses contratos, o que tornou ativos muito importantes para o desenvolvimento cada vez menos atrativos”.
ESG
Já no meio privado, a mediação tem se espalhado com rapidez entre diferentes pontos das operações. Na L’Oreal, por exemplo, o pedido da matriz francesa para o braço brasileiro é a criação de um comitê de mediação trabalhista — com a ambição de que o modelo seja replicado, posteriormente, em toda a América Latina, segundo Sandra Gebara, diretora jurídica. “Confesso que ainda não encontrei essa solução de como dar segurança jurídica nesse sentido, mas obviamente queremos solucionar os conflitos da melhor forma possível dos dois lados, já que o ex-empregado é nosso consumidor e porta-voz”, diz.
Na companhia, técnicas de mediação também são utilizadas para a implementação de políticas ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês), à medida que o diálogo com grupos de afinidade formados por funcionários promove uma escuta ativa, de acordo com Gebara. “Nosso próximo passo no jurídico é treinar funcionários que atuam em contato com nossos parceiros comerciais em mediação”.
Acordos mediados também têm sido ferramentas úteis na manutenção de diretrizes de governança em empresas familiares — em que conflitos são uma das principais causas de problemas nas operações. Lilian Vargas, advogada, compartilhou a experiência de sua família, da concessionária Toyota na Argentina, Derka y Vargas. Com a criação de um protocolo familiar com regras acordadas entre membros envolvidos e não envolvidos na empresa em 2019, a ideia era garantir “a sobrevivência harmoniosa do ecossistema da família durante sucessivas gerações”, disse.
*A reportagem viajou ao Rio de Janeiro a convite da CBMA.