Do TikTok para as Câmaras Municipais: como visualizações viram votos

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Sem dúvida, um dos fenômenos eleitorais das eleições municipais deste ano foi Pablo Marçal que, num partido pequeno (PRTB), conseguiu 1,7 milhão de votos na cidade de São Paulo.

O ex-coach — que agora prefere ser chamado de mentor — já tinha tido sua estreia eleitoral em 2022, quando concorreu ao cargo de deputado federal pelo estado de São Paulo. Porém, teve sua candidatura indeferida pouco depois das eleições, quando obteve pouco mais de 243 mil votos.

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Em 2024, a candidatura de Marçal à Prefeitura de São Paulo foi permeada por controvérsias e escândalos. Desde agosto suas contas nas principais redes sociais estavam bloqueadas por decisão judicial. Boa parte da campanha foi feita a partir de contas reservas.

Durante a campanha, recebeu uma cadeirada do candidato José Luiz Datena (PSDB) após provocá-lo em debate realizado pela TV Cultura. Tal episódio viralizou nas mídias sociais e uma infinidade de memes foi produzida e compartilhada. Ao final da corrida eleitoral Marçal publicou, na conta reserva, um laudo médico falso alegando que o candidato Guilherme Boulos (PSOL) seria usuário de drogas ilícitas.

Embora os olhos da mídia e dos principais comentaristas políticos estivessem sob Marçal, visto que, caso eleito, ele seria o prefeito da maior cidade do país, seu sucesso eleitoral foi acompanhado também do crescimento de vereadores com perfil semelhante. São em geral influenciadores digitais do sexo masculino disputando eleições pela primeira vez, relativamente jovens e sem apoio significativo da estrutura partidária.

Por exemplo, dos 55 vereadores eleitos na cidade de São Paulo, pelo menos 7 são personalidades que ganharam fama a partir da internet e apenas uma delas, Rubinho Nunes (União Brasil), ex-membro do MBL, faz parte da legislatura atual.

Lucas Pavanato (PL), vereador mais votado, com 161,3 mil sufrágios, foi apadrinhado por Nikolas Ferreira (PL-MG), deputado federal e um dos principais nomes do bolsonarismo na Câmara dos Deputados.

Sargento Nantes (PP) foi o quarto mais votado. Além dele, foram eleitos Amanda Vettorazzo (União), uma das principais figuras do MBL na capital paulista, e Zoe Martinez (PL) e Adrilles Jorge (União), ex-comentaristas políticos da Jovem Pan. Logo após a eleição, esse grupo de eleitos foi apelidado de “G-Crazy” por vereadores veteranos, dada a atuação enérgica dessas figuras em suas redes sociais.

São Paulo não é a única capital com grande número de influenciadores eleitos para a vereança. Curitiba teve seis influenciadores eleitos, sendo que cinco deles ficaram entre os dez mais votados. Outras capitais como Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Manaus, Rio de Janeiro, Natal e Salvador, além de cidades de grande porte como Campinas (SP) e Contagem (MG), também têm seu “G-Crazy”.

Embora o perfil da maioria desses eleitos seja de direita — em sua maioria membros do PL ou do União Brasil —, o influenciador Rick Azevedo (PSOL) foi eleito no Rio de Janeiro com mais de 29 mil votos, defendendo a pauta do fim da escala de trabalho 6×1, com o slogan “vida além do trabalho”.

O fenômeno do voto em candidatos celebridades não é novo. Brasileiros já elegeram personalidades do mundo dos esportes e da televisão, entre eles Jean Wyllys, Alexandre Frota, Romário e Tiririca. A novidade eleitoral de 2024 é que cada cidade parece estar produzindo suas microcelebridades, por meio de influenciadores locais com bastante atuação no Instagram e no TikTok. É o que estudiosos chamam de nanoinfluenciadores.

Para o marketing, os nanoinfluenciadores são produtores de conteúdo nas redes sociais como os grandes influenciadores, mas com menor número de seguidores ou inscritos. Eles possuem entre 1.000 e 10 mil seguidores ou inscritos e, em geral, são mais focados em um público ou segmento. Os nanoinfluenciadores eleitos à vereança em 2024 se apresentam como especialistas em suas respectivas cidades, parecem falar dela, dos seus problemas e de bairros específicos como ninguém mais.

Parte desse sucesso talvez se deva a cursos online. Nikolas, por exemplo, ofereceu o curso Caixa Preta durante este ano, voltado a interessados em se candidatar tanto à prefeitura quanto à vereança. Ele, porém, não é o único a oferecer uma formação buscando novos quadros políticos à direita. A Academia MBL, que recentemente tem focado cada vez mais na disputa eleitoral, já convida pessoas para se prepararem para as eleições de 2026. Por exemplo, Bruno Engler, em Belo Horizonte, e André Fernandes, em Fortaleza, ambos apoiados por Nikolas e integrantes do PL, chegaram ao 2º turno das eleições para prefeito.

Além de os candidatos investirem tempo e dinheiro nessa estratégia, com a produção e o impulsionamento pago de seus conteúdos, existe também o impulsionamento feito pelos próprios seguidores. É o que David Nemer, da Universidade da Virgínia (EUA) chama de infraestrutura humana. Analisando grupos bolsonaristas, ele notou o compartilhamento de conteúdos pelos próprios participantes em outros grupos diversos.

Esse impulsionamento humano pode ser tanto voluntário como estimulado financeiramente. Marçal remunerou pessoas que publicassem vídeos com sua imagem nas redes sociais. Não se sabe ainda se isso ocorreu em outras campanhas eleitorais pelo país. Ou seja, além do próprio algoritmo das redes sociais privilegiar determinados conteúdos, os próprios usuários lotaram as redes sociais com vídeos e imagens de Marçal.

Em tempos de infodemia, com excesso de produtos circulando pelas redes procurando reter “consumidores”, a “moeda” mais cobiçada nas mídias tem sido a atenção. Observando a campanha de mídia digital desses candidatos eleitos, há uma avalanche de posts produzidos por dia, com uma linguagem simples, e por vezes bem-humorada, falando de problemas cotidianos como buracos nas ruas ou filas em hospitais.

É como se fosse uma conversa entre amigos, reclamando do ônibus que demora a chegar, com caráter de denúncia e fiscalização, no mesmo estilo de programas policialescos da TV. São temas cotidianos que estreitam laços entre eleitores e candidatos e geram comentários da audiência — ainda que parte dela não seja espontânea.

Exemplos dessas estratégias não faltam. Pavanato é o campeão de interações dentre os candidatos para vereança em São Paulo, segundo o Monitoramento das Eleições Municipais de 2024 da USP. Martinez ficou em segundo lugar nesse levantamento. No perfil dela no Instagram pode-se ver alguns vídeos respondendo a caixinhas de perguntas, além de outras postagens como vídeos de passeata com seus apoiadores e mensagens de Michelle Bolsonaro. Já Sargento Nantes apostou em vídeos de denúncias sobre a má situação de serviços básicos na cidade, junto com vídeos de apoiadores, dentre eles Marçal.

Embora curtidas e visualizações no TikTok e Instagram não se transformem necessariamente em votos, visto que o número de seguidores que um influenciador possui não representa seu eleitorado, tudo indica que as redes sociais entraram de vez para a receita necessária ao sucesso eleitoral de políticos iniciantes. Marçal, por ora, ficou pelo caminho, mas o “G-Crazy” eleito em 2024 abre espaços de poder para outros influenciadores e afins em pleitos futuros.

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