Dom Murilo Krieger: A noite da alegria

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“Esta noite… liberta o pecador de seus grilhões, dissipa o ódio… enche de luz e paz os corações.”

Dom Murilo S.R. Krieger, scj – arcebispo Emérito de São Salvador da Bahia

A celebração litúrgica da vigília pascal bem que poderia ser chamada de A noite da alegria, já que se realiza em clima de festa e seus participantes são convidados a se unir num mesmo sentimento: “Exulte o céu… Alegre-se também a terra… Que a mãe-Igreja alegre-se igualmente”.

E qual o motivo para uma festa assim, que pretende ser universal? “Esta noite… liberta o pecador de seus grilhões, dissipa o ódio… enche de luz e paz os corações” (Canto Exultet). A cerimônia da Páscoa nos recorda que a última estação da Via-Sacra não é a cruz do Calvário, nem o túmulo onde depositaram nosso Mestre e Senhor, mas é o mundo todo, tocado pela vitória daquele que, ressuscitado, venceu o sofrimento, o pecado e a morte.

Mas, enquanto a comunidade continua seu canto e sua festa, em muitas ruas, praças e cidades o ambiente é diferente: doentes fazem perguntas sobre o porquê de sua dor; moradores de uma vila entram em desespero diante da tragédia causada por uma tromba d’água; catadores de lixo procuram seu alimento em sacos plásticos; povos lastimam o regime ditatorial em que vivem; grupos imensos, envolvidos pelo sofrimento e pela fome, pelo medo e pela falta de esperança, não  compreendem a razão da festa pascal e gostariam que alguém lhes explicasse o sentido de uma alegria que não está sendo de todos.

Em sua paixão e morte, Jesus Cristo assumiu o pecado do mundo e a palavra “pecado” sintetiza, aqui, todo tipo de mal que há nesta terra dos homens e toda destruição causada no projeto de Deus. Cristo revelou-nos que a libertação do mal não acontece, porém, sem a participação de cada um de nós. O mesmo Pai que pediu a colaboração do homem na obra da criação (cf. Gn 1,28), quer sua participação na obra da redenção. A salvação é-nos oferecida como um dom, mas ninguém é obrigado a aceitá-la. Somos, afinal, criaturas livres; temos o poder de recusar até um presente…

Terrível é que as consequências da não aceitação do dom da salvação repercutem além do próprio indivíduo: passageiros do mesmo barco, nos beneficiamos ou sofremos com as decisões de nossos companheiros. Aí está nosso mundo, com suas grandes e pequenas guerras, com seus imensos egoísmos e pequenas mesquinharias, a nos advertir para a responsabilidade de nossas opções.

Unir-se, hoje, ao ressuscitado significa colaborar para que sua vitória penetre em todos os ambientes e situações do mundo, em todos os lares e corações; significa, também, acreditar que nem o pecado, nem o sofrimento ou a morte são obstáculos insuperáveis em  nossa vida. Somos convidados a participar da alegria de Jesus levantando nossa cabeça para o alto (Se ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus – Cl 3,1) e estendendo os braços para nossos irmãos. Se é trágico que eles, curvados sobre si mesmos, convivam com tantas formas de morte, mais trágico é que nada façamos para que a vitória de Jesus Cristo os atinja.

Cabe-nos ensinar-lhes como conquistar a verdadeira alegria, que não pode ser confundida com o prazer passageiro e inconstante, conseguido, muitas vezes, à custa de novos sofrimentos para os outros. Poderemos lhes lembrar, também, a diferença entre a resignação e a serenidade; entre o otimismo ingênuo e a esperança daquele que acredita na possibilidade de um mundo marcado pela justiça, porque luta para que ela se concretize.

“Esta noite… liberta o pecador de seus grilhões, dissipa o ódio… enche de luz e paz os corações.” Há muito que fazer para que a ressurreição de Cristo atinja a vida de todos, e para que a alegria desta festa seja vivida no dia a dia de cada um. E é confortador saber que nosso trabalho não será inútil: ao nosso lado, incentivando-nos, está Jesus Cristo, garantia de nossa vitória.

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