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O Equador admitiu responsabilidade internacional parcial no caso Aguas Acosta Vs. Equador, em audiência realizada na última sexta-feira (8/3) na sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em San José, na Costa Rica. O caso está relacionado à tortura policial que resultou na morte de Aníbal Alonso Aguas Acosta e à falta de garantias judiciais e proteção na investigação do fato, ocorrido em 1997.
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Apesar de celebrar o reconhecimento parcial de culpa estatal, representantes da vítima e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmam ser ainda insuficiente para obtenção de justiça e reparação aos familiares. Aguas Acosta foi morto há mais de 20 anos e nenhum dos agentes policiais envolvidos no crime foi efetivamente punido.
Aguas Acosta foi detido por policiais em 1º de março de 1997 na cidade de Machala, na província de El Oro, na região sudoeste do Equador. Na ocasião, segundo testemunhas, ele estava em estado de embriaguez, tropeçou e deixou cair alguns objetos em um estabelecimento, quando os proprietários do local decidiram chamar a polícia.
Ele foi colocado em um veículo de patrulha e agredido repetidas vezes até ficar inconsciente. Ao chegar à delegacia, agentes jogaram água em seu rosto. Como ele não reagia, decidiriam levá-lo a um hospital, onde os médicos constataram o falecimento. A autópsia constatou trauma cranioencefálico e diversas lesões em várias partes do corpo.
No dia seguinte, foi aberto um processo contra os dois agentes que atenderam ao chamado da polícia. Semanas depois, a investigação dos acusados passou à competência da jurisdição policial. Os dois agentes foram condenados como coautores de delito de homicídio involuntário. A sentença foi confirmada pela Segunda Corte Distrital, que modificou o tipo penal a delito de morte por tormentos corporais, e os policiais foram condenados a oito anos de reclusão. Até hoje, porém, nenhum deles cumpriu a pena.
Violação do direito à vida
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o uso da força policial foi arbitrário e injustificado. “A morte de Aníbal Alonso Aguas Acosta por agentes do Estado equatoriano no contexto de uma operação em que houve uso desproporcional da força é imputável ao Estado e implica a sua responsabilidade pela violação do direito à vida. A Comissão observou ainda que as lesões que sofreu lhe causaram graves sofrimentos físicos e mentais, de tal forma que constituíam tortura”, afirmaram representantes da Comissão IDH aos juízes da Corte Interamericana.
Além disso, a Comissão concluiu que as violações de direitos humanos das quais Aguas Acosta foi vítima deveriam ter sido investigadas, processadas e punidas pela Justiça comum, e não por foro policial, “que não oferecia garantias de independência nem imparcialidade”. Mais de 23 anos se passaram sem uma investigação efetiva.
Para representantes da Comissão IDH, o Estado violou os direitos à vida e à integridade pessoal, garantias e proteção judiciais, e a obrigação de investigar atos de tortura, consagrada nos artigos 4, 5.1, 5.2, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação às obrigações estabelecidas nos seus artigos 1.1 e 2, bem como os artigos 1, 6 e 8 da Convenção Corte Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.
Durante o trâmite do caso na Corte, representantes estatais e representantes das vítimas subscreveram um acordo em que o Equador realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade, ação repetida na audiência da última sexta-feira. Mas não admitiu violações aos artigos 2 da Convenção Americana nem aos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Corte Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, e tampouco detalhou os meios previstos de reparação.
Para representantes das vítimas, o reconhecimento de responsabilidade parcial do Estado equatoriano “tem impacto profundo e constitui avanço nas reparações aos familiares”. Mas a admissão não integral mostra que ainda há controvérsias.
“Quando o Sr. Aguas Acosta deixou o estabelecimento, chegaram dois agentes em uma viatura para rendê-lo. Ele se opôs à detenção, agarrando-se a um poste, e os policiais chamaram reforços. A mulher do Sr. Aguas Acosta chegou ao local e suplicou que não o prendessem, inclusive se comprometeu a pagar pelos danos causados. Mas suas súplicas foram ignoradas. Chegaram outros cinco agentes em duas patrulhas e o colocaram no veículo à força”, contou César Duque, assessor jurídico da Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (Ceduh) do Equador.
A mulher de Aguas Acosta, Estela, ainda pediu para acompanhá-los até a delegacia, mas não foi atendida. Ela então pegou um táxi até o local. Chegando lá, perguntou pelo marido, e os agentes de plantão afirmaram que não havia entrado ninguém com esse nome.
“Disseram a ela para ficar calma, que ele seria solto no dia seguinte, e que ela fosse embora. Preocupada que a patrulha com o marido não chegava, ela mesma decidiu começar a buscar”, continuou o advogado, em representação dos familiares da vítima.
A autópsia, disse Duque, constatou diversas lesões na cabeça, pescoço, abdômen e tórax. O irmão de Aguas Acosta apresentou uma denúncia. Mas o caso acabou trasladado depois ao foro policial, com a justificativa de que o fato ocorreu quando os policiais estavam em serviço.
“Ele (Aguas Acosta) não representava nenhum perigo para as pessoas. A mulher dele não foi escutada. Nada justifica caso a brutal violência policial, golpeando até matá-lo”, afirmou o advogado César Duque.
Segundo representantes do Estado equatoriano, há uma investigação aberta por delito de tortura pela Procuradoria-Geral da República. Eles acrescentaram que o acordo assinado com familiares de Aguas Acosta – que prevê reparações econômicas e acesso a serviços médicos e psicológicos – tem o objetivo de “dar voz à vontade das vítimas”. Afirmaram ainda que o Equador vem desenvolvendo novos marcos jurídicos sobre o uso desmedido de força policial.
Reconhecimento parcial
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanas, o reconhecimento parcial de responsabilidade e a chegada a um acordo com familiares “valorizam e contribuem para a dignificação das vítimas, a obtenção de justiça e reparação e o bom funcionamento do sistema interamericano”. Mas ainda falha no não reconhecimento integral de responsabilidade nos artigos referidos pela Comissão em relação à obrigação de prevenir e sancionar atos de tortura.
“O Sr. Aguas Acosta estava consciente e ao subir na patrulha sofreu diversas lesões que resultaram em sua morte. O Estado não provou que o uso da força foi proporcional ou progressivo em relação ao grau de cooperação ou resistência do Sr. Aguas Acosta”, afirmaram representantes da Comissão, que pedem à Corte que declare o Equador responsável pela violação dos direitos à vida e integridade pessoal da vítima.
Para o órgão interamericano, houve ainda falha estatal no dever de dispor de uma normativa interna que garanta o acesso à justiça de acordo com os padrões interamericanos. Em vez disso, afirma, o caso teve múltiplas omissões e irregularidades desde o início.
“Não foram colhidas provas com sentido de justiça e equidade. A mulher do Sr. Aguas Acosta sequer prestou depoimento. Não foram exploradas linhas de investigação que pudessem determinar a participação dos outros agentes, considerando que sete policiais participaram na detenção”, afirmaram.
Segundo a Comissão, a falta de diligência estatal e investigação criou uma situação de total impunidade. “Seis anos até a sentença em foro policial e mais de 20 anos depois da condenação de dois agentes, nada aconteceu”, afirmaram.
Participam do julgamento do caso os juízes Nancy Hernández López (presidente, Costa Rica), Rodrigo Mudrovitsch (vice-presidente, Brasil), Ricardo César Pérez Manrique (Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Verónica Gómez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile).