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No último sábado (9/11), começou a ganhar força no país o debate para propôr o fim da possibilidade da escala 6×1, em que os trabalhadores operam durante 6 dias da semana e descansam em 1. Hoje, no Brasil, este modelo de trabalho é comum em setores de serviços à população, como bares, farmácias, mercados, restaurantes, dentre outros.
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A iniciativa para estabelecer o fim da escala 6×1 nasceu de uma mobilização do vereador recém-eleito Rick Azevedo (PSol-RJ), líder do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), e foi apadrinhada pela deputada federal Erika Hilton (PSol-SP). Em 1° de maio deste ano, a parlamentar protocolou uma proposta de emenda à Constituição (PEC), com o argumento de acabar com a escala 6×1, mas propondo a redução na jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas semanais, sugerindo uma jornada de 4×3. Leia a íntegra da proposta.
Não há na legislação brasileira a previsão da escala 6×1, mas, sim, o regime de 8 horas diárias e 44 semanais. No entanto, é comum que se adote uma jornada de 7h20 diárias para cumprir as 44 horas semanais.
Para que a discussão, de fato ,comece a ganhar corpo no Congresso, a proposta precisa de ao menos 171 assinaturas de parlamentares. Até o início da noite de quarta-feira (13/11), segundo a deputada, a PEC contava com 216 signatários. Para avançar ao plenário, ela precisa primeiro passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, presidida pela deputada do PL, Caroline de Toni (SC).
Com o movimento provocado nas redes sociais nos últimos dias, há também uma mobilização em uma petição pública que reúne a assinatura de cerca de 3 milhões de pessoas para que os parlamentares revisem a escala 6×1.
O que diz o texto que propõe o fim da escala 6×1
Como regra, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em vigor desde 1° de maio de 1943, estabelece que a jornada de trabalho dos funcionários não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Embora a justificativa seja acabar com a possibilidade da escala 6×1, a proposta apresentada pela parlamentar altera a redação da Constituição para reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, mantendo o limite atual de 8 horas diárias. Ou seja, regula a jornada e não os dias da semana. O inciso XIII do art. 7° passaria a vigorar da seguinte forma:
“Art.7°…………………………………………… …………………………………………………… XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
Com isso, a sugestão é que os trabalhadores operem em 4 dias da semana e descansem em 3, incluindo o fim de semana. Em suas redes, a deputada argumenta que a escala exaustiva tira do trabalhador o direito de passar tempo com família, de cuidar de si, se divertir, procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. “A escala 6×1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador”, afirmou a parlamentar em publicação em seu perfil pessoal na segunda-feira (11/11).
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Também na última segunda-feira, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, manifestou-se por meio de nota em suas redes sociais sobre a articulação para dar fim à escala 6×1. Segundo ele, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) entende que a temática deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho. De acordo com Marinho, a pasta considera, contudo, que a redução da jornada para 40 horas semanais é “plenamente possível e saudável, quando resulte de decisão coletiva”.
Na noite de quarta-feira, Hilton se encontrou com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para discutir o tema. Na terça-feira (12/11), em coletiva de imprensa, Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), disse que ainda não houve uma discussão do governo sobre a redução da escala 6×1, mas que está é “uma tendência no mundo inteiro”.
‘PEC não, necessariamente, impede a escala 6×1’
Valdete Severo, juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), reitera que no Brasil não existe o regime de escala 6×1, mas, sim, o regime de 8 horas diárias e 44 semanais. A magistrada explica que, desde a Reforma Trabalhista, em 2017, entrou em vigor na CLT o regime de “compensação”, que autoriza os funcionários a fazerem um acordo com o empregador para trabalhar 12 horas diárias e folgar 36 horas.
Segundo a juíza, esse modelo tem geraldo “adoecimento” e “exaustão” dos funcionários, mas que a redução da jornada semanal proposta pela PEC da deputada Erika Hilton não resolveria necessiamente este quadro. “Quando você fala em horas semanais, você permite que ele distribua essas horas. Então, ele pode fazer apenas os 4 dias ou ele pode distribuir nos 5, 6 dias da semana”, pontua.
De acordo com a magistrada, em vez de haver a proposição para regular a carga de trabalho semanal, seria muito mais efetivo se fosse proposto a regulação dos dias da semana. “Isso não retira a importância do projeto, porque, em uma relação de trabalho regulada, não tem nada mais grave do que a jornada extensa. Então, reduzir a jornada é uma pauta super importante, é tão importante que volta e meia ela reaparece”, destaca Severo.
A magistrada explica que, em tese, se houvesse a alteração da jornada, ela teria que alcançar todos os contratos, inclusive aqueles que já estão vigentes, pois a regra passaria a ser outra. “A regra do jogo passaria a ser que ninguém pode, por exemplo, trabalhar mais do que 36 horas semanais. Em tese, todos seriam beneficiados, mas com a prática que a gente tem poderia sobressair a possibilidade de compensação da jornada por acordo”, ilustrou.
Quanto à possibilidade do crescimento da “pejotização”, a magistrada assinala que não teria relação direta com a redução da jornada de trabalho, mas que se trata de um movimento disseminado para tirar a proteção social dos trabalhadores. “Não é porque vai diminuir a jornada que uma empresa vai deixar de assinar a carteira. As empresas já estão fazendo isso porque existe um incentivo, e porque desse jeito elas retiram a proteção social, impedem de ter acesso à previdência, de ter férias”. pontuou.
Redução da jornada para 4×3, pejotização e busca por contrapartida
Claudia Abdul Ahad, advogada trabalhista e sócia do Securato & Abdul Ahad Advogados, entende que a grande premissa da jornada de 4 dias de trabalho por semana é a questão da produtividade. No entanto, assinala que isso poderia não fazer tanto sentido para alguns setores econômicos, como é o caso dos garçons que trabalham em bares e restaurantes. Além disso, a advogada ressalta que a proposta traz uma preocupação com as pequenas e médias empresas, porque os custos – de gestão, contratação, demissão – delas irão aumentar caso haja a aprovação da PEC.
Ahad acredita ainda que a proposta de redução da jornada de trabalho sem uma provável redução salarial irá onerar as empresas, de modo que elas busquem alguma maneira de repassar esses custos – ou demitindo os funcionários ou repassando o custo para o consumidor final. Por essa razão, defende que o ideal é que a discussão da proposta venha com alguma contrapartida para auxiliar as empresas.
Outro ponto abordado pela advogada é a possibilidade de crescimento da informalidade na contratação dos serviços, a chamada “pejotização”. “Hoje, 40% dos trabalhadores brasileiros já são informais. Então existe, sim, essa possibilidade de aumento da informalidade na contratação de mão de obra, assim como sua precarização. Em tese, a pejotização é válida, é legítima, desde que os empregados não tenham os requisitos do vínculo do emprego”, destacou.
Matheus Quintiliano, coordenador da área trabalhista do Velloza Advogados, defende que a PEC em discussão oferece uma alteração muito simplista do art. 7°, inciso VIII, da Constituição Federal, sem trazer uma preocupação com as consequências jurídicas e econômicas que a mudança traria não somente aos empresários, como também aos empregados. “Eu acho ótima essa ideia de reduzir a jornada de trabalho, mas a gente tem que analisar se a nossa estrutura econômica permite”, destacou o advogado.
Por isso, acredita que seja de extrema importância a redução da jornada trabalhista, desde que ela seja acompanhada de medidas compensatórias aos pequenos e médio empresários, que possuem o poder aquisitivo muito inferior em comparação aos grandes empresários. “Caso a PEC seja aprovada, o governo precisa, se [o projeto] não tratar de redução de salário in natura, pensar em benefícios fiscais. Aqui, digo benefícios previdenciários, com relação a folha de pagamento, tributos relacionados ao INSS, ao FGTS”, ilustrou o advogado.
Caso a proposta passe e seja aprovada no Congresso, Quintiliano teme que, sem as medidas compensatórias, os empregadores podem optar pela “pejotização” que pode, futuramente, ocasionar o aumento do desemprego e, ainda, trazer impactos para a Previdência Social. “Ou seja, a gente vai aumentar a quantidade de profissionais, não digo informais, mas aqueles que não contribuem tanto quanto um empregado celetista contribui para os cofres da Previdência”, destacou.
O que diz o setor sobre a redução da jornada de trabalho
Em nota, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) manifestou sua posição contrária à PEC. “Embora entendamos e valorizemos as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas demandas sociais, destacamos que a imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas. Esse aumento inevitável na folha de pagamento pressionará ainda mais o setor produtivo, já onerado com diversas obrigações trabalhistas e fiscais”, diz trecho do comunicado.
Segundo a CNC, o impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos, diminuir os salários de novas contratações, fechar estabelecimento em dias específicos, o que diminuiria o desempenho do setor e aumentaria o risco de repassar o desequilíbrio para o consumidor.
“Com isso, antecipamos que, ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões, especialmente em setores de mão de obra intensiva, prejudicando justamente aqueles que a medida propõe beneficiar”, afirma. “A CNC acredita que a redução da jornada de trabalho deve ser discutida no âmbito das negociações coletivas, respeitando as especificidades e limitações de cada setor econômico e evitando a imposição de uma regra única”, destaca a CNC.
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A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) também emitiu um comunicado afirmando que a PEC traria “retrocesso” e potenciais impactos negativos para consumidores, sociedade e empreendedores do setor de alimentação fora do lar.
“É uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade. As regulamentações estabelecidas pela Constituição e expressas na CLT são modernas e já trazem as ferramentas para garantir condições de trabalho dignas e justas aos colaboradores. A legislação atual permite que os trabalhadores escolham regimes de jornada adequados ao seu perfil, sem a necessidade de uma alteração constitucional que impacte a operação dos estabelecimentos em todo o Brasil, além de prejudicar os consumidores”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
Segundo a associação, a redução drástica na jornada de trabalho pode resultar em aumento dos custos operacionais, o que, por sua vez, elevaria os preços finais para o cliente, afetando a experiência do consumidor e a competitividade do setor. “Cerca de 95% do setor é de microempresas, que precisariam reduzir o horário de funcionamento diante da mudança, já que a folha de pagamentos é um dos maiores custos para manter o empreendimento aberto. Estima-se que a medida poderia acarretar uma elevação de até 15% nos preços dos cardápios”, afirma em nota.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) também manifestou preocupação com a proposta de redução da atual jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, sem que haja redução proporcional dos salários, uma vez que, caso seja aprovada, a medida traria uma série de possíveis implicações para o mercado de trabalho e para a economia brasileira. “Entre os impactos estariam a perda de produtividade. Segundo estudo da Gerência de Economia da FIEMG, a diminuição da carga horária semanal pode resultar em uma perda de R$8,5 bilhões para as indústrias brasileiras e de R$38 bilhões para os setores produtivos de modo geral do país”, diz um trecho da nota da FIEMG.
*Colaborou Luísa Carvalho