Escalada da judicialização da LGPD: análise do fenômeno e suas implicações no Brasil

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Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em 2020, o cenário regulatório brasileiro passou por profundas transformações. O que começou como uma adaptação inicial de processos por parte de empresas e instituições públicas agora apresenta um novo fenômeno: a crescente judicialização das questões relacionadas à proteção de dados pessoais.

Tal escalada judicial do tema pode ser interpretada como um reflexo da ampliação da conscientização sobre os direitos relacionados à privacidade e à proteção de dados. Esse fenômeno está diretamente relacionado à disseminação da cultura de proteção de dados, tanto entre os titulares quanto entre as empresas e órgãos públicos, que passaram a ter um entendimento mais claro sobre os riscos e responsabilidades envolvidos.

De acordo com o Relatório LGPD nos Tribunais 2023, elaborado pela JusBrasil em conjunto com o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI), Data Privacy Brasil e Universidade de São Paulo (USP), o aumento de 419% nas decisões judiciais relacionadas à LGPD entre 2022 e 2023 destaca a relevância crescente do tema no judiciário brasileiro.

O número de casos passou de 1.789 em 2022 para 7.503 em 2023, evidenciando que a LGPD tem sido objeto de um crescente volume de disputas jurídicas, à medida que se consolida como marco regulatório na proteção de dados pessoais. Esse cenário se mostra em consonância com o monitoramento iniciado em 2021, que já apontava uma tendência de aumento no número de decisões, que totalizava 584 decisões naquele ano, mas o crescimento numérico, entretanto, não pode ser reduzido a uma mera estatística, ele reflete uma evolução significativa no debate jurídico sobre os direitos dos titulares e as obrigações dos agentes de tratamento.

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A judicialização não ocorre de forma isolada. Observa-se que as instituições, tanto públicas quanto privadas, enfrentam desafios concretos para implementar as exigências da lei, o que culmina em um aumento nas disputas judiciais. A inadequação às normas de privacidade tem gerado conflitos especialmente em setores que tratam grandes volumes de dados sensíveis, como o financeiro, telecomunicações e serviços na internet. 

O setor financeiro é o mais representativo nas ações judiciais analisadas, respondendo por 26% dos processos relacionados à LGPD e esse dado reflete a complexidade inerente ao tratamento de dados pessoais nesse setor, especialmente no que tange ao uso de informações pessoais para avaliação de crédito e prevenção à fraude.

A aplicação dos artigos 5º e 7º da LGPD, que tratam da definição de dados pessoais e das bases legais para seu tratamento, respectivamente, tem sido central nas disputas jurídicas, com as discussões acerca da legalidade do tratamento de dados, com base no consentimento ou na necessidade para a execução de contratos, sendo centrais e recorrentes. Além disso, o estudo aponta que controvérsias judiciais em torno do consentimento, o que destaca a importância de garantir que os titulares tenham controle efetivo sobre seus dados.

Outro aspecto relevante é a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que, embora tenha priorizado ações educativas e preventivas, não tem sido suficiente para evitar a onda de judicialização que se mostra. 

A ANPD exerce um papel de suma importância na orientação de empresas e agentes públicos quanto às melhores práticas em proteção de dados, mas a sua atuação não eliminou o aumento expressivo de litígios judiciais. Esse movimento é, em parte, resultado da complexidade e novidade do tema no ordenamento jurídico brasileiro, o que leva muitas vezes à busca pelo Judiciário como uma forma de clarificar a aplicação da lei em situações concretas, especialmente em um país onde já existe uma cultura de litigiosidade com o é o caso do Brasil.

Porém, um ponto de destaque e talvez de mitigação para a este fenômeno seria o papel dos Encarregados pelo Tratamento de Dados Pessoais, também conhecidos pelo termo em inglês Data Protection Officers (DPOs), que têm ganhado importância estratégica dentro das organizações. 

Esses profissionais atuam como ponte entre os titulares de dados e os agentes de tratamento, respondendo por solicitações de acesso, correção e até exclusão de dados, por sua função prevista no artigo 41 da LGPD, essencial para a governança de dados dentro das instituições, pois bem, como são responsáveis também por mediar a comunicação entre as partes, podem facilitar resoluções de situações corriqueiras, solicitações e evitar disputas judiciais.

Portanto, o que se observa é que a judicialização dos assuntos relacionados à proteção de dados pessoais aponta para um processo de amadurecimento da sociedade brasileira quanto ao direito à privacidade, bem como, um fenômeno que revela as dificuldades práticas da implementação da lei e a necessidade de um acompanhamento rigoroso, tanto do ponto de vista regulatório quanto jurídico. 

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A análise crítica desse processo é de extrema importância para entender as dinâmicas do ecossistema de proteção de dados pessoais no Brasil e prever os desdobramentos futuros da legislação, será que as melhores práticas serão moldadas no mercado? Pelas agências reguladoras? Pelos tribunais? O acompanhamento dessas dinâmicas é importante para antecipar os desafios futuros e entender melhor como a LGPD continuará a moldar as práticas de tratamento de dados no Brasil. 

Diante desse panorama, o campo jurídico relacionado à privacidade e proteção de dados se destaca como uma área promissora. Advogados especializados em proteção de dados têm visto um aumento nas demandas e oportunidades de trabalho, enquanto os encarregados ou DPOs assumem posições estratégicas dentro das organizações, e essa expansão abre perspectivas tanto para a pesquisa acadêmica quanto para a prática jurídica.

Por fim, a judicialização, ainda que em expansão, evidencia as lacunas existentes entre a teoria legal e a prática institucional, demandando um esforço contínuo de adequação e conformidade. Somente com o amadurecimento dessas práticas será possível alcançar a plena efetivação dos direitos à privacidade e proteção de dados pessoais previstos na legislação brasileira, enquanto a prática jurídica e a pesquisa acadêmica continuam a se consolidar.

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