No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Escassez de vacinas e baixa testagem: como o Brasil enfrenta a covid-19 no pós-pandemia

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Quase cinco anos após a identificação dos primeiros casos de covid-19 no mundo, o Brasil vive ondas silenciosas da doença, com baixa testagem e problemas para fazer a vacina chegar ao braço dos brasileiros. Embora mais de 86% da população esteja imunizada e o número de mortes tenha caído drasticamente no país desde a pandemia, especialistas dizem que é preocupante a escassez de vacinas observada nos últimos meses, com milhares de doses vencidas, dependência da importação de imunizantes e dificuldade em reabastecer os postos de saúde.

Isso porque, além da incidência da chamada “covid longa” — com sintomas que podem durar de três meses a anos —, as reinfecções sucessivas também podem ocasionar fadiga crônica, problemas respiratórios, psicológicos e cognitivos, afetando a qualidade de vida de milhares de pessoas. “É preciso lembrar que a covid-19 não é uma gripezinha, mas sim uma doença que afeta nossos vasos sanguíneos e pode atingir diferentes áreas do nosso organismo”, afirma a professora em Epidemiologia da Universidade Federal do Ceará, Ligia Kerr.

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Nos dois últimos anos, o Brasil vem registrando uma redução sustentada de mortes por covid-19 graças à vacinação em massa e à imunidade natural adquirida pela população que contraiu o vírus. Se nos três primeiros anos da pandemia o país registrou em torno de 700 mil óbitos por conta do novo coronavírus, de 2023 a outubro deste ano, foram pouco mais de 20 mil mortes pela doença.

“Mesmo diante desse cenário, as práticas preventivas, como vacinação e uso de máscara em locais fechados, seguem sendo recomendadas, em especial para os grupos mais vulneráveis”, afirma Anderson Brito, virologista e pesquisador do Instituto Todos pela Saúde, que monitora a circulação do SARS-CoV-2 e de outros patógenos respiratórios no país. Entre os grupos mais vulneráveis, estão idosos, imunossuprimidos, gestantes e puérperas.

Desde os momentos mais críticos da crise sanitária, o país viu o sistema de saúde sair do colapso, as políticas para o isolamento social acabarem e sua população retomar uma “vida normal”. A campanha de vacinação em massa enfrentou resistência enquanto crescia o movimento antivacina, empenhado em desinformar sobre a segurança dos imunizantes. Institutos nacionais como Butantan e Fiocruz chegaram a produzir vacinas contra a covid-19 no país, mas as tecnologias delas (de vírus inativado e vetor viral, respectivamente) foram descontinuadas. Assim, o país segue dependente da importação das vacinas de RNA mensageiro e à base de proteína.

Neste ano, o foco da vacinação mudou e passou a focar apenas nos grupos de risco. O Ministério da Saúde diz seguir uma recomendação geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), priorizando idosos, imunossuprimidos, gestantes e profissionais de saúde. A estes grupos, o Brasil adicionou também populações isoladas e crianças de 6 meses a 5 anos, já que as mortes por covid-19 no país se concentram nos dois extremos etários: idosos e crianças, especialmente aquelas com menos de um ano. Quem nunca se vacinou também deveria procurar os postos, enquanto a população já imunizada com a vacina bivalente só receberia uma nova dose caso desejasse.

O problema é que, nos últimos meses, faltou vacina até mesmo para os grupos prioritários, com maior risco de evoluir para doença grave e óbito. Um levantamento feito pela Folha de S. Paulo apontou que os estoques estavam zerados em 18 estados no fim de outubro por conta de imunizantes vencidos, falta de planejamento e problemas com fornecedores.

Um exemplo foi o impasse com a Moderna. Com vacinas vencidas devido a uma entrega com prazo de validade diferente do acordado com a farmacêutica, o Ministério da Saúde recusou uma oferta de 3 milhões de doses atualizadas (à variante JN.1) feita pela farmacêutica por falta de registro na Anvisa e cobrou a entrega da vacina anterior (para a variante XBB, a última autorizada no país).

O diretor do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti Fernandes, admite que faltou vacina, mas diz que a situação no momento está resolvida e que há imunizantes suficientes para dois a três meses. “Eventuais desabastecimentos que aconteceram não se devem a problemas de planejamento ou orçamento por parte do Ministério da Saúde. Nós tivemos problema no cumprimento do contrato pelos fornecedores”, justificou ele, em entrevista ao JOTA.

Em 2023, o Ministério da Saúde repassou 106,2 mil doses de imunizantes contra a covid-19 a estados e municípios. Neste ano, até o momento, a distribuição foi de menos de um quarto desse montante: cerca de 22,8 mil doses. Segundo a pasta, o fato de 86% da população já estar protegida neste ano com pelo menos duas doses e a mudança no público alvo da vacinação interferem na quantidade necessária de doses a serem distribuídas.

Segundo Gatti, o Brasil firmou um contrato de mais 69 milhões de doses que poderão ser utilizadas em até dois anos para garantir o abastecimento de vacinas atualizadas. Sobre o desperdício dos imunizantes vencidos, ele diz que, no ano passado, a atual gestão precisou trabalhar com o planejamento “herdado” do governo Jair Bolsonaro (2019-2023). O movimento antivacina também teria contribuído para redução na busca pela vacinação e a consequente perda dos imunizantes.

Além da vacina da covid-19, um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CVM) apontou que outros 11 tipos de vacina — como tríplice viral, hepatite A, entre outras —estavam em falta ou com abastecimento irregular em 6 de 10 municípios brasileiros, conforme apontou outra reportagem da Folha.

Diante da pressão, o Ministério da Saúde anunciou na última segunda-feira (25/11), em coletiva de imprensa, a construção de um painel virtual de monitoramento com informações sobre o volume de vacinas, medicamentos e outros insumos disponíveis nos estoques do governo federal, estados e municípios, além da adoção de estratégia de diversificação de compras de fornecedores e de entregas de produtos de forma escalonada, conforme informou a repórter Jéssica Gotlib aos assinantes JOTA PRO Saúde.

No entanto, os representantes da pasta afirmaram que é preciso diferenciar perdas rotineiras nos estoques de imunizantes, como as perdas técnicas, de outros problemas eventuais na gestão dos insumos. Só neste ano, foram quase 11 milhões de doses incineradas, a maior parte delas contra a covid-19. “Temos que separar o caso das vacinas contra a covid-19 das demais”, afirmou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), Ethel Maciel, na entrevista coletiva. De acordo com ela, a compra de doses foi realizada antes da nova recomendação da OMS de inutilizar imunizantes fabricados com a primeira cepa do vírus. Além disso, a secretária também abordou a questão do negacionismo e apontou que há um maior receio da população em relação à vacina da covid-19, o que dificulta que haja o uso tempestivo das doses.

O Ministério Público Federal abriu recentemente uma apuração preliminar ao ver indícios de omissão no enfrentamento à covid-19 também no atual governo. Para o órgão, o Ministério da Saúde deixou vencer milhões de imunizantes e tem realizado um número “inexpressivo” de testes de diagnóstico.

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Sobre a baixa testagem, Gatti diz que não estão faltando kits de diagnóstico na rede, mas, com grande parte da população imunizada, pessoas com sintomas leves da doença tendem a buscar menos os serviços de saúde para fazer o teste. A questão é que, sem a testagem em massa, especialistas dizem que é difícil ter uma dimensão real da situação da covid-19 no Brasil e em alguns lugares do mundo.

“Não temos ainda um indicativo da prevalência da covid longa no Brasil e sabemos que, com mais reinfecções, maiores podem ser os riscos desses sintomas persistentes ou sequelas relacionadas à covid-19″, afirma a biomédica e professora da Escola de Saúde da Unisinos, Mellanie Fontes-Dutra. Ela lembra que muitas pessoas receberam a última dose da vacina há muito tempo e a imunização agora é orientada apenas aos grupos de risco.

Com a contínua evolução das variantes, especialistas entrevistados pelo JOTA defendem a necessidade de conscientizar a população sobre os riscos da doença e a segurança das vacinas, manter as estratégias de vacinação com imunizantes atualizados e estabelecer políticas públicas urgentes para a covid longa.

Variantes em circulação

Atualmente, circulam predominantemente no Brasil as variantes derivantes da ômicron, que tendem a provocar casos menos graves em populações com alta cobertura vacinal. “Como qualquer vírus em circulação no mundo, o SARS-CoV-2 continua sofrendo mutações, reflexos naturais decorrentes das infecções que ele causa”, explica o virologista Anderson Brito. Apesar do comportamento menos letal, o vírus da covid-19 não deve ser tratado como o da gripe, por exemplo, já que causa problemas de saúde de longo prazo em cerca de 30% dos infectados.

Mas é isso que tem acontecido na prática, conforme aponta a antropóloga e pesquisadora em pós-doutorado na UC San Diego, Beatriz Klimeck, uma divulgadora científica que ganhou evidência durante a pandemia. Segundo ela, as pessoas entendem a covid-19 como uma gripe qualquer e já não buscam sequer fazer os testes quando têm sintomas respiratórios.

Para Klimeck, o governo federal também não tem dado a relevância adequada à doença. Além da pouca testagem, ela acredita que a vacinação foi mais tímida neste ano e alega que orientação da OMS que o Ministério da Saúde alega seguir é “o mínimo”. “A gente já sabe que quanto mais tempo passa da última vacinação, é mais possível que você desenvolva quadros mais graves da doença”, afirma.

“O país passou, recentemente, por uma onda de covid-19, mas apesar disto se fala pouco sobre ela. Esta onda teve início em torno de agosto, durante cerca de 2 meses, e vem reduzindo os casos na maioria dos estados brasileiros”, acrescenta a epidemiologista Ligia Kerr.

Para os especialistas, o Brasil precisa investir na produção nacional de vacinas, com a transferência de tecnologia, para reduzir o risco de desabastecimento. Sobre isso, o Ministério da Saúde diz que tem retomado investimentos junto aos laboratórios. Profissionais entrevistados pelo JOTA também defendem a adoção de políticas para melhorar a qualidade do ar nos ambientes e para monitorar o sistema de esgoto nas grandes cidades, uma saída ao problema da testagem, uma vez que pode ajudar identificar a tendência do aumento de casos a partir da presença do vírus na rede de esgoto.

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