No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Estudo do Banco Mundial revela poder dos dados na administração pública

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Em tempos de discussões acaloradas sobre o ambiente digital, um abrangente estudo do 18 mostra como a boa análise de dados pode ser decisiva para dar mais efetividade às políticas públicas e aos serviços prestados pelo Estado. O estudo “Dados para uma Melhor Governança: Criando Ecossistemas de Analítica Governamental na América Latina e no Caribe” foi apresentado no Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, do Clad, em Brasília.

A partir de 12 estudos de casos e consultas a 100 representantes de 20 nações, os pesquisadores concluíram que, via de regra, os países da região armazenam uma grande quantidade de dados, algumas vezes com boa qualidade, mas não conseguem produzir análises que reflitam abordagens mais eficientes, inclusive para economizar recursos públicos.

Traduzindo: se os países aumentarem a transparência dos dados; fortalecerem a integração entre sistemas; e induzirem a acessibilidade e a formalização de acesso, há chances reais de fazer contratos melhores, mais baratos e ainda oferecer soluções que correspondam às demandas efetivas da sociedade.

“Poucas pessoas têm acesso aos dados. Então, isso acaba criando certas barreiras em termos de análise. O grande valor dos dados vem, realmente, quando a gente começa a analisá-los e incorporá-los à tomada de decisões da política pública”, afirmou Galileu Kim, especialista do Banco Mundial em análise de dados e administração pública, em entrevista ao JOTA e à newsletter Por Dentro da Máquina.

Mas a construção de um ecossistema capaz de sair das análises meramente descritivas e partir para análises avançadas em grande escala não é trivial. A boa notícia é que, comparativamente, o Brasil já percorreu um longo caminho.

Dos 12 estudos de caso, dois deles tratam de iniciativas locais. A mais destacada é o sistema de análise criado pelo governo do Rio Grande do Sul para reduzir os preços de aquisição de bens e serviços. Ao reaproveitar dados das faturas digitais de ICMS para calcular os preços de referência de mercado, o governo do estado reduziu em 4% suas despesas totais anuais com determinados produtos. Quando as equipes de compra puderam acessar esses dados, a redução do preço alcançou 13,2%.

Em nível federal, o destaque foi dado ao combate à corrupção, a partir da Avaliação de Risco de Governança Sistema no Brasil (Gras, na sigla em inglês), do Banco Mundial. Com a integração de dados, o GRAS identificou cerca de 800 empresas suspeitas que se habilitaram para contratos públicos, o que auxiliou a Polícia Federal a descobrir redes de empresas de fachada e lavagem de dinheiro.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com o especialista do Banco Mundial, Galileu Kim:

Fazendo uma metáfora, pode-se dizer que temos laranjas, elas são abundantes e têm qualidade, mas não conseguimos produzir o suco?

Sim, e também dá para melhorar a qualidade das laranjas. Apesar de a gente ter boas laranjas, dá pra fazer ainda mais doce. É basicamente isso.

E por que isso acontece?

Temos duas grandes questões que mencionamos no relatório. A primeira é a qualidade da infraestrutura de dados. Tem laranja? Tem, mas dá pra melhorar. Tem essa questão da transparência, da questão da acessibilidade. Também tem uma questão de formalização do acesso aos dados também. Isso acaba sendo bastante fragmentado dentro dos governos. Então, poucas pessoas têm acesso aos dados. Isso acaba criando certas barreiras em termos de análise de dados, que é o suco. O grande valor dos dados vem quando a gente começa a analisá-los e incorporá-los à tomada de decisões da política pública. Os dados estão lá. Mas, em geral, não estão acessíveis, são fragmentados, não estão tão transparentes quanto eles poderiam estar.

A segunda questão é sobre as capacidades analíticas. A gente vê isso desde dois pontos de vista. O primeiro diz respeito às capacidades institucionais. O que significa isso? Não tem unidades analíticas dedicadas a essa agenda de dados, ciências de dados.. São muito raras. Alguns sistemas de dados têm algumas unidades analíticas. A gente vê isso em áreas como impostos. Tem unidades de ciências de dados que estão dedicadas a isso. No Brasil, tem o caso da CGU também, que tem muitas equipes nesse sentido, mas são muito raras. Então, essa questão institucional tem que ser fortalecida. A gente realmente tem que criar essas equipes, essas instituições dedicadas à análise de dados.

O perfil de cientista de dados é muito raro. É algo novo no mercado. A gente vê algumas consultorias que já estão tentando capitalizar nesse sentido, mas são pessoas de graduação relativamente recente e o governo, em geral, não atrai esse tipo de perfil. Então, é preciso um esforço maior para construir carreiras dedicadas a isso, na ausência de pessoas que entrem já são especialistas no tema. A infraestrutura de dados e capacidades analíticas têm de ser fortalecidas. E com isso, a gente vai conseguir extrair mais suco das laranjas que você mencionou.

Posso concluir que esses dois aspectos devem amadurecer em conjunto, caso contrário, não vai funcionar?

Não é que não vai funcionar, mas vão ter limitações muito claras. O que a gente argumenta é que esse desenvolvimento deve ser um pouquinho equilibrado.

Acredita que há uma compreensão da alta administração sobre a importância dessa temática de integração de dados, de cruzamento de informações entre diferentes áreas para produzir boas políticas públicas?

São poucas as iniciativas nesse sentido, essas iniciativas multissetoriais, como você está mencionando. Teve um exemplo, isso na verdade foi o próprio projeto do Banco Mundial, que aconteceu há alguns anos, que eles estavam querendo construir um sistema integrado, chama-se a GRAS, Governance Risk Assessment System. Isso já está em conhecimento público, onde foram integrados diferentes espaços de dados administrativos, para tentar o quê? Para tentar ajudar a melhorar a eficiência das compras públicas no Brasil. Então, eles trouxeram dados diferentes, tabelas que já estavam sendo produzidas pelo próprio governo federal, só que não estavam sendo integradas nesse tipo de capacidade.

São raros, mas eu acho que nesse sentido, acho que vale a pena salientar um ponto. O valor dessa analítica tem que ser demonstrado de forma bem concreta, e acho que há uma grande dificuldade também sobre isso. Uma avaliação pessoal minha, tá, isso está não relatório em si: a gente quer enfatizar muito esses megaprojetos, projetos de alta complexidade, quando em geral a gente pode começar do mais básico, sabe? A gente não precisa sempre estar com o Rolls Royce ou inteligência artificial, com aquele modelo super complicado e algoritmo que só aquele especialista daquela universidade digital consegue entender.

Vai ter todo um leque de possibilidades que podem ser feitas, pequenas análises. Eu sei que nessa questão da segurança pública, especialmente na cidade de São Paulo, eles estão tentando fazer um projeto, umas análises bem interessantes com relação ao georreferenciamento dos casos de crime. Tentar produzir decisões mais inteligentes, onde deixar os policiais, áreas que precisam de melhor monitoramento, etc. Isso já está acontecendo na prática.

Se você fosse fazer uma comparação média do Brasil com os outros países da região, qual seria a sua avaliação?

O Brasil está na fronteira, não somente na região da América Latina, como globalmente em termos de infraestrutura de dados. O Brasil, como governo federal, tem suas limitações em questão dessa integração de dados, com certeza. Mas em termos de volume, de produção de dados, e também de transparência, o Brasil realmente faz um trabalho excelente, está bem mais avançado que os outros países. Agora, capacidade institucionais, tem muito para melhorar, tá?

Há um crescimento muito desigual. Têm certas áreas no governo que realmente estão avançando bastante no uso de dados, e outras áreas que realmente tem muito para melhorar. E algo que eu salientei na apresentação quando estava no Clad, e eu continuo insistindo nessa questão, a gestão de recursos humanos. Vou dar um exemplo: o SIAP, o Sistema de Administração de Pessoas, é fantástico! São mais de 30 anos de coleta de dados, de dados de gestão de recursos humanos. Mas, em termos de análise, ainda continua bastante descritivo, de certa forma, tem muito para melhorar com toda essa riqueza de dados.

Na minha opinião, a infraestrutura de dados está muito bem, e realmente o governo federal brasileiro fez um esforço muito grande na criação de transparência, no fortalecimento da transparência desses dados. Agora, precisa começar a aumentar aquele pilar, que é realmente a construção de capacidades institucionais, capacidade dos próprios servidores, das pessoas do serviço público para equilibrar as coisas e realmente conseguir extrair o suco.

Um último ponto sobre isso: o fato de a infraestrutura de dados ser tão grande e complexa no Brasil acaba também dificultando os próprios analistas de dados para entender e mapear essa complexidade também. Se fosse só algo bem simples, que o pessoal só puxa uma tabelinha e tá tudo bem, fica até mais fácil de analisar. O SIAP é um sistema extremamente complexo de dados. Então você também precisa ter mais capacidade institucional ainda, analítica, para conseguir lidar com essa complexidade também.

Mas o fato de o sistema ser tão complexo não demonstra que ele não foi projetado para permitir esse tipo de análise?

Isso que você mencionou é chave. Esses sistemas, nos anos 90, não foram criados para análise. Eles foram criados para registrar. São sistemas de transação. Certo? A complexidade realmente acontece por causa disso. Não é culpa de ninguém. Isso faz parte do processo de evolução do processo de negócio. Toda empresa encontra isso, como o governo federal também.

Para chegar na análise, a gente precisa de outra lógica. Não é uma lógica somente de registro de informação. É outro tipo de abordagem. Esses sistemas não foram criados originalmente para isso. Precisamos criar uma camada analítica que se alimenta, que transforme esses dados para que eles estejam prontos para a analítica. Acaba sendo um processo de seletivo. Não todos os dados vão ser úteis para análise. Vamos deixar claro isso também. Mas são escolhas feitas pelos analistas, escolhas feitas pelas equipes dos analistas, escolhas feitas pelos gestores de equipe, para tentar chegar nesse ponto. É um processo de evolução.

Para alcançar esses objetivos, o estudo afirma que não se pode contar com equipe part-time. Sem empenho de equipes inteiramente dedicadas a esse objetivo, corre-se o risco de ficar pelo caminho?

Isso, 100%. Quem tem essa visão um pouquinho mais de longo prazo e esse conhecimento específico consegue ver que fazer meia boca não permite esse nível de granularidade.

Agora, esse pessoal ganha muito bem no mercado privado. Como contratar e reter esse tipo de profissional?

Sim, o salário é mais competitivo no setor privado, mas tem bastante gente querendo servir a população. Nesse sentido, é importante identificar nas carreiras de graduação quem são as pessoas que têm interesse, não somente na ciência de dados, mas também servir ao povo brasileiro. Mesmo pessoas que poderiam ganhar uma renda muito maior no setor privado estão comprometidas com o serviço público. É o caso das pessoas da Enap, e eu tenho bastante contato eles. Conseguiram compor uma equipe de cientistas de dados em parceria com a UnB, que tem curso de ciência de computação. Eles conseguiram identificar outros servidores que já estavam trabalhando em questões de dados no próprio governo e que fizeram capacitação em análise estatística. Realmente, acho que o Brasil tem muita sorte nesse sentido.

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