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No último dia 9 de outubro, foi publicada a Lei 14.994/2024, que altera o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, a Lei de Execução Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei Maria da Penha e o Código de Processo Penal.
O intuito é tornar o feminicídio crime autônomo, agravar a sua pena e a de outros crimes praticados contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, bem como estabelecer outras medidas destinadas a prevenir e coibir a violência praticada contra a mulher.
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Especificamente no que diz respeito à criação de um novo tipo penal para o feminicídio, são revogadas com a nova lei as previsões que se encontravam no art. 121 do Código Penal e é criado o art. 121-A, que descreve: “Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: Pena – reclusão, de 20 a 40 anos”.
A intenção clara da criação de um novo tipo penal (dando autonomia a uma conduta que já era prevista no crime anterior, em continuidade normativo-típica) é dilatar a pena em abstrato, levando o feminicídio a ser o delito com a pena mais severa em toda a legislação penal (que inclui o próprio Código Penal e a legislação penal extravagante). Essa não é apenas uma má dogmática penal, mas é também uma péssima política criminal, adotada por um certo feminismo que goza no recrudescimento da sanção penal.
Do ponto de vista dogmático, é uma péssima opção legislativa porque, em verdade, o feminicídio é um homicídio que se qualifica pelo motivo por que é praticado, não havendo razão etiológica para a criação de um tipo penal específico com pena mais grave que os demais homicídios por motivo torpe.
O assassinato de uma mulher é um fato extremamente grave e inaceitável, mas não é mais ou menos grave do que o assassinato de um homem gay por motivo de homofobia, nem o assassinato de um jovem negro por motivo de racismo ou mesmo outros episódios possíveis de motivo torpe, não ensejando uma diferenciação do juízo de desvalor com relação a esses outros comportamentos criminosos. Todas essas condutas são, ao fim e ao cabo, determinadas por motivos igualmente torpes.
Para além disso, quase cinco anos atrás defendi neste JOTA a inconstitucionalidade da ampliação para 40 anos do tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade, alteração legal realizada pela Lei Anticrime. Isso porque, como escrevi outrora, o novo limite para unificação da pena é mais de meia vida do brasileiro médio e representa, na prática, uma pena de caráter perpétuo, sobretudo se considerado o estado de coisas inconstitucional das prisões nacionais, que reduzem a expectativa de vida das pessoas privadas de liberdade.
Nesse ponto, acreditando que o aumento desproporcional da punição irá inibir comportamentos violentos, a parcela punitivista do feminismo afilia-se a ideais anacrônicos que ignoram o sem número de estudos sociológicos que revelam a reduzida eficácia do controle social penal.
Ao apostar no aumento desmedido da punição, esperando a intensificação da coação psicológica ante os altos índices de feminicídio no Brasil, o feminismo punitivo acerta muito mais na repudiada prevenção especial negativa, que se identifica no enaltecimento da prisão de caráter perpétuo e no ideal eugênico de neutralização do condenado.
Do ponto de vista da política criminal, através do capital político do movimento feminista, abre-se uma brecha preocupante para que outras condutas típicas aumentem suas penas em abstrato também para 40 anos, servindo de farol para o recrudescimento da sanção penal. Se o combate à criminalidade econômica por muito tempo serviu de canto da sereia para a expansão do direito penal, esse fenômeno hoje ocorre via movimentos de luta por reconhecimento. Em especial, o feminismo.