No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Fiscalização e contencioso administrativo do IBS e da CBS

Spread the love

Após a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, que trouxe grande transformação no sistema tributário brasileiro no que diz respeito à tributação sobre o consumo, o momento atual, de regulamentação das leis complementares, é fundamental para garantirmos a aplicação dos novos princípios constitucionais de simplicidade, transparência, cooperação e justiça fiscal, premissas fundamentais da nossa atual reforma.

Em brevíssimo resumo, a reforma tributária altera a tributação do consumo, substituindo o ICMS e o ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo os tributos IPI, PIS e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), além de criar um imposto seletivo, que incidirá sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Lembrando que o governo federal estabeleceu 19 grupos de trabalho para elaboração das leis complementares que regulamentarão a reforma tributária, sem, porém, a inclusão de representantes das empresas ou da sociedade civil. Diante disso, a Frente Parlamentar do Empreendedorismo e outras vinte frentes parlamentares formaram grupos técnicos para o desenvolvimento de textos legislativos paralelos. Tal inciativa permitiu a inclusão dos contribuintes no processo de regulamentação, proporcionando um debate democrático sobre os aspectos fundamentais do novo modelo de tributação.

Foram cerca de 15 projetos de leis complementares apresentados pelas frentes parlamentares e, para o que importa ao presente artigo, fazemos referência ao PLP 50/2024, de autoria do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), e texto legislativo elaborado pelo Mulheres no Tributário, apresentado no último dia 12 de abril, propõe, dentre outros temas, a regulamentação da fiscalização e do processo administrativo tributário do IBS e da CBS.

O primeiro projeto de lei complementar do governo, o PLP 68, foi apresentado no último dia 25, instituindo “o Imposto sobre Bens e Serviços IBS, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços – CBS e o Imposto Seletivo – IS”, e dando outras providências. Em especial, os artigos 312 e seguintes dispuseram sobre a fiscalização dos novos tributos, detalhando competências e respectivos procedimentos para lançamento de ofício do IBS e da CBS.

Importante destacar, conforme mencionado anteriormente, que um dos grandes pilares da reforma tributária do consumo é a necessidade de simplificação do complexo ordenamento jurídico tributário do país, de modo a eliminar a cultura do litígio, fortalecer a segurança jurídica, e, consequentemente, promover o crescimento e desenvolvimento nacional. Portanto, qualquer projeto de lei complementar destinado a regulamentar e aplicar as novas normas tributárias deve adotar a simplificação como uma premissa fundamental.

A análise do PLP 68/2024 indica que a proposta governamental é robusta e apresenta muitos ganhos, como a simplificação das obrigações acessórias, a implementação de uma nota fiscal única e um cadastro unificado. Essas medidas são destacadas positivamente e estão alinhadas com os esforços de simplificação propostos nos projetos de lei complementares das Frentes Parlamentares, especialmente aqueles desenvolvidos pelo grupo Mulheres no Tributário.

No entanto, é importante destacar uma preocupação significativa que pode comprometer a promessa de simplificação da reforma tributária: os PLPs 50 e 68 demonstram perspectivas distintas sobre a gestão da fiscalização e do contencioso administrativo relacionados a CBS e ao IBS.

O PLP 68, proposto pelo governo, sugere um sistema de fiscalização dividido entre os três níveis da federação: federal, estadual e municipal, porém com ambiente digital compartilhado[1], atribuindo à Receita Federal a tarefa de fiscalizar e constituir o crédito tributário da CBS, enquanto as autoridades fiscais dos estados e do Distrito Federal e dos municípios serão responsáveis pelo IBS[2].

Essa descentralização poderá levar a interpretações e autuações divergentes entre si, além de provocar um uso ineficiente dos recursos públicos ao alocar agentes fiscais distintos para analisar tributos que são idênticos, com mesmos fatos geradores e mesmas regras fundamentais de tomada de crédito, hipóteses de não incidência, reduções de alíquota e regimes fiscais específicos.

Mais do que isso, tal PLP parece não levar em conta a nova tributação no destino introduzida pela reforma tributária, em que haverá tantos fatos geradores quantas forem as operações com bens ou serviços. Nessas situações, o sujeito passivo (contribuinte) é o fornecedor do bem ou serviço, porém é o estado/município do destino da operação que receberá a arrecadação do tributo. Ora, com mais de 5.500 municípios e 27 estados, torna-se impraticável simplificar o sistema tributário se houver fiscalização descentralizada por União/estados/municípios no destino em relação a cada operação sujeita ao IBS e CBS.

E a conclusão acima considera (embora não haja no PLP 68 disposição expressa nesse sentido) que a autoridade fiscal competente pela fiscalização será a mesma que efetivará a cobrança do tributo, no destino. Porque, se aventarmos a (absurda) hipótese de que a autoridade competente para fiscalizar é aquela do domicílio do sujeito passivo (na origem, pois), mais impraticável (e ineficiente e descabido) será nosso novo modelo de fiscalização/arrecadação tributário, especialmente porque o estado/município responsável pela fiscalização da operação não ficaria com os recursos provenientes da arrecadação, já que efetivada pelo estado/município de destino. Ineficiente, descabido e impraticável, por qualquer ângulo que se analise.

Já o texto do PLP 50, pensando na efetiva simplificação,  propõe uma atividade centralizada de apuração dos tributos, fiscalização, cobrança, e uniformização das interpretações tributárias, visando reduzir o “custo Brasil”, diminuir o alto custo de conformidade, trazendo celeridade e otimização para o cumprimento fiscal.

A fiscalização desenhada pelo PLP 50 também se preocupou com o princípio da cooperação, sendo necessário um “Aviso Amigável” antes de qualquer procedimento de lançamento tributário de ofício, permitindo aos contribuintes a autorregularização, garantindo um ambiente mais simples e colaborativo, menos punitivo e menos oneroso.

Sobre esse tema, inclusive, é particularmente preocupante que apenas o artigo 55[3] do PLP 68 tenha se dedicado a estabelecer um ambiente cooperativo entre fisco e contribuintes, dado que a cooperação é um dos novos princípios constitucionais introduzidos pela reforma tributária. A cooperação, recomendada pela OCDE desde 2013, busca aumentar a eficiência na arrecadação e fiscalização, reduzindo litígios, acelerando processos e diminuindo custos para ambas as partes, promovendo um sistema tributário mais justo e eficaz.

Outro ponto que exige atenção é o contencioso administrativo do IBS e da CBS. Ainda que seja incerto se o governo apresentará um PLP específico para regulamentar a resolução de controvérsias administrativas, o PLP 68 parece adotar um modelo descentralizado, mantendo as estruturas administrativas existentes de resolução de conflitos, preservando competências e órgãos de julgamento que já operam nas esferas federal, estadual e municipal, sem promover uma integração específica do contencioso administrativo para os novos tributos.

Diferentemente, o PLP 50 propõe a criação de um tribunal único nacional para solucionar as divergências entre os fiscos e os contribuintes, buscando simplificação e uniformidade da fiscalização e julgamento administrativo. Este modelo centralizado visa reduzir discrepâncias e ineficiências na interpretação e aplicação da nova legislação, garantindo segurança jurídica, redução de litigiosidade e, potencialmente, simplificando o processo ao concentrar os atos em uma única entidade nacional.

Além disso, tal projeto estabelece etapas claras e transparentes para a resolução de controvérsias, incluindo mediação pré-contenciosa e a criação de uma Câmara de uniformização da jurisprudência administrativa, com decisões vinculantes à toda Administração Tributária.

Em um contexto de reforma tributária do consumo alinhado com os novos princípios estabelecidos pela EC 132/2023, é essencial abordar os elementos de fiscalização e contencioso administrativo de maneira integrada. A eficácia na fiscalização dos novos tributos sobre bens e serviços e a implementação de um contencioso administrativo eficiente e transparente são fundamentais para garantir a simplicidade e reduzir os custos de conformidade.

Portanto, ao simplificar e unificar esses processos, não apenas facilitamos a administração tributária, mas também promovemos um ambiente de negócios mais justo e positivo, resultando em desenvolvimento e crescimento econômico, refletindo os objetivos primeiros da reforma tributária.

[1] Art. 313. A RFB e as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – poderão utilizar em seus respectivos lançamentos as fundamentações e provas decorrentes do processo administrativo de lançamento de ofício efetuado por outro ente federativo; II – compartilharão, em um mesmo ambiente, os registros do início e do resultado das fiscalizações da CBS e do IBS. (…)

[2] Apenas para os “processos fiscais de pequeno valor, assim considerados aqueles cujo lançamento não supere limite único estabelecido no regulamento”, o artigo 314 prevê a possibilidade de celebração de convênio entre RFB e as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para delegação recíproca da atividade de fiscalização do IBS e da CBS.

[3] Art. 55. O Comitê Gestor do IBS e a RFB poderão instituir programas de incentivo à cidadania fiscal por meio de estímulo à exigência, pelos consumidores, da emissão de documentos fiscais. (…)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *