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Um dos temas mais controversos no Supremo Tribunal Federal (STF) foi novamente colocado em discussão: a extensão do foro privilegiado de agentes públicos. A Corte iniciou o julgamento de dois processos que retomam o tema: o habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e o inquérito da ex-senadora Rose de Freitas. Os dois julgamentos foram interrompidos na sexta-feira (29/3) por um pedido de vista feito pelo presidente do Tribunal, Luís Roberto Barroso. No entanto, os ministros podem depositar os votos antecipadamente até o dia 8 de abril – data prevista para encerrar o julgamento virtual.
Até o momento, cinco dos 11 ministros já se manifestaram e, portanto, falta um voto para que a posição do ministro Gilmar Mendes prevaleça, mudando assim, o atual precedente da Corte sobre o assunto. Caso prevaleça o entendimento do decano, especialistas consultados pelo JOTA, indicam que o julgamento de Jair Bolsonaro deve ocorrer no Supremo. Mas o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes deve voltar para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por conta do foro de Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – há uma corrente que defende que, mesmo pelos critérios atuais, o Chiquinho Brazão não deveria ter foro no STF pelo homicídio.
Outro caso que sairia da competência do Supremo é o inquérito aberto pelo ministro Dias Toffoli, contra o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) para apurar supostas irregularidades no âmbito de uma delação premiada negociada quando ele era juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.
A jurisprudência atual foi construída em uma questão de ordem na Ação Penal 937, em 2018, envolvendo o político Marquinhos Mendes. Na época, o Supremo limitou a prerrogativa de foro por função para crimes praticados no cargo e em razão do cargo e saiu vitoriosa a tese de Barroso.
Extensão do foro
Agora, o ministro Gilmar Mendes resolveu revisitar o tema e suscitou uma nova questão de ordem. Em seu voto, o principal critério para a definição do foro é a condição de agente político com foro (parlamentar, por exemplo) no momento em que o crime foi cometido.
Assim, na posição do decano, a prerrogativa de foro se mantém para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções e o foro continua mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois do fim do mandato. Ou seja, o ministro mantém parte da tese vigente – de que o crime tem que ser relativo ao cargo –, porém, o foro continua mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal comecem depois do exercício do cargo.
Mendes propõe ainda a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior.
Eis a tese sugerida: “A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Em seu voto, Mendes defende que não é uma alteração jurisprudencial sobre o tema, mas sim, uma complementação. “É necessário avançar no tema, para estabelecer um critério geral mais abrangente, focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo). A proposta apresentada atende a essa finalidade. Preservando os aspectos centrais do entendimento firmado na AP 937-QO, ela estabiliza o foro para julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele, ao mesmo tempo que depura a instabilidade do sistema e inibe deslocamentos que produzem atrasos, ineficiência e, no limite, prescrição.”
O decano tem apoio de Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Flávio Dino. Zanin, Moraes e Toffoli acolheram integralmente a proposta de tese de Gilmar Mendes. Moraes, inclusive, ao acompanhar Mendes, votou de uma maneira da AP 937 -QO. Na época, ele votou que todos os crimes praticados durante o mandato deveriam ser julgados pelo STF, mas ao término do mandato o processo sairia do STF, com algumas exceções.
O ministro Flávio Dino sugere uma complementação, para ele, em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo tribunal competente. Para ele, “essa itinerância dos autos, além de violar o princípio da duração razoável do processo (processo sem dilações indevidas), não é racional. Inclusive por gerar infindáveis controvérsias jurisprudenciais, à falta de marcos objetivos e compreensíveis”.
A discussão ocorre no âmbito do INQ 4787 e do HC 232627.