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Gilmar diz que STF derrubaria medidas do Congresso que avançam sobre a Corte

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que há uma onda global de “ataques ao Poder Judiciário”  e de “retrocesso democrático” em curso. Em conferência em Portugal, no domingo (19/1), o ministro falou sobre iniciativas, segundo ele, populistas, tomadas para minar a independência do Poder Judiciário sob o pretexto de reformas judiciais em países como Hungria, Polônia, Israel e no Brasil.

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No caso brasileiro, Mendes disse que as propostas de emenda à Constituição (PEC) 50 e 51 são um reflexo desse movimento no Brasil, segundo o ministro. Os textos preveem, respectivamente, a possibilidade de o Congresso Nacional sustar decisões da Corte e a criação de mandatos fixos de quinze anos aos ministros do Supremo. Mendes disse que as proposições do Legislativo fazem parte de um “episódio de reforma judicial abusiva em andamento no país” movido por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Embora a estrutura judicial seja frequentemente complexa e obscura, e reformas possam ser frutíferas e, portanto, bem-vindas, reformas maliciosas com o único intuito de minar a independência judicial não podem ser toleradas – pois elas fazem parte da onda de retrocesso democrático que ocorre globalmente, encontrando no Judiciário seu principal defensor, e talvez a última fortaleza em pé”, declarou, referindo-se ao tema de forma ampla.

Gilmar ainda falou em “ataques de Elon Musk contra a soberania brasileira” e também citou o caso do deputado cassado Daniel Silveira, preso por ameaça às instituições e aos ministros da Corte, durante o discurso.

“Considero o caso brasileiro um exemplo particularmente adequado de ataque ao Judiciário, dada sua extensão e complexidade”, afirmou no evento organizado pela Organização Europeia de Direito Público (EPLO).  A conferência, intitulada “O Estado de Direito e a Administração da Justiça, reuniu representantes de tribunais de diversos países e autoridades jurídicas.

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Leia a íntegra do discurso do ministro Gilmar Mendes, do STF

Primeiramente, gostaria de agradecer pelo convite e parabenizar os organizadores – a Organização Europeia de Direito Público (EPLO) e seu Instituto para o Estado de Direito Global, em parceria com o município de Cascais – por esta Conferência Internacional sobre “Estado de Direito e a Administração da Justiça.

A conferência aborda o que considero o desafio constitucional definidor da nossa era: a erosão da independência judicial em meio a crises democráticas. Esses acontecimentos merecem nossa imediata atenção acadêmica e análise rigorosa.

Fui incumbido da missão de contribuir com um mapa dos ataques contemporâneos ao Judiciário ao redor do mundo.

Duas distinções preliminares são necessárias para clareza analítica.

Primeiro, referir-me-ei a “ataques ao Judiciário” como sinônimo de ações ou omissões deliberadas, moralmente ilegítimas, contra o Poder Judiciário. Em alguns casos, o ponto é evidente, como nas tentativas horríveis de assassinato de juízes. Em outros, manifesta-se de forma caracteristicamente enganosa: a forma institucional.

Embora críticas aos juízes por autoridades estatais e reformas judiciais possam servir como instrumentos para otimizar o Estado de Direito e implementar pesos e contrapesos, nos últimos anos testemunhamos o surgimento de uma agenda política perniciosa que busca o oposto: desestabilizar o Estado de Direito ao remover a supervisão judicial da ação política.

Os contornos dessa agenda política – que podemos denominar “populista” – serão analisados mais adiante.

Em segundo lugar, uma nota metodológica deve ser feita: dada a proliferação de ataques aos juízes globalmente, minha análise foca em casos representativos de cada região. Isso, necessariamente, exclui casos igualmente significativos de outras jurisdições que merecem exame separado.

Minha apresentação segue em três partes. Primeiro, farei uma breve referência a alguns ataques emblemáticos ao Poder Judiciário nos últimos quinze anos. Em seguida, apresentarei o mecanismo causal-explicativo que correlaciona esses ataques ao contexto político mundial, ou seja, uma variedade pejorativa de populismo. Finalmente, abordarei o caso brasileiro, argumentando que ele se enquadra no padrão delineado.

Nossa análise começa com a Hungria, onde a ascensão ao poder de Viktor Orbán, em 2010, fornece um caso paradigmático. Graças ao controle expressivo de dois terços do Parlamento por seu partido, Fidesz, Orbán foi capaz de ordenar mudanças drásticas no sistema judicial, tanto por meio de emendas à constituição existente quanto pela elaboração de um novo texto, que entrou em vigor em 2012.

O ataque ao Judiciário húngaro ocorreu em múltiplas frentes. Primeiro, a idade obrigatória de aposentadoria dos juízes foi reduzida de 70 para 62 anos, resultando na demissão de mais de 270 juízes, incluindo membros do Tribunal Constitucional (chamado “Kúria”); além disso, foi facilitado para o Parlamento nomear seus juízes preferidos para a Kúria, aumentando também o número de juízes de onze para quinze e prolongando seu mandato. Por fim, reduziu-se o escopo de revisão em leis relacionadas a orçamento e impostos, em aparente retaliação à decisão anterior do tribunal sobre uma grande lei econômica.

Esses precedentes alarmantes foram rapidamente adotados por estados vizinhos. Em 2015, o partido conservador e nacionalista, provocativamente chamado de “Partido da Lei e Justiça” (PiS), na Polônia, conquistou a maioria das cadeiras no Parlamento. Ao assumir o controle, o Parlamento liderado pelo PiS anulou rapidamente as nomeações de cinco juízes do Tribunal Constitucional, substituindo-os por juízes alinhados ao partido, que foram prontamente confirmados pelo presidente Andrzej Duda, membro do PiS.

Essa estratégia de “tomada de controle” foi repetida em 2017, quando um projeto de lei aprovado pelo Parlamento e sancionado pelo Presidente Duda reduziu a idade obrigatória de aposentadoria dos juízes de 70 para 65 anos. A lei, que entrou em vigor em julho de 2018, efetivamente aposentou 40% dos membros da Suprema Corte.

Tanto a Hungria quanto a Polônia enfrentaram decisões adversas da Comissão Europeia, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça, que consideraram que essas reformas minam a independência judicial e violam tratados relevantes, declarando-as abusivas. Apesar da pressão política e das penalidades financeiras, a resposta supranacional não conseguiu evitar o controle executivo sobre o judiciário nos anos iniciais de implementação.

Em 2023, Israel embarcou em sua própria agenda de reforma judicial. Em janeiro, o recém-nomeado Ministro da Justiça, Yariv Levin, propôs três mudanças significativas no judiciário:

Primeiramente, reestruturar o comitê de nomeação judicial para dar ao governo controle majoritário sobre a seleção e destituição de todos os juízes, incluindo os da Suprema Corte.

Em segundo lugar, permitir que o Parlamento israelense (Knesset) anulasse decisões da Suprema Corte com uma maioria simples (61 dos 120 membros da Knesset).

Em terceiro lugar, limitar a revisão judicial, proibindo a Suprema Corte de aplicar o padrão de razoabilidade às decisões governamentais e administrativas.

O Knesset conseguiu aprovar a última proposta, restringindo a revisão judicial com base na razoabilidade, o que gerou protestos e causou ampla divisão no país. Muitos protestaram pedindo a renúncia do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu.

O Primeiro-Ministro defendeu a lei, alegando que restringir a capacidade da Alta Corte de usar o padrão de razoabilidade para revisar decisões governamentais “fortaleceria a democracia”. Por outro lado, críticos dizem que as reformas visam proteger Netanyahu, que atualmente enfrenta julgamento por suposta corrupção, e ajudar o governo a aprovar leis sem restrições.

A Suprema Corte posteriormente invalidou esta lei, alegando que ela causaria “um dano severo e sem precedentes às características fundamentais de Israel como um estado democrático”.

Em 2024, o presidente do México, López Obrador, apresentou uma ampla proposta de reforma judicial. Uma medida particularmente preocupante é a mudança no processo de seleção – em vez de nomeados, a reforma quer que juízes federais e também ministros da Suprema Corte sejam eleitos por voto popular, com poucos requisitos relacionados à experiência ou profissionalismo. Além disso, a reforma reduz o número de ministros de onze para nove, diminui seus mandatos e aumenta o número de juízes necessários para declarar inconstitucionalidade de leis. Ela cria uma agência de administração judicial e um tribunal disciplinar judicial, ambos passíveis de serem usados para intimidar juízes.

López Obrador alega que a reforma visa eliminar a “corrupção e privilégios” dentro do Judiciário, afirmando que alguns ministros servem aos interesses das elites mexicanas e do crime organizado. Os críticos afirmam que a reforma representa retaliação contra uma Suprema Corte que emergiu como centro de oposição ao presidente, buscando, em última análise, enfraquecer os freios ao poder executivo.

A reforma foi recentemente aprovada pelo Parlamento após o partido do Presidente – Morena – conquistar uma maioria expressiva, mas ainda não foi implementada. Quando isso ocorrer, cerca de sete mil funcionários do Judiciário serão obrigados a deixar seus cargos. A nova lei exige a renúncia de juízes que não queiram participar da eleição, como condição para manterem suas pensões. Como resultado, até outubro passado, oito dos onze juízes da Suprema Corte haviam renunciado.

O uso de “campanhas anticorrupção” para justificar reformas judiciais não é inédito. Em 2022, o presidente da Tunísia, Kais Saied, empregou raciocínio semelhante para destituir juízes e promotores.

Eu argumento que o padrão que conecta esses exemplos de reformas judiciais está relacionado às suas conexões com agendas políticas populistas. A lógica é a seguinte: embora o populismo, em teoria, não seja pejorativo por si só, suas principais características – nacionalismo, apelo direto ao povo, anti-elitismo e anti-intelectualismo – frequentemente inclinam seus defensores a uma atitude política particularmente perigosa, que une, por um lado, líderes “messiânicos” autoproclamados e, por outro, seguidores – uma entourage – com pouca ou nenhuma consideração à diversidade e às minorias.

Em uma reviravolta schmittiana, figuras políticas tornam-se quase entidades religiosas, e o que deveria ser a administração do bem comum – res publica – dá lugar a uma dinâmica de “amigo-inimigo”. Cada controle sobre esse poder supremo, quixotesco, é percebido como uma ameaça, pois se recusa a se conformar ao rolo compressor guiado pela maioria.

Contra esse pano de fundo, é fácil entender por que o Judiciário – o poder contra-majoritário por excelência – aparece como o inimigo natural. O mecanismo institucional torna-se claro: ao recaracterizar questões legais como meramente questões políticas, líderes populistas condenam juízes por cumprirem seu mandato constitucional em vez de seguirem “a voz das ruas”.

Essa estratégia de vilificação, como bem sabemos, foi levada ao extremo. Em seu relatório de fim de ano sobre o estado do Judiciário federal, há poucos dias, John G. Roberts Jr., Chefe de Justiça da Suprema Corte dos Estados Unidos, abordou o tema, destacando o notório aumento de ameaças à justiça nos últimos anos. Os ataques variam desde invasões por hackers, disseminação de notícias falsas e descrédito público dos membros do Judiciário até ações mais sombrias, como violência física contra juízes e suas famílias.

Em 2021, indivíduos protegidos pelo Serviço de Delegados dos EUA – incluindo juízes federais, promotores e funcionários do tribunal – enfrentaram mais de quatro mil ameaças, um aumento de 400% desde 2015. No entanto, desde 2021, ameaças graves a juízes federais dos EUA mais do que dobraram, levando à introdução do “Countering Threats and Attacks on Our Judges Act” no Congresso para deliberação.

Considero o caso brasileiro um exemplo particularmente adequado de ataque ao Judiciário, dada sua extensão e complexidade, ao qual agora me volto para minhas observações conclusivas.

Nos últimos anos, e especialmente após a eleição de Jair Bolsonaro, os membros do mais alto tribunal – o Supremo Tribunal Federal – tornaram-se alvo de inúmeros ataques pessoais. Em uma contagem não oficial conduzida por um jornal, de 2017 a 2023, pelo menos 74 episódios de assédio ocorreram envolvendo um ministro.

O caso mais infame foi, talvez, o de Daniel Silveira, na época membro da Câmara dos Deputados e aliado próximo de Bolsonaro, que acreditava, equivocadamente, que sua imunidade parlamentar lhe conferiria o direito de ameaçar ministros com violência em fevereiro de 2021 – acabando preso, onde permanece até o momento.

Mais recentemente, testemunhamos o ataque do bilionário Elon Musk contra a soberania brasileira. Pouco depois de Bolsonaro assumir a presidência em 2019, o Supremo Tribunal foi forçado a abrir uma investigação criminal sobre ataques contra a corte, chamada de Inquérito das Fake News, que levou a uma série de investigações conduzidas principalmente pelo ministro Alexandre de Moraes. Durante o processo, foram ordenados o bloqueio de pelo menos 340 contas em redes sociais no Brasil desde 2020.

As investigações tiveram como alvo operadores de extrema-direita que pediam um golpe militar após Bolsonaro perder a presidência em 2022, ajudando a salvaguardar a transferência de poder. Insatisfeito com o curso das investigações e confundindo incitação ao golpe de Estado com liberdade de expressão, Musk – dono de uma dessas redes sociais – recusou-se a cumprir as ordens, levando o Supremo Tribunal a bloquear a plataforma até que Musk finalmente recuasse e obedecesse.

Os ataques não pararam por aí, já que o Brasil enfrenta seu próprio episódio de reforma judicial abusiva em andamento. Movidos por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, várias propostas de emenda constitucional foram recentemente apresentadas ao Congresso. Para citar algumas, uma das propostas (PEC 50/2023) busca criar mandatos para os ministros do Supremo Tribunal Federal – algo inédito na experiência brasileira, na qual todo juiz tem mandato vitalício (e o Supremo Tribunal é formalmente parte da estrutura judicial). Outra proposta (PEC 51/23), ecoando a proposta israelense, permite que o Parlamento anule as decisões do Supremo Tribunal que, segundo a maioria, ultrapassem a competência legislativa.

Essas medidas provavelmente não serão aprovadas pelo Parlamento. Mas, se forem, serão barradas pelo Supremo Tribunal.

Embora a estrutura judicial seja frequentemente complexa e obscura, e reformas possam ser frutíferas e, portanto, bem-vindas, reformas maliciosas com o único intuito de minar a independência judicial não podem ser toleradas – pois elas fazem parte da onda de retrocesso democrático que ocorre globalmente, encontrando no Judiciário seu principal defensor, e talvez a última fortaleza em pé.

Estou convencido de que, ao final do trabalho deste dia, teremos avançado significativamente em direção ao objetivo comum de contribuir decisivamente para o fortalecimento da democracia em nossos países, aqui representado na forma da tão necessária independência judicial.

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