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O Decreto 11.765, de 1º de novembro de 2023, perderia sua validade em 4 de maio de 2024. No entanto, a pedido do Governo do Rio de Janeiro, foi renovado por mais 30 dias. E qual a relevância? O mesmo foi criado para autorizar o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos, tanto do Rio de Janeiro quanto de São Paulo.
Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em seis meses, a operação prendeu 2.841 pessoas, apreendeu 274 armas e 144 toneladas de drogas e teve como objetivo o enfrentamento ao crime organizado transnacional, representando importante reforço para a segurança pública nacional.
A ação foi conjunta entre os militares das Forças Armadas com os órgãos de segurança pública. A GLO conferiu poder de polícia aos militares para atuação específica e pode ser considerada exitosa visto que as operações resultaram na apreensão de mercadorias ilícitas, armamento ilegais e propiciaram prejuízos diretos às organizações criminosas.
Agora, questiona-se se a renovação do Decreto por mais um mês será suficiente ou se teremos outras prorrogações. Como se trata de medida excepcional, a garantia da lei e da ordem é prevista no artigo 142 da Constituição Federal, em casos quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, como as estaduais representadas pelas Polícia Militar e Civil, em graves situações de perturbação da ordem. Normalmente, é decretada quando os governos estaduais requisitam ajuda federal.
Como se trata de medida excepcional o seu pedido e a renovação implicam em admitir que as forças tradicionais de segurança não são eficazes em sua plenitude e há a necessidade de uma intervenção. Todavia, a utilização das forças armadas seriam a solução ou o caminho deveria ser a implementação de um plano nacional de segurança pública elaborado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública e adotado conjuntamente pelos estados e municípios?
O reforço das forças armadas em portos e aeroportos deflagra problemas na segurança pública que são conhecidos e envolvem tanto os estados quanto o próprio ministério. Os três principais são: déficit de material humano, tecnologia e remuneração.
No país temos 404.871 policiais militares e 95.908 policiais civis na ativa, respectivamente. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Brasil em 2023, as Polícias Militares do país atuam com déficit de 179.591 agentes. A Polícia Civil também possui déficit e a corporação trabalha com 55.244 servidores a menos do devido, o número previsto é de 152.769 policiais civis. O que implica dizer que a Polícia Militar funciona apenas com 69,3% do total do contingente previsto em lei e a Polícia Civil com 63%.
Quinze unidades da Federação apresentam o porcentual de ocupação das vagas na Polícia Militar de 69,3%, e pior: Goiás, Amapá, Santa Catarina e Paraíba apresentam efetivo abaixo de 50%.
Não há como se realizar trabalho de inteligência e prevenção se falta efetivo policial para tanto. Somado a isso temos as distorções presentes na Polícia Militar em que em vários estados existem mais oficiais do que o limite previsto em lei ante a um déficit de cabos e soldados, no Rio de Janeiro, por exemplo, temos em 2024, 3.954 soldados, ante ao predito que deveriam ser 37.486, déficit de 89%.
Acerca da tecnologia faltam investimentos para um banco de dados unificado entre as polícias, por conseguinte, não há o registro das atividades criminosas para conhecimento geral em todos os estados brasileiros, o que resulta não apenas em impunidade como, também, no desperdício de forças cotidianas das polícias em investigar e procedimentalizar repetidamente atos que já deveriam estar em um sistema.
Ademais, com a adesão da inteligência artificial, as polícias poderão analisar dados em larga escala propiciando a identificação de padrões criminais e, portanto, atuar de maneira preventiva. Para tanto, falta investimento e não é apenas na tecnologia em si, como também em capacitação, treinamento e a criação de uma cultura de dados, isto é, que os profissionais sejam minimamente familiarizados com a tecnologia para fazerem uso de seus benefícios em sua plenitude. Porém, nem o ministério ou o governo federal sinalizaram a adoção de tal tecnologia e, tampouco, desenvolveram, até o momento, um programa de capacitação para aprimorar as polícias.
Por fim, o tema da remuneração, a Polícia Federal recebeu 9% de reajuste salarial em 2023, entretanto, a Federação Nacional dos Policiais Federais demonstra que há uma defasagem de 51% em seus rendimentos. A situação é grave também na Polícia Militar, pois há diferença salarial entre os estados.
Segundo o Fórum de Segurança Pública de 2023, na comparação entre os salários de policiais militares por estado, a média bruta de praças e oficiais é de R$ 8.628,87, com remuneração líquida média de R$ 6.138,07. Cerca de 15 estados brasileiros pagam salários para a categoria abaixo da média nacional bruta.
As variações, somadas à baixa remuneração em si, falta de reconhecimento e aos perigos inerentes à profissão causam desestímulo, isso sem ponderar a elevada distorção salarial dentro da própria instituição, porque há uma disparidade entre os soldos dos soldados e dos oficiais e, não por acaso, o déficit da Polícia Militar é, em grande maioria, de cabos e soldados e há inflação de oficiais acima do permitido em lei, novamente no Rio de Janeiro, temos 655% e 631% a mais do que o previsto na legislação de 1º sargentos e subtenentes, respectivamente, realidade que se estende a outros estados.
A Polícia Civil não tem situação diversa e, por exemplo, São Paulo, tem uma das piores remunerações do Brasil, segundo o raio-x dos profissionais da segurança pública, estudo do Fórum brasileiro de Segurança Pública. Investigadores daquele estado recebem R$ 9.830,92 por mês, em média – o 7º pior salário do Brasil –, valores inferiores aos pagos, por exemplo, no Acre (R$ 9.890,39), em Minas Gerais (R$ 10.110,94) e no Rio Grande do Norte (R$ 10.353,97). No Amazonas, os investigadores recebem R$ 12 mil a mais do que os paulistas.
Por fim, a polícia penal. A remuneração média bruta dos policiais penais de São Paulo foi de R$ 6.979,62 no ano passado, R$ 1.091,36 a menos do que a média nacional (R$ 8.070,98) e menos da metade do que a do Distrito Federal (R$ 15.034,95), que é o que melhor paga.
Os estados não têm um padrão de promoção, de valorização de carreira e, tampouco, de pagamento médio do salário de seus policiais. A base composta por soldados e cabos tem escassez, seja pelo salário ou pela responsabilidade do policiamento e da ronda, isto é, ser a linha de frente do cotidiano policial. Muitos não desejam colocar sua vida em risco por remuneração tão baixa. As dificuldades se avolumam e quem padece é a população que sofre cada vez mais com os reflexos da crise da segurança pública brasileira.
Os problemas aqui trazidos têm variações de competência, afinal, o déficit de efetivo, as diferenças salariais e os desestímulos por elas produzidos são de responsabilidade estadual, ao passo que a falta de investimento em tecnologia e capacitação é federal. No entanto, nem a sociedade brasileira e, tampouco, o crime organizado e as facções fazem essa distinção. Enquanto os primeiros clamam por segurança, os criminosos exploram as fragilidades do sistema para arrecadarem com tráfico de drogas, contrabando de tabaco, armas ilegais, roubo de cargas etc.
Diante da intrincada realidade da segurança pública brasileira claro está que as dificuldades transcendem o debate acerca da renovação ou não do Decreto, pois, a carência é por um plano nacional de segurança pública. Há dissonâncias e déficits em áreas variadas e as soluções não podem ser díspares entre os estados, por conseguinte, um ato conjunto entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública e os estados se faz premente.
A saída menos onerosa é o pedido estadual para a renovação contínua do uso das Forças Armadas, o que não é recomendável, afinal, cabe ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e aos estados encontrarem maneiras de investir e corrigir as distorções existentes a fim de otimizar o serviço de inteligência, porém sem uma diretriz nacional com medidas equânimes a serem adotadas, a crise na segurança pública perdurará.
Logo, o Estado democrático de Direito, através da pasta da Segurança Pública, não pode se imiscuir de suas obrigações conferidas pela Constituição Federal através do artigo 144. Cabe ao ministro Ricardo Lewandowski conjuntamente com sua equipe a elaboração de um plano nacional de segurança pública.
A segurança pública é responsabilidade de todos, porém é dever do Estado democrático de Direito que este cumpra com seu papel e edifique novos rumos para a segurança pública nacional. A sociedade brasileira agradece.