Harmonização de interesses na Administração Pública federal

Spread the love

A mitologia grega indica ser Harmonia a filha de Afrodite e Ares. Representa o equilíbrio, fruto da relação da deusa do amor e do deus da Guerra. A expressão harmonia de interesses, assim, pode traduzir o empenho da Administração Federal que tem procurado evitar a disputa judicial, contemplando a efetividade dos seus objetivos e as adaptações dos atos e contratos apresentadas pelos agentes privados. 

O Núcleo Especializado em Arbitragem da Advocacia-Geral da União completou cinco anos com um histórico de bons resultados. Os números ultrapassam a marca de R$ 184 bilhões, entre perdas evitadas e vitórias obtidas. O NEA/AGU atua em casos que englobam os setores de infraestrutura rodoviária, telecomunicações, societário, de portos e aeroportos. Estima-se que somente nos casos que envolvem as agências públicas federais as cifras em disputa ultrapassam R$ 500 bilhões.

Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina

Dentre as atuações de destaque do NEA/AGU, menciona-se o caso Libra, vinculado à concessão portuária, que evitou a condenação da União em R$ 10 bilhões e garantiu o pagamento de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos. Outro exemplo envolve a concessionária do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). O montante global em questão ultrapassa R$ 3,5 bilhões, e a decisão do tribunal arbitral, até o momento, propiciou o repasse de R$ 375 milhões à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Além da arbitragem, a autocomposição emerge também como ferramenta crucial na resolução de controvérsias. Exemplo recente que ilustra o impacto positivo da autocomposição na via administrativa. Trata-se do processo TC 006.253/2023-7, do Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a empresa Karpowership Brasil (KPS) no contexto do Procedimento de Contratação Simplificado de Energia de Reserva 01/2021.

Em apertada síntese, o PCS 01/2021 consistiu na contratação de energia de reserva, como decorrência da escassez hídrica que assolou o país de 2020 a 2021, a mais severa dos últimos 90 anos. Para superar os riscos de desabastecimento energético, o certame foi realizado em condições excepcionais, com dispensa de procedimentos como consulta pública 

De um lado, o poder público, através do Ministério de Minas e Energia, assumiu o risco de honrar os contratos nos preços contratados mesmo se as condições climáticas melhorassem e, de outro, as empresas vencedoras assumiram o risco de rescisão contratual, inclusive com a cassação das outorgas, caso não fossem capazes de entrar em operação no curtíssimo prazo dos editais.

À medida que eventos externos, como o fechamento de portos e contingenciamento provocados pela Covid-19, greves de funcionários alfandegários e atrasos no licenciamento ambiental impediram o cumprimento dos prazos contratuais e resultaram no atraso da entrada em operação das usinas, instalou-se um conflito. A KPS buscou medidas cautelares perante a Aneel, alegando casos fortuitos e de força maior que isentariam a responsabilidade da empresa, solicitando a suspensão das multas contratuais e editalícias até o julgamento final. 

As cautelares foram inicialmente aceitas. Ao longo do processo administrativo, todavia, foram revogadas, porque a Aneel considerou as alegadas excludentes de responsabilidade como parte dos riscos contratuais normais (álea ordinária do contrato). Tais decisões implicaram a cassação da outorga da empresa. Ao mesmo tempo, os níveis dos reservatórios se estabilizaram, o que dispensaria o interesse da União em manter os contratos atrasados.

A questão foi judicializada pela empresa. Houve uma decisão de antecipação de tutela obtida em 28 de setembro de 2022, no âmbito do Processo 1105523-09.2022.8.26.0100, junto à 5ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo (VECA/TJSP). A medida visava, entre outros, a suspender a cobrança de penalidades contratuais e a inclusão da KPS no cadastro de inadimplentes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), além de impedir a CCEE de adotar medidas para rescindir os contratos de energia de reserva e aplicar as sanções correspondentes.

Posteriormente, a KPS obteve outra liminar no âmbito do Processo 1013469-13.2023.4.01.3400 junto à 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal da Justiça Federal (VFC/SJDF/JF). Essa liminar, em síntese, garantiu a manutenção das outorgas das usinas da KPS até que a Aneel tomasse uma decisão final sobre os novos pedidos de excludente de responsabilidade apresentados pela empresa. Nesse meio tempo, as usinas da KPS foram demandadas em algumas oportunidades pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para assegurar o suprimento de potência necessário ao Sistema Interligado Nacional (SIN) nos momentos de pico de consumo. Demonstrava-se a necessidade de manutenção dos contratos para garantir a estabilidade e a continuidade do fornecimento de energia elétrica.

Como contemplar uma mitigação da necessidade de fornecimento de energia, concebida em processo licitatório cuja realidade apresentava-se diferente, e eventuais descumprimentos de medidas contratuais pelo agente econômico?

Para pôr fim ao litígio, com fundamento na Instrução Normativa 91/2022 do TCU, o Ministro de Minas e Energia propôs esforço colaborativo envolvendo o MME, a Aneel e a KPS. O objetivo central da proposta foi a instauração de procedimento de solução negociada junto à Secretaria Executiva de Consenso, visando a construir um acordo equilibrado capaz de conciliar os interesses público e privado envolvidos.

Os principais pilares do acordo firmado entre a empresa e o poder concedente giraram em torno de 6 pilares: (i) o equacionamento de multas e penalidades por atraso impostos à KPS; (ii) a redução definitiva da geração inflexível das usinas; (iii) a contabilização mensal da energia contratual inflexível gerada; (iv) a preservação das outorgas, garantia física e potência contratada; (v) o ajuste nas datas de início e fim do período de suprimento dos contratos; e (vi) do encerramento definitivo de processos administrativos, arbitrais e judiciais.

Ao fim e ao cabo, a ação coordenada entre MME, Aneel e KPS promoverá a redução de custos da Conta de Energia de Reserva (Coner) superior a R$ 2,9 bilhões entre 1º de julho de 2023 e 31 de maio de 2026, além da redução da emissão de 490.113 toneladas de CO2/ano, bem como a ampliação da segurança jurídica a todas as partes na continuidade da execução dos contratos.

Os casos examinados evidenciam a relevância da busca de uma harmonia de interesses, livrando-se das guerras judiciais e chegando a objetivos públicos e privados. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *