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O hidrogênio verde e outros combustíveis renováveis de origem não biológica (RFNBO, na sigla em inglês) ocupam papel de destaque no debate político e econômico na Alemanha, e na União Europeia de maneira geral, como meios concretos para viabilizar a transição energética e mitigar as mudanças climáticas. Especificamente no setor da aviação, o Combustível Sustentável de Aviação (eSAF, na sigla em inglês) se apresenta como uma solução para a descarbonização do setor.
Nesse contexto, a União Europeia (UE) e seus países membros preveem um aporte significativo de recursos nos próximos anos para financiar projetos ligados aos RFNBO (ver textos de dezembro de 2023 e maio de 2022), o que abre uma janela de oportunidade para empresas no mundo todo explorarem vantagens competitivas nessa indústria nascente. Para aqueles que pretendem se posicionar estrategicamente, é crucial estar atento aos desenvolvimentos regulatórios que irão moldar o futuro mercado do RFNBO como um todo e, em especial o de hidrogênio verde em escala global.
A legislação alemã e o RED III
Em março de 2024, o Parlamento alemão revisou o ato normativo sobre a compensação de combustíveis derivados de eletricidade e óleos biogênicos no tocante às cotas de emissão de gases de efeito estufa, em consonância com a implementação da lei federal de controle de emissões, conhecida como Verordnung zur Durchführung des Bundes-Immissionsschutzgesetzes (BImSchV). Essa revisão concretizou em nível nacional a estrutura legal estabelecida pelas regulamentações da UE.
A regulamentação europeia teve seus primeiros passos em 2018, com a Diretiva 2018/2001 ou como é mais comumente conhecida RED (em inglês, Renewable Energy Directive) relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis. Esse marco foi atualizado pela terceira vez com a edição do RED III, em 20 de novembro de 2023 e complementado com os Regulamentos Delegado 2023/1184, que determina regras aplicáveis à produção de RFNBOs para os transportes, bem como o Regulamento Delegado 2023/1185, que especifica a metodologia de cálculo das reduções de emissões decorrentes do uso de RFNBOs para os transportes. Embora estes atos delegados sejam focados nas aplicações de transportes, são considerados referências importantes para a regulamentação do hidrogênio verde de forma geral.
Requisitos
Para um combustível ser qualificado como RFNBO nos termos da legislação da Alemanha e da UE, a eletricidade usada para sua eletrólise deve ser proveniente de fontes de energia renováveis. O Regulamento Delegado (UE) 2023/1184 diferencia a eletricidade obtida de uma instalação diretamente conectada a uma usina local (“ligação direta”) da eletricidade obtida da rede (em inglês, “on grid”), i
A opção de ligação direta, não integrada” requer a existência de uma usina local de geração de eletricidade renovável. A eletricidade utilizada na produção deve ser proveniente da instalação local, e não da rede elétrica convencional. Além disso, é necessário que a usina elétrica fornecedora entre em operação em um prazo de até 36 meses antes ou depois da instalação da planta de produção de RFNBOs. Essa medida visa garantir que o aumento na produção promova nova capacidade instalada de eletricidade renovável, que não comprometa a capacidade já existente.
A opção por utilizar eletricidade proveniente da rede elétrica também tem condicionantes no tocante à fonte de eletricidade retirada da rede. Por exemplo, a eletricidade será considerada totalmente renovável se o local de produção de hidrogênio estiver situado em uma zona em que a representatividade de eletricidade renovável ultrapasse 90%, ou, alternativamente, se a intensidade das emissões para produção de eletricidade for inferior a 18 gCO2(e)/MJ, entre outros critérios.
Certificação na Alemanha
A certificação é crucial, sendo exigida como prova da neutralidade climática em mecanismos de compensação ou controle de emissões. Com a revisão do BImSchV, foi estabelecido um sistema para verificar a conformidade com os requisitos relativos à produção e ao fornecimento de RFNBOs. Fornecedores e distribuidores devem apresentar evidências da origem dos RFBO ao longo de toda a cadeia de produção e fornecimento, utilizando um “sistema de contagem em massa”. Isso exigirá a participação de todos os elos da cadeia de produção.
Implicações para o Brasil
Para os produtores no Brasil que aspiram ingressar no mercado alemão e europeu de RFNBOs e se beneficiar dos instrumentos de fomento em plena expansão (e.g., licitações públicas, linhas de financiamento dedicadas e subvenções), é importante compreender o arcabouço regulatório da União Europeia e de seus estados membros, já que tais regras se aplicam também para produtos produzidos fora da Europa, mas que abastecem o mercado europeu.
O alinhamento do processo produtivo a esses critérios tem impacto sobre decisões de produção desde o planejamento, como a seleção do local da planta industrial, até aspectos pertinentes à implementação do processo produtivo e transporte da produção.
Nesse contexto, cada etapa do processo produtivo deve ser meticulosamente considerada sob a ótica regulatória, com vistas a assegurar as vantagens que decorrem do fato de estar conformidade, tais quais obter as certificações necessárias e estar apto a participar de leilões europeus de importação como os capitaneados pelo mecanismo alemão H2Global e seus lotes de e-metanol e e-SAF (ver textos de dezembro de 2023 e maio de 2022). Ao fazê-lo, os produtores garantem não apenas o acesso aos mercados na Europa, mas também otimizam o retorno de seus investimentos, fortalecendo sua posição competitiva global.