‘IA tem que ser ética, sustentável e tem que ter inclusão’

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Diretor de Inovação e Tecnologia da Tupy e vice-presidente da Força-Tarefa Transformação Digital do B20, Daniel Moraes diz ser preciso resolver questões de base de acesso e desenvolvimento da internet e da Inteligência Artificial para aproveitar o potencial de crescimento econômico que as novas tecnologias oferecem.

Ao JOTA, o executivo defende que o tema “data free flow with trust”, que passou a ser dominado pelo G7, volte ao âmbito do G20. Nas discussões do B20, que chegou, em consenso, a uma lista de recomendações detalhadas para o futuro da transformação digital, ficou claro que harmonização de regras, leis e análises de risco são essenciais. No mar de exigências da internet e da IA, segundo ele, “é preciso saber nadar”. Moraes conta a experiência bem-sucedida da Tupy de promover grande transformação digital investindo nos seus próprios funcionários, sem trazer ninguém de fora.

Vocês usaram um estudo do Goldman Sachs que fala que a inteligência artificial tem potencial de aumentar o PIB global em 7% em 10 anos. Mas, para isso, o mundo precisa estar crescendo. 

Na construção da força-tarefa, não começamos pela inteligência artificial. Primeiro: discutimos com 165 membros de 23 países. A força-tarefa tem 13 setores representados. Tem  automação industrial, big techs, serviços, comunicação, etc. Tem uma diversidade econômica grande no grupo. Boa parte está passando por transformação digital. São áreas econômicas diferentes, discutindo um mesmo tema.

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Com demandas e necessidades absolutamente diferentes.

Tínhamos o grande desafio de fazer três recomendações apenas nos quase nove meses de trabalho. Partimos de uma pesquisa com todos os membros pegando lista extensa de tecnologias. A partir dos cinco pilares do B20 começamos a pensar como pegar essa tecnologia para desenhar esse futuro sustentável e inclusivo. Depois, classificamos entre as oito mais votadas e top 3 (o que mais apareceu no top 3 de cada pessoa). Com isso, vimos o campo de consenso e o campo de prioridade. Definimos seis frentes de trabalho, que são as políticas de ação. Uma primeira recomendação é trazer conectividade ampla para pessoas e negócios.
Tem toda a parte de acesso à conectividade, como é que a gente pode usar melhor o que já tem e como pode ampliar?

A cobertura de acesso à internet é muito desigual pelo mundo.

Veja: 33% da população tem essa lacuna de acesso à internet, mas quando a gente vai para África, são 67%. Dentro dessa parte de conectividade, tinha o desenvolvimento de capacidades digitais. Não adianta nada você ter a conectividade se a pessoa não consegue usar ou não sabe para que usar.

Tem aquele problema no Brasil de que não se consegue preencher 700 mil vagas na área de TI.

Fomos exatamente nesse ponto. Como trazer maturidade digital? Usamos dois termos: up-skilling, que é como posso atualizar os currículos do curso técnico, da graduação, para que o profissional chegue preparado no mercado de trabalho; e o re-skilling, a população que já está trabalhando e como atualizar suas competências para que ela possa também ter a oportunidade dentro desse momento de transformação digital? E o  último ponto: olhamos dentro dessa base a questão de micro, pequenas e médias, que são 90% das empresas do mundo. E 50% dos trabalhadores no mundo. Essas empresas não estão conseguindo fazer a transformação digital porque depende de desenvolvimento, conhecimento, investimento, etc.

Independentemente do grau de desenvolvimento do país, não é?

Durante as discussões, um representante da França disse: “tenho a internet aqui, mas ela não está sendo usada. Meu problema não é cobertura”.
Colocamos muitas boas práticas dentro do nosso documento. O Pix é uma das boas delas, porque, no Brasil, hoje uma pessoa com WhatsApp e Pix vende para o Brasil inteiro. Um micro empreendedor consegue. Essa base de acesso é a primeira camada. Quando você fala em crescimento do PIB em IA, se você não tiver resolvido essa base, não vai conseguir tirar esse proveito de crescimento, porque vai ter uma barreira. A próxima camada é segurança. Uma vez que tem inclusão (e colocamos targets até 2030), como  trazer segurança e confiança para indivíduos e empresas? É um desafio gigantesco, porque é um crime. O criminoso não vê fronteiras, mas é a autoridade vê. Se estou no Brasil um hacker de algum outro país invade a minha vida pessoal ou a minha empresa, vou acionar as autoridades locais e elas vão até a fronteira do país e não conseguem avançar na investigação.

E como se faz isso?

O primeiro é separar a segurança nacional de cyber segurança. Muitos países entendem cyber segurança como segurança nacional, que não é assunto para segurança pública, mas para segurança nacional. Até entendemos que tem toda uma questão de você proteger ativos importantes do país, mas as empresas estão sofrendo, muitas pessoas estão sofrendo muito.

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O comportamento das big techs é uma preocupação cada vez mais evidente. No GT de economia digital do G20, a declaração conjunta usou as palavras “transparência” e “responsabilidade” para tratar das plataformas. Vocês usaram “responsabilidade”. Como foi essa discussão no B20 e como as big techs reagiram?

Vamos para a segunda política de ação. Aí já não é um incidente cibernético, já não é um ataque criminoso. Como trabalhar essa questão de dados transfronteiriços com segurança para pessoas e empresas? Foi uma discussão mais densa, porque tem múltiplas visões de vários setores e big techs é um deles. Tem também questões regionais.
Os países olham a questão de dados de formas diferentes. Onde conseguimos chegar num consenso? Aprendemos sobre o data free flow with trust, discussão que nasce no G20 de Osaka, em 2019, proposta do primeiro-ministro do Japão, entendimento de que era necessário ter uma convergência em cima da forma como a gente troca dados. Diversidade também é importante para modelo de IA. Com o tempo, embora o assunto tenha nascido no G20, não avançou. Foi parar no G7, que avançou a ponto de colocar no ar uma parceria que está encubada dentro da OCDE, onde se está começando a desenhar os protocolos. E aqui entendemos, e big techs, concordaram que é preciso combinar o jogo, trazer nossas características, nosso jeito e o que precisa estar nessa discussão.

Existe uma queda de braço mundo afora sobre regulação, não é? 

Aí vamos para a última recomendação, que inclui IA. Ela tem pequena citação na Índia no ano passado. Esse ano, no Brasil, todas as sete forças-tarefas falaram dela. É uma onda que está chegando muito rápida. Como conseguimos tirar proveito desse poder transformador da IA com responsabilidade. Estamos falando assim: “sim, a gente quer avançar, quer construir, mas tem que ter responsabilidade”.
Para nós é o seguinte: IA tem que ser ética, sustentável e tem que ter inclusão. Partindo dessa premissa, começamos a discutir. Existe uma confusão de terminologias no mundo. O que uma entidade, um governo, ou uma empresa, chama de IA não é necessariamente igual. O primeiro ponto é que precisa ter terminologias comuns para entendermos do que estamos falando. Muitas vezes, ao falar de IA, a pessoa pode estar falando de um simples algoritmo. E com ele, já trabalhamos há anos. Não precisa colocar peso em cima desse tipo de tecnologia. Outra questão é equalizar princípios comuns. Hoje, você não sabe o que seguir, qual é a boa referência. Então, vamos ter apenas um grupo de princípios comum a todos do G20.
 Aí, vamos entrar na regulamentação. E, dentro desses princípios, é preciso entender o que é framework,  padrão, norma, lei. Se misturar isso, traz desafios. Fazer uma lei para uma tecnologia que a gente está aprendendo a usar, a lei não vai conseguir prever o futuro. Tem que ter grandes direcionais numa lei e a tecnologia ser detalhada em normas, em documentos menores que permitem acompanhar a sua evolução. Aí tem que olhar para a interoperabilidade jurídica. A IA não vai ver fronteiras. Posso fazer no Brasil e aplicar no mundo. É importante que as leis se conversem. Aí eu volto para a base do data free flow with  trust. A base da IA é dado. Com a transição de dados entre fronteiras bem resolvida, já se resolve boa parte da discussão. É importante ter uma harmonização entre as leis, os países. E os princípios comuns ajudam. É importante que você tenha um olhar dentro dessa harmonização para que a avaliação seja baseada em risco. A gente já sabe como a humanidade trabalha com análise de risco para definir padrões, normas e leis para eletrônicos, brinquedos de criança, por exemplo. É aplicar isso no mundo da IA. Por último, lembrar que temos muitas leis que já atendem muito do que se precisa. Se a gente pegar o marco legal da internet, a lei geral de proteção de dados, a Constituição brasileira, o código do consumidor, e atualizar essas leis para atender a IA, entendemos que é um caminho mais prático do que fazer uma lei específica para IA.

Isso tem que ser visto nacionalmente, depois ser discutido internacionalmente, porque tem a ver com a soberania de cada país?

Sempre respeitando a soberania de cada país. Por isso, falamos primeiro na questão do fluxo de dados livres. Se conseguirmos essa convergência, boa parte da discussão acaba coberta.

Joseph Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia) disse que as big techs não podem se achar acima da lei e usar a globalização em seu favor. Quer dizer, você suspende o X, como no Brasil, e ela segue em outros países da mesma forma, divulgando igual conteúdo. 

O que eu percebi é que os 13 setores estão muito preocupados em definir a forma de fazer. É um momento natural de avançar com a tecnologia sem ter organizado a regra, o formato, etc. Você acaba tendo que bater nas barreiras e fazer isso conforme vai encontra os desafios. Eles nos ajudaram muito na discussão de construir esse entendimento que trouxemos. Em nenhum momento, tivemos dificuldade de consenso. Quando falamos em abordagem com risco, senti que apoiaram muito.

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Eles têm interesse de funcionar por regras feitas com ajuda deles.

É. Tem uma balança que é importante dentro ainda da IA. Tem muito benefício e responsabilidade. Temos que achar esse ponto de equilíbrio, porque se você pesa muito na responsabilidade, se coloca leis muito restritivas, você vai desacelerar o benefício. Agora, se você só faz o benefício e não olha para a responsabilidade, você talvez vai priorizar alguns grupos em detrimento de outros. A discussão foi muito desse equilíbrio. Digamos que tenhamos uma regulamentação em que a IA seja extremamente regulada. Eu sou indústria. Na Tupy, eu cuido de uma indústria. Não vou colocar a indústria em risco. Ou que o molho é muito mais caro que a carne, né? Para poder ter a IA, vou ter que colocar tanto cuidado em cima, que o custo é tão alto que fica proibitivo. Vamos parar essa inovação, entendeu? Esse é um exemplo de desaceleração. Por isso, o equilíbrio é chave. E o Brasil tem que olhar isso com carinho. Temos um capital intelectual muito bom. Estamos em um momento de transição energética importante. O Brasil pode ser uma referência para o data centers, por exemplo. Azeitada a questão do equilíbrio, seremos um player global importante.

A Tupy investiu e deu um salto tecnológico nos últimos 5 anos. Identificou 8 setores que precisavam de atenção. Como replicar a experiência de vocês para empresas que não são multinacionais?

A Tupy é uma multinacional brasileira, de capital aberto, de 86 anos. A gente olha a tecnologia de forma ampla. Existe uma confusão: dizer que tecnologia é digital. Tem várias tecnologias. Mais ou menos na década de 70, fomos das primeiras empresas do sul do país a receber um grande mainframe, que hoje seria um computador,  instalado aqui em Joinville. Temos um livro histórico onde se vêem os técnicos de terno e gravata instalando o computador! Em 2020, a empresa atualizou suas práticas de inovação. O conselho já discutia no conselho desde 2017 que a inovação vai mudando conforme o tempo passa. As ferramentas que usamos para chegar até aqui não são as que nos levarão para o futuro. Foram criadas duas áreas: a Tupy Tech, que olha para pesquisa de desenvolvimento disruptiva, então é muito para o para os nossos negócios, qual é a fronteira do conhecimento, e Tupy Up, da qual eu sou responsável, que olha para a inovação e transformação digital. De lá para cá, foi uma jornada em  que a empresa cresce em paralelo.

Você disse recentemente que essa transformação pode ser corrida de 100m rasos ou uma maratona… 

Encaramos como maratona. Se pensarmos a transformação digital na indústria como sendo só a corrida, vai pegar poucas máquinas, integrar, vai ter algum resultado inicial, mas não consegue evoluir. Na maratona, quebramos a transformação digital, em “digital e tecnologia” e “transformação é 100% sobre pessoas”. Temos 21 mil colaboradores no mundo. Preciso que todos sejam digitais ou estejam prontos para a digitalização. Nos estruturamos para isso. O 1º passo foi criar os pilares digitais com pontos de foco para fazer a transformação digital. O 2º passo foi preparar as pessoas. Nosso time de transformação digital é 100% de pessoas que já estavam na empresa. Não trouxemos ninguém do mercado.

Por que?

Acredito que a tecnologia dá mais oportunidade do que tira no trabalho. A diferença é o nível de conhecimento. Caso você tenha um ponto de operação onde entrou um robô, não terá mais aquele operador. Mas você vai ter que ter quem o programe, dê manutenção, trabalhe com seus dados. Nos apoiamos no fato de que é mais difícil ensinar o nosso processo e a cultura do que ensinar a tecnologia. Então, pegamos os colaboradores, os formamos para que façam a transformação digital. Hoje, a área é composta de pessoas que vieram da operação, da área administrativa. Temos criado nossos primeiros modelos de IA.

Imagino que entre os 21 mil funcionários, haja pessoas de várias faixas etárias. Isso deve fazer diferença. 

Documento da Comissão Europeia de digitalização trata da alfabetização digital dos cidadãos da comunidade europeia. Ele traz um gráfico das como lidamos com água. Tem pessoas que só colocam o pé na água, as conseguem entrar com água na cintura, as que sabem nadar, as que sabem proteger outras, que sabem usar ferramentas, como um barco. Olhando para isso, trazemos para o digital. Quem consegue ligar o computador? Tem gente que programa.Não preciso ter 100% da minha população fazendo programação. Preciso que as pessoas saibam nadar, ficar com água na cintura sem problemas. Então, vou focar para trazer essas 20 mil pessoas para essa média. Agora, vou ter pessoas que vão saber resolver coisas complexas, usar ferramentas e as que vão construir.

O importante é que todo mundo saiba nadar no final das contas.

Esse é o ponto. Tem que estar na média. As pessoas têm que continuar sendo boas naquilo que fazem porque precisamos delas. O nosso mundo é físico. Preciso ter qualidade, logística e uma série de coisas que as pessoas são especializadas. Quando se olha com essa maturidade, ajudamos as pessoas a entenderem o caminho.

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