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No final de 2023, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) apresentou ao público o Anexo X ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que consiste no conjunto de regras destinadas a garantir a responsabilidade social e as boas práticas no mercado publicitário vinculado ao mercado de apostas de quotas fixas.
Esse conjunto de regras foi veiculado a partir de quatro princípios ou pilares: a identificação publicitária, a veracidade, a proteção à crianças e adolescentes e a responsabilidade social e jogo responsável.
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Apesar de não se utilizar da mesma nomenclatura a partir de pilares, tais regras foram recentemente reforçadas pela Portaria 1.231/2024, editada no final de julho de 2024 pela Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda (SPA/MF).
Em um mercado no qual as ações de marketing vivenciam um aumento exponencial e que representam ao menos 5% da receita do mercado, impõe-se destrinchar o verdadeiro significado dos pilares desenhados pelo Conar. Começa-se, aqui, pelo início: o que significa identificação publicitária? O que se busca concretizar com a veracidade da informação?
O pilar da identificação publicitária indica a importância de as peças publicitárias no mercado das bets serem facilmente identificáveis e reconhecíveis pelos consumidores como aquilo que efetivamente são: peças publicitárias, com claro caráter comercial.
Para garantir a plena observância desse pilar, o Conar estabeleceu que o anunciante responsável pela mensagem publicitária deverá estar identificado de forma legível e acessível, bem como que, nas redes sociais e nas páginas de internet, seus perfis deverão ser verificados oficialmente ou acompanhados da informação “perfil oficial”, permitindo aos consumidores que saibam quais as páginas e perfis que permitem a comunicação com as bets.
Isso foi reforçado na Portaria 1.231/2024, que estabelece, por exemplo, que as peças publicitárias no mercado das bets devem ser identificáveis como tal de forma clara e sem ambiguidade – inclusive sugerindo que, para tal, conste a identificação de “informe publicitário”, “publicidade” ou outra palavra que permita a identificação de sua natureza comercial.
Por sua vez, o pilar da veracidade da informação busca garantir a apresentação fiel do serviço oferecido, de modo que a peça publicitária não contenha informações enganosas ou irreais sobre as chances de ganho ou o nível de risco envolvido, nem sugerir ganhos certos, fáceis ou elevados.
Além disso, a publicidade não deve levar o apostador a acreditar que as apostas proporcionarão enriquecimento, constituirão uma fonte de renda, ou que o apostador poderá, de alguma forma, controlar os seus resultados. O anunciante também deverá indicar valores em moeda nacional, incidência de impostos e taxas, forma de resgate dos prêmios, canais de comunicação e local em que o apostador poderá obter informações completas sobre as ofertas.
Tais disposições vão ao encontro da Portaria 1.231/2024, que estabelece, por exemplo, que peças publicitárias no mercado das bets devem adotar linguagem clara; devem utilizar-se da palavra “grátis” (ou sinônimos) apenas quando não estabelecerem condição onerosa ao apostador; e não devem sugerir a obtenção de ganhos fáceis, ou a vinculação a determinadas virtudes ou sucesso – pessoal, profissional ou financeiro.
A uma primeira vista, tais disposições podem aparentar caráter de inovação. Em verdade, contudo, tais disposições buscam concretizar a aplicação de normas já existentes a um contexto novo e específico.
É fácil perceber o paralelo entre os pilares da identificação publicitária e da veracidade da informação com o dever geral de informação na apresentação de produtos, amplamente reconhecido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse sentido, basta relembrar que:
a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços é um dos direitos básicos do consumidor (art. 6º, III, CDC);
que os fornecedores têm o dever de apresentar informações corretas, claras, precisas e ostensivas e em língua portuguesa referentes aos produtos e serviços oferecidos (art. 31, CDC);
as peças publicitárias devem ser veiculadas de forma que o consumidor consiga assim identificá-la fácil e imediatamente (art. 36, CDC); e
é vedada, por enganosa, toda e qualquer publicidade que veicule informação inteira ou parcialmente falsa (por omissão ou não) ou que seja capaz de induzir o consumidor em erro quanto às características do produto ou serviço oferecido (art. 37, CDC).
Ou seja: a conexão existente entre os dispositivos do CDC e os pilares da identificação publicitária e da veracidade da informação não é mera coincidência, mas a confirmação de que apostadores são também consumidores. Tanto o Anexo X do Conar quanto a Portaria 1.231/2024 da SPA/MF integram o microssistema do Direito do Consumidor. Tanto é assim que a Lei 14.790/23, que dispõe sobre as apostas de quota fixa, assegura aos apostadores todos os direitos dos consumidores previstos no CDC.
As dúvidas que surgem, portanto, não dizem respeito ao conteúdo das regras e diretrizes em si, mas à sua aplicação quando diante de situações específicas vivenciadas no mercado das bets – isto é, à aplicação de tais regras e diretrizes em casos concretos. Permanece, no entanto, verdadeiro que as normas que permeiam a atividade publicitária das bets não são fechadas, propositalmente criando espaço para que o Poder Judiciário possa, de forma casuística, analisar a legalidade de inovações publicitárias considerando a evolução do mercado e, certamente, os impactos que essa atividade terá na sociedade.
Disso, logo surgem desafios claros: sendo a atividade das bets recentemente autorizada, quais serão as interpretações dadas às novas normas e àquelas que já vigiam à época da autorização das apostas de quota fixa no Brasil, em especial o CDC? Quais os novos parâmetros que surgirão por meio da jurisprudência?
Veja-se, por exemplo, que em representação junto ao Conar e que foi julgada em maio de 2024, discutiu-se sobre anúncio que promoveria promessa de ganho certo no jogo e que não apresentaria cláusula de advertência (por exemplo, “jogue com responsabilidade”) e cláusula de restrição etária (“18+”). Tal caso foi enquadrado como um caso sobre veracidade da publicidade pelo Conar, sendo decidido que o anúncio estava em desconformidade com o código ético da publicidade e deveria passar por alterações (Reclamação 239/2023. Relator: conselheiro Felipe Ayres).
Em outra representação, também julgada em maio de 2024, o Conar enfrentou relatos de consumidores “acerca da ausência e recusa de pagamento dos prêmios das apostas”, com suposta infração ao “princípio da apresentação verdadeira, trazendo efetivo prejuízo aos consumidores”, à ausência de age gates e de inserção de avisos obrigatórios relativos à restrição etária e jogo responsável, com determinação de sustação da peça publicitária e penalidade de advertência aplicada contra os envolvidos.
As primeiras balizas para a delimitação do significado de identificação publicitária e veracidade da informação já foram estabelecidas pelo Ministério da Fazenda, pela Lei 14.790/2023 e, mais detalhadamente, pelo Anexo X do Conar.
É principalmente a partir desses dois pilares que se verifica uma grande preocupação para que a publicidade e as informações nela veiculadas sejam meios de garantir a consecução dos demais pilares, i.e., da proteção de vulneráveis e da promoção da responsabilidade social e jogo responsável, ainda sendo necessário aguardar para verificar qual será a verdadeira eficácia e suficiência dessas diretrizes na consecução dos objetivos estabelecidos na regulamentação desse novo mercado.