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Recente relatório do NetLab, Eco e UFRJ, cujo título é “Golpes, Fraudes e Desinformação na Publicidade Digital Abusiva contra Mulheres”[1], procura demonstrar, a partir de pesquisa empírica, o quanto o ambiente virtual tem aumentado a misoginia e ampliado a vulnerabilidade das mulheres.
A conclusão do estudo converge com muitas pesquisas e análises anteriores que relacionam a lógica algorítmica e o modelo de negócio das plataformas com o reforço da misoginia[2] e dos estereótipos de gênero. Por meio de narrativas nocivas que se espraiam com muita facilidade nas redes sociais e são amplificadas em comunidades e salas de bate-papo, uma verdadeira cultura da “machosfera” ou “manosfera” está se sedimentando, o que representa uma ameaça às mulheres em pelo menos grandes quatro frentes:
riscos ao corpo e à saúde da mulher, por meio de conteúdos que exploram, de forma indevida, a saúde, a estética e a sexualidade das mulheres, incluindo promessas milagrosas;
discursos de misoginia e de combate à igualdade de gênero;
discursos que exploram a autonomia da mulher, sob falsas promessas de empoderamento pessoal e financeiro; e
discursos que exploram as fragilidades emocionais relacionadas à religiosidade e à espiritualidade das mulheres.
O relatório mostra como o anonimato e a ausência de regulamentação das plataformas são importantes incentivos para comportamentos misóginos. Não surpreende que, de acordo com a Safernet, as denúncias de misoginia online saltaram de 961 casos em 2017 para 28.600 em 2022, sendo maiores do que as denúncias de xenofobia, apologia a crimes contra a vida, racismo, LGBTfobia, intolerância religiosa e neonazismo. Daí a conclusão da Safernet de que “as mídias sociais são o principal espaço para disseminar discurso de ódio contra as mulheres, no Brasil e no mundo. O ranking é liderado pelo Facebook, seguido por TikTok Twitter e Instagram”.[3]
É diante dessa situação que o relatório apresenta análise empírica sobre a extensão e o conteúdo dos anúncios publicitários tóxicos, assim considerados os que veiculam ameaças às mulheres em algum grau. Em apenas 28 dias de coleta, foram identificados, somente nas plataformas da Meta, 1.565 anúncios tóxicos, sendo que mais de 98% deles não foram nem mesmo classificados como sensíveis.
Os anúncios considerados tóxicos foram divididos em três grandes grupos:
anúncios problemáticos, que reforçam estereótipos de gênero, cultura masculinista e/ou exploram vulnerabilidades psicossociais e econômicas, sem necessariamente incidirem em crimes ou irregularidades;
anúncios que podem ser considerados publicidade irregular, na medida em que violam normas de publicidade e de Conselhos Profissionais (como CFM, CFO, OAB etc.) e/ou outras normas setoriais; e
anúncios que podem ser considerados publicidade ilegal ou fraudulenta, na medida em que violam normas jurídicas brasileiras, notadamente a Constituição Federal, o Código Penal, o Código de Defesa do Consumidor e a Resolução 96/2008 da Anvisa, que regula a propaganda e a publicidade de medicamentos.
De forma mais pormenorizada, os conteúdos tóxicos ou de desinformação foram classificados em vários grupos, dentre os quais fraudes ou golpes, desinformação ou publicidade enganosa/abusiva, assédio online/cyberbulling, impersonation ou uso de identidade falsa, discurso de ódio, risco à saúde pública ou individual e conteúdos que reforçam estereótipos de gênero e machismo, objetificam as mulheres e promovem conteúdo masculinista.
Além disso, foram mapeados casos de uso indevido de marca registrada e de descumprimento de normas profissionais, assim como foi constatado que a grande maioria dos casos se enquadra em mais do que um tipo de ameaça, com a consequente sobreposição de várias categorias.
Dentre todos esses conteúdos, vale destacar os que se propõem, por diversas formas, a questionar a igualdade de gênero ou a reforçar estereótipos ou comportamentos masculinos que podem ser considerados misóginos. É o que ocorre com boa parte dos conteúdos relacionados ao que se denominou “desenvolvimento masculino”, que já deu ensejo a pelo menos 25 ebooks – dentre os quais o Manual do Antiotário – e com um verdadeiro mercado de conselheiros, coaches e aproveitadores que pregam a inferiorização das mulheres e prometem a conquista da autoconfiança masculina a partir da subjugação das mulheres.
Como se pode imaginar, os efeitos de todo esse ambiente informativo disfuncional são bastante nefastos não apenas para a saúde física e psicológica das mulheres, mas também para vários outros aspectos de suas vidas, incluindo a financeira, já que muito desse ecossistema está voltado igualmente a perpetrar fraudes contra as mulheres.
Entretanto, talvez seja no âmbito estrutural e simbólico que esses efeitos se apresentem de maneira ainda mais preocupante, pois consistem em verdadeiro combustível para a misoginia e acabam fomentando uma cultura com obstáculos ainda maiores para a igualdade de gênero.
O que há de mais alarmante em tudo isso é que os próprios anunciantes parecem ter consciência das suas ilicitudes. Tanto é assim que relatório aponta que esse ecossistema de publicidade é movido predominantemente por perfis apócrifos e com fotos falsas. Em muitos casos, os conteúdos ilícitos partem de perfis recém criados, com poucos seguidores e com dados e informações conflituosas.
Ademais, o relatório demonstrou uma espécie de padrão na indústria da desinformação de gênero: uma renovação constante de anunciantes, de modo que novos perfis e novas páginas são criadas diariamente para divulgar os mesmos conteúdos publicados por quem já teve o seu perfil indisponibilizado por vontade própria ou pela própria plataforma. Daí concluir o relatório que “essa renovação indica um esforço proposital para manter o conteúdo falso e, possivelmente, fraudulento sem que os responsáveis pelos anúncios sejam responsabilizados”[4], aspecto a que se soma o fato de existir “algum grau de orquestração” entre todas essas condutas[5].
Tais achados indicam que as plataformas sabem o que está ocorrendo, de maneira que a sua omissão – total ou parcial – provavelmente se deve aos poucos incentivos econômicos para conter tais práticas, uma vez que elas se mostram muito lucrativas para os seus modelos de negócios. A título de exemplo, aponta o relatório que, em 2023, 97,8% da receita total da Meta decorreu de publicidade digital, o mesmo ocorrendo com 77,8% da receita total do Google.
O grande problema é que a lucratividade do modelo de negócios das plataformas digitais, no que diz respeito à publicidade digital, está associada recorrentemente ao descumprimento da legislação e à violação aos direitos dos usuários. Basta lembrar que, independentemente da licitude ou não dos conteúdos, a publicidade digital costuma ser operacionalizada por meio da personificação ou microtargeting, estratégia usualmente vinculada a uma série de violações à privacidade e aos direitos de proteção de dados previstos na LGPD.
Para além disso, as regras de publicidade previstas no CDC são usualmente ignoradas, até porque as plataformas nem asseguram a transparência sobre a gestão do fluxo informacional nem assumem qualquer responsabilidade pelos conteúdos de terceiros, mesmo quando estes são anúncios publicitários pagos. Com isso, adicionalmente passa a existir grande assimetria entre a mídia tradicional – que está sujeita a uma série de regras para a publicidade – e a mídia digital, o que propicia grandes e indevidas vantagens competitivas para a segunda.
Assim, não é difícil concluir que os resultados do relatório refletem, na verdade, o quanto o ambiente virtual intermediado pelas plataformas tornou-se uma verdadeira “terra sem lei”, em que qualquer criminoso, sob o manto do anonimato, pode divulgar, de forma constante e reiterada, publicidade abusiva ou conteúdos misóginos ou ameaçadores às mulheres, sem que os controles internos das plataformas possam responder minimamente a tais desafios.
Entretanto, seria equivocado concluir que o problema decorre apenas de um modelo de monetização das plataformas que gera incentivos perversos ou da ausência de regulação apropriada. Como o relatório procura apontar, muitos dos anúncios considerados tóxicos representam claras violações às regras jurídicas que tratam da publicidade, especialmente as constantes do CDC, que simplesmente são ignoradas pelas plataformas.
Sobre o assunto, já tive a oportunidade de mostrar, em diversas oportunidades[6], que o art. 19 do Marco Civil da Internet dirige-se a conteúdos de terceiros em relação aos quais as plataformas não têm nenhuma ingerência. Do ponto de vista finalístico e sistemático, não tem qualquer lógica querer estender a aplicação do dispositivo para os casos de publicidade digital, conteúdos em relação ao qual as plataformas têm ingerência e são diretamente remuneradas por isso.
Assim, cogitar da aplicação do art. 19 do Marco Civil da Internet para os casos de publicidade digital é simplesmente permitir que as plataformas possam ter poder sem qualquer responsabilidade, o que nem foi o propósito do referido dispositivo legal nem se compatibiliza com a óbvia conclusão de que este precisa ser interpretado de forma sistemática com o ordenamento jurídico brasileiro, aí incluídas as regras sobre publicidade, especialmente as previstas pelo CDC.
Não é sem razão que o relatório apresenta duas conclusões que parecem óbvias: (i) posts impulsionados devem ser tratados como anúncios publicitários e (ii) quem promove anúncios deve ter as responsabilidades devidas, inclusive em razão de disposição expressa do CDC.
Consequentemente, se o ambiente digital está fragilizando ainda mais as mulheres, a causa não é propriamente a ausência de regulação ou o art. 19 do Marco Civil da Internet. A verdadeira causa tem sido a dificuldade do ordenamento jurídico e de seus principais agentes – aí incluídos os órgãos de defesa do consumidor e dos titulares de dados pessoais – de aplicarem a legislação já existente sobre publicidade aos anúncios digitais.
Com um pouco mais de cuidado e atenção, poderíamos proteger, de forma mais adequada, não apenas as nossas mulheres, mas também os consumidores e titulares de dados como um todo, aí incluídos grupos vulneráveis que, como crianças e idosos, precisam de uma tutela ainda mais efetiva diante da publicidade abusiva.
Mais do que isso, com a aplicação das regras legais já existentes sobre a publicidade e sobre a própria liberdade de expressão – como o dispositivo constitucional que veda o anonimato – poderíamos estar contribuindo para o aperfeiçoamento qualitativo do fluxo informacional nas plataformas e para a contenção da misoginia.
[1] file:///D:/Users/ANAFRAZAO/Downloads/Golpes%20Fraudes%20e%20Desinforma%C3%A7%C3%A3o%20na%20Publicidade%20Digital%20Abusiva%20Contra%20Mulheres.pdf
[2] No episódio Industria do Extremismo do Podcast Direito e Economia, a entrevista Michele Prado faz um preciso diagnóstico do que vem ocorrendo no mundo digital em relação a vários aspectos, incluindo a misoginia. https://podcasters.spotify.com/pod/show/ana-frazo/episodes/EP82-Indstria-do-extremismo–com-Michele-Prado-e2aafgm
[3] Relatório, p. 19.
[4] Relatório, p. 13
[5] Relatório, p. 13
[6] Ver FRAZÃO, Ana. Jota. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/regulacao-de-conteudos-em-plataformas-digitais-22032023