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Com a proximidade do tão festejado Natal, inúmeras reflexões emergem em nossas vidas. Independentemente da religiosidade, pairam ensinamentos de gratidão, lealdade, honestidade, empatia, amor, união, solidariedade, perdão, fraternidade, justiça e, sobretudo, renascimento.
Inevitavelmente, aos estudiosos do Direito Penal e Processual Penal, a história da escolha entre Barrabás e Jesus – um dos episódios mais emblemáticos dos evangelhos bíblicos –, acaba simbolizando a tensão entre justiça, opressão e manipulação social.
No contexto atual, esta narrativa permite profundas reflexões sobre as dinâmicas do Processo Penal, mormente em relação à influência da opinião pública, o papel da chamada “mídia opressiva” e a reação de sistemas judiciais diante de pressões externas.
No episódio relatado nos evangelhos, Jesus é apresentado a Pôncio Pilatos – governador e procurador da província romana da Judeia –, que, em busca de uma solução para o impasse político, oferece ao povo a opção de libertar um prisioneiro. A escolha recai entre Barrabás, um criminoso condenado por revolta e assassinato, e Jesus, acusado de blasfêmia e considerado uma ameaça política pelas lideranças religiosas. Sob influência dos sacerdotes e do clamor popular, o povo opta por Barrabás, condenando Jesus à crucificação.
Este episódio reflete um julgamento comprometido pela manipulação e, principalmente, pela abdicação de um processo justo com direito ao contraditório onde, por vezes, se alega ter provas! E quando isso é mera retórica inescrupulosa? Afinal, como ter provas de algo que não existiu?
Aqui cabe conhecer o texto do aclamado professor doutor em Teologia, Jaldemir Vitório:
“A catequese mateana está toda perpassada com o conflito entre Jesus e seus adversários, mormente, os escribas e os fariseus, um grupo apegado, de forma exagerada, à Lei mosaica. Em Mt 12,14, os fariseus tomam a decisão de eliminá-lo. Daí em diante, a narração evangélica caminhará na direção da morte de Jesus, a mais terrível de todas, a morte de cruz. Certa ocasião em que Jesus foi a Jerusalém para celebrar a Páscoa, deu-se conta de que o cerco contra ele estava se fechando. Profundamente desolado, retirou-se no Jardim das Oliveiras com os discípulos para rezar. O discípulo traidor, Judas Iscariotes, cuidou de entregá-lo a quem interessava condená-lo, ou seja, as autoridades religiosas. Julgado pelo Sinédrio, tribunal religioso presidido pelo sumo-sacerdote, recebeu a sentença de morte com base em falsos testemunhos, a que chamaríamos hoje de fakenews. O argumento decisivo foi que Jesus teria dito ser capaz de destruir o Templo e reerguê-lo em três dias. Bastou para ser acusado de blasfêmia, receber cusparadas no rosto e ser submetido a torturas.
Por se tratar de pena de morte, a decisão do tribunal religioso dependia do aval do tribunal romano. Aqui entra Pilatos, a quem Jesus foi apresentado, tendo as mãos amarradas, como se fora um perigoso marginal. A acusação, agora, tinha uma impostação política: Jesus pretendia ser rei dos judeus! Uma acusação, evidentemente, falsa. Outra fakenews! Afinal, a autoridade romana tinha seus informantes e qualquer tentativa de rebelião seria, de pronto, descoberta e desbaratada. Por outro lado, onde estava o exército daquele galileu pobre, que não dava mostras de ser violento e se comportava de maneira digna, às vezes, se recusando a rebater os acusadores? Com certeza, Pilatos sabia tratar-se de questiúnculas entre as lideranças religiosas judaicas, com as quais não valia perder tempo.”
A história narra! O julgamento de Jesus evidencia como a pressão social pode distorcer decisões. Hoje, a opinião pública exerce influência significativa sobre o sistema de justiça, muitas vezes exacerbada pela mídia. Casos de grande repercussão frequentemente resultam em julgamentos midiáticos paralelos, onde a presunção de inocência é substituída por prejulgamentos baseados em narrativas superficiais ou sensacionalistas.
Nessa toada de espetacularização do Processo Penal, o conceito de mídia opressiva refere-se à utilização da comunicação de massa para moldar a percepção pública e influenciar julgamentos.
Em casos de grande visibilidade por exemplo, a cobertura tendenciosa pode criar um ambiente de perseguição, onde o acusado é retratado como culpado antes mesmo de qualquer condenação. Notadamente, essa dinâmica compromete a imparcialidade e pode levar a erros graves e, por vezes irreparáveis; mesmo diante de uma futuraabsolvição. E aqui indaga-se: como restaurar a honra e a dignidade de quem foi acusado injustamente?
Assim, como na escolha entre Barrabás e Jesus, a mídia muitas vezes opera como um catalisador para a manipulação das massas, amplificando discursos de acusação e abafando vozes de defesa. Este fenômeno é particularmente evidente em casos criminais envolvendo figuras públicas ou situações de grande impacto emocional, como crimes hediondos ou de corrupção. Não raras vezes, parece até que os argumentos defensivos perdem valor frente às acusações feitas. Calam-se vozes.
Outrossim, a história bíblica também expõe a arbitrariedade no uso do poder estatal para perseguir indivíduos que representam uma ameaça ao status quo. No cenário atual, é possível identificar práticas semelhantes quando se fala em seletividade penal, onde pessoas ou grupos são perseguidos não por suas ações, mas por sua posição intelectual,política, econômica ou social.
Assim, o caso de Barrabás e Jesus convida à reflexão sobre os objetivos do Direito Penal e Processual Penal. Enquanto Barrabás foi libertado apesar de seus crimes comprovados, Jesus foi condenado sem provas concretas, evidenciando a tensão entre a busca por justiça e a satisfação das massas.
A narrativa de Barrabás e Jesus oferece um poderoso paralelo para compreender os desafios contemporâneos do Processo Penal. A influência da opinião pública, o papel da mídia opressiva e a vulnerabilidade às pressões externas na busca por justiça.
Portanto, aos operadores do Direito não cabe a omissão de “lavar as mãos” frente às injustiças. Devemos garantir que o sistema penal seja um espaço de proteção aos direitos e garantias fundamentais na busca pelo que é justo e perfeito.
Porque como nos ensina a história bíblica, a verdadeira justiça não se curva às pressões externas, mas busca a verdade acima de tudo, mesmo diante das vozes mais estridentes.
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, com pós-graduação em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, atua como articulista em importantes veículos jurídicos nacionais, integra o corpo docente da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina (Acadepol), é palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc).
Em 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz por sua contribuição à comunidade de Inteligência. Já em 2023, recebeu uma Moção de Aplauso da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Recentemente, Miranda Coutinho ganhou destaque nacional como autor da sugestão legislativa que resultou no Projeto de Lei 212/2024, apoiado pelo Conselho Federal da OAB, propondo a inclusão de qualificadoras no Código Penal para crimes cometidos contra advogados no exercício da função.
Instagram: @miranda.coutinho_
Referências:
BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 dez. 2024.
BRASIL. Código penal. Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. . Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm Acesso em: 17 dez. 2024.
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 17 dez. 2024.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CONJUR. Consultor Jurídico. “É possível controlar abusos da imprensa sem censura, dizem advogados”. 13 mar. 2018. Entrevista com Nabor Bulhões. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-13/possivel-controlar-abusos-imprensa-censura-dizem-advogados/. Acesso em: 17 dez. 2024.
VITÓRIO, Jaldemir. Jaldemir Vitório. Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Disponível em: https://faculdadejesuita.edu.br/jaldemir-vitorio/. Acesso em: 17 dez. 2024.
ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Editora Revista dos Tribunais. 2010.