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A recente decisão da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) trouxe à tona uma questão de grande relevância para o direito trabalhista e o ambiente empresarial: a natureza estimativa dos valores indicados na petição inicial de uma ação trabalhista. O entendimento de que esses valores são meramente aproximados e não limitam o montante da condenação impacta diretamente a segurança jurídica e o provisionamento contábil das empresas, em especial aquelas listadas em bolsa de valores. Essa interpretação, embora tenha o objetivo de garantir ao trabalhador a obtenção integral de seus direitos, levanta questionamentos sobre o respeito aos princípios fundamentais que regem o direito processual, como o princípio da legalidade e a previsibilidade das obrigações.
De acordo com o artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação dada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a petição inicial em uma reclamação trabalhista deve conter um pedido “certo, determinado e com indicação de seu valor”. Essa exigência visa, entre outros objetivos, proporcionar clareza sobre o alcance da pretensão do reclamante e delimitar o escopo da lide, permitindo que as partes possam se preparar adequadamente para o processo. Além disso, o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 292, também reforça a necessidade de se indicar os valores dos pedidos, garantindo que a parte ré tenha ciência exata do risco financeiro que corre.
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No entanto, a decisão do TST, ao considerar esses valores como meras estimativas, compromete a função primordial dessas regras. O jurista Nelson Nery Júnior, ao discorrer sobre o princípio da legalidade e a segurança jurídica, afirma que “o processo judicial deve seguir rigorosamente os preceitos estabelecidos em lei, de forma que as partes possam prever, com razoável segurança, os efeitos jurídicos de suas ações e omissões” (NERY JÚNIOR, 2016). A interpretação dada pelo TST parece fragilizar esse princípio, uma vez que a condenação pode ultrapassar substancialmente o valor indicado na inicial, gerando uma insegurança quanto ao montante final da condenação até a fase de execução.
O provisionamento contábil, regulado pelo CPC 25, também é diretamente afetado por essa decisão. O CPC 25 estabelece que as empresas devem provisionar valores sempre que houver uma obrigação presente cuja saída de recursos seja provável e o valor possa ser estimado de forma confiável. No entanto, ao afastar a limitação dos valores inicialmente indicados na petição, a decisão do TST cria um cenário de imprevisibilidade para as empresas. O valor da condenação só será realmente conhecido ao final do processo, na fase de execução, comprometendo a capacidade das empresas de provisionarem adequadamente seus passivos.
No campo do direito processual, o princípio da legalidade também é evocado para garantir que as partes envolvidas em um litígio saibam exatamente os limites da disputa. O professor Humberto Theodoro Júnior afirma que “a fixação do valor da causa tem por objetivo estabelecer parâmetros claros sobre os direitos em jogo, além de servir como uma diretriz para as partes e para o juiz” (THEODORO JÚNIOR, 2019). Quando esses valores são tratados como meras estimativas, as empresas ficam vulneráveis a um descompasso entre o valor que provisionaram e a eventual condenação, levando a ajustes de última hora que podem gerar impactos financeiros significativos, especialmente para empresas de grande porte e listadas em bolsa.
A decisão do TST, portanto, coloca as empresas em uma posição delicada, especialmente no que diz respeito à sua capacidade de gerenciar riscos trabalhistas. Para as empresas listadas em bolsa, cujas demonstrações financeiras precisam ser claras e transparentes, a ausência de um valor exato e limitador para a condenação cria incerteza quanto ao passivo total que poderá surgir de uma ação trabalhista. Isso não apenas compromete o planejamento financeiro, como também afeta a imagem da empresa diante dos acionistas, investidores e do mercado em geral.
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Um aspecto adicional de preocupação está relacionado ao princípio da segurança jurídica. O jurista Paulo de Barros Carvalho enfatiza que “a previsibilidade das consequências jurídicas de um ato ou omissão é essencial para a estabilidade das relações sociais e econômicas” (CARVALHO, 2013). Quando os valores inicialmente apresentados na petição inicial são desconsiderados como limite para a condenação, essa previsibilidade é comprometida. A imprevisibilidade quanto ao montante da condenação até a fase de execução cria um cenário de insegurança tanto para a empresa quanto para o trabalhador, que também enfrenta um processo mais longo e incerto.
A questão da delimitação do valor da causa nas demandas trabalhistas revela-se como mais um exemplo de decisão da justiça especializada em desconformidade com o que o Poder Legislativo previu em lei. A técnica interpretativa adotada ignora o fato de que a maioria dos reclamantes é assistida por advogados, os quais, além de serem plenamente capacitados para delimitar corretamente os valores pretendidos, possuem responsabilidade profissional pelos seus atos (MATSUMOTO; TOURINHO, 2021).
Entre essas responsabilidades, destaca-se a adequada delimitação do valor da causa, tarefa para a qual existem diversas ferramentas gratuitas disponíveis na internet que permitem calcular com precisão as verbas trabalhistas devidas (MATSUMOTO; TOURINHO, 2021).
Inclusive, a correta valoração da causa não impede o ajuizamento das ações, já que o Código de Processo Civil assegura prazo para que o advogado do reclamante emende a petição inicial e corrija eventuais equívocos. No entanto, se causa for limitada a um valor inferior ao que o reclamante poderia ter pedido, o advogado poderá ser responsabilizado pela liquidação incorreta e, se o caso, ter de indenizar seu cliente (MATSUMOTO; TOURINHO, 2021).
Essa decisão do TST também gera implicações práticas importantes. Para as empresas que enfrentam grandes volumes de ações trabalhistas, a necessidade de provisionamento contínuo e dinâmico aumenta. O fato de o valor final da condenação ser incerto até a fase de execução obriga as empresas a revisar constantemente suas provisões, aumentando os custos operacionais e financeiros. Além disso, a impossibilidade de prever com segurança o passivo trabalhista pode resultar em perdas financeiras inesperadas que podem comprometer o fluxo de caixa e a saúde financeira da empresa.
Diante desse cenário, algumas medidas podem ser adotadas pelas empresas para mitigar os riscos gerados por essa insegurança jurídica. Em primeiro lugar, é fundamental que as empresas reforcem suas áreas de compliance trabalhista e gestão de riscos, adotando uma postura preventiva na administração de conflitos. A criação de uma gestão integrada entre os departamentos jurídico e contábil também se torna essencial, para garantir que as provisões sejam ajustadas de acordo com o andamento dos processos e que as empresas estejam preparadas para eventuais condenações superiores às estimativas iniciais.
Em conclusão, a decisão do TST ao tratar os valores indicados na petição inicial como estimativos, e não como limitadores da condenação, tem repercussões significativas no provisionamento contábil das empresas e na segurança jurídica que norteia o processo trabalhista. Embora o objetivo seja garantir o amplo acesso à Justiça e a proteção dos direitos dos trabalhadores, o efeito prático é uma maior incerteza para as empresas, especialmente as de capital aberto, que ficam sujeitas a passivos imprevisíveis até a fase de execução. A ausência de um limite claro na condenação compromete os princípios da legalidade e da previsibilidade, pilares do direito processual, e impõe às empresas a necessidade de repensar suas estratégias de gestão de riscos trabalhistas e provisionamento contábil, a fim de se protegerem em um cenário de maior insegurança jurídica.
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Fontes:
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MATSUMOTO, Jorge; TOURINHO, João. O fim da surpresa nos processos trabalhistas. Portal Contábeis, 02 set. 2021. Disponível em: https://www.contabeis.com.br/artigos/7506/processos-trabalhistas-como-esses-casos-estao-sendo-cumpridos-pela-justica/. Acesso em: 16 out. 2024.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 61. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.