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A newsletter “JOTA Info | Direito na Mídia” enviada no último dia 5 de março citou uma reportagem do jornal Valor Econômico a respeito do recorde de benefícios previdenciários concedidos em decorrência de decisões judiciais.
Dois pontos chamaram minha atenção: (i) “cerca de 30% das aposentadorias rurais foram concedidas pela via judicial”; (ii) “o governo avalia a possibilidade de alterar leis e normativos que tratam de benefícios assistenciais e previdenciários, para tornar mais claros os critérios de concessão e incorporar entendimentos da Justiça que têm levado a União a sucessivas derrotas nos tribunais”.
Uma saída para essa situação, que não requer intervenção do Poder Legislativo, veio a minha mente.
Qual o motivo, talvez o principal, desse número de 30%? É a diferença entre o critério de julgamento do pedido de aposentadoria rural adotado pelo INSS e pelo Poder Judiciário.
Para o INSS, a pessoa tem que provar cabalmente ser segurada especial. Para o Poder Judiciário não é bem assim.
Desde o TFR até hoje, a solução “in dubio pro misero” (não gosto da expressão, mas é à usada na jurisprudência) é a regra no julgamento de demandas que gravitam em torno de concessão de aposentadoria por idade rural.
Eis o que conta do interior teor da AR 671 (STJ): “Ao tempo do TFR, no julgamento do REO 63015-RS, pelo voto do eminente ministro Washington Bolívar, restou assentado, verbis: ‘Em direito previdenciário a solução ‘pro misero’, só há de ser afastada quando, por prova idônea e segura demonstra o órgão da previdência social o não cumprimento das exigências legais pelo segurado, devendo prevalecer o interesse que, por seu conteúdo social e humano, se apresenta digno de maior tutela jurídica.’ Ementário – TFR 13/27”.
Essa regra só é afastada quando o INSS traz prova idônea e segura em sentido contrário.
É possível ser feito um paralelo com o quantum de prova no processo penal: a) no processo penal, exige-se da acusação prova além de qualquer dúvida razoável para a/o magistrada/o ter um juízo de certeza em relação ao fato delituoso imputado à pessoa acusada; a defesa basta criar um estado de dúvida para garantir a absolvição; b) no processo previdenciário, a parte autora basta apresentar algum início de prova documental de exercício de atividade rural corroborado por prova testemunhal para o pedido ser julgado procedente; já o INSS tem o ônus de criar um juízo de certeza em sentido contrário para o pedido ser julgado improcedente.
É tão evidente esse comportamento do Poder Judiciário, que várias regras processuais pertinentes à concessão de benefícios são interpretadas no sentido de amparar o pedido da parte: a) ausência de prazo para concessão inicial do benefício (STF, RE 626489); b) viabilidade da ação rescisória com base em documento anterior à ação originária (STJ, AR 5731); c) a prova testemunhal estende a eficácia da prova documentação para frente e para trás (STJ, REsp 1.724.805); d) ausência de coisa julgada material, se não houver início de prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural (STJ, REsp 1352721); e) o início de prova material não significa prova exaustiva, mas apenas um ponto de partida (STJ, AgRg no REsp 1367415).
É uma linha de raciocínio tão específica que muitos já a chamam de “processo previdenciário”.
A não adoção do critério de julgamento do Poder Judiciário – diga-se de passagem, firmado inclusive antes da Constituição de 1988 – e o maior acesso à justiça têm gerado ao longo dos anos um círculo vicioso: o INSS nega o pedido, a parte ingressa com sua demanda judicial, o Judiciário reconhece o erro do indeferimento, e tudo isso se repete no próximo indeferimento administrativo.
Portanto, o INSS manter seu critério de julgamento, apesar de sair derrotado das lides previdenciárias ou até reconhecer na via judicial o erro do indeferimento administrativo e ofertar uma proposta de acordo, é um comportamento que gera desperdício de tempo e dinheiro.
Mudar essa postura para, em vez de encerrar lides por meio de transação ou recorrer de forma infundada, fazer com que elas não nasçam, é uma radical mudança de comportamento revestida de eficiência administrativa e de promoção do bem de todos.