Interseccionalidade e como se aplica na gestão de políticas públicas

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Antes de iniciar a leitura, saiba que consta aqui um excerto construído a partir de diálogo com colegas que atuam na área das relações governamentais e construção de políticas públicas. Em meio aos processos corridos do dia a dia, entendi que praticar uma interpretação prática de alguns conceitos estudados nas salas de aula e demonstrá-los é importante para compartilhar a aprendizagem. Além disso, como professor colaborador do curso de Gestão de Políticas Públicas da UnB, tenho me debruçado sobre o estudo de uma área ainda recente para o campo das políticas públicas: os estudos interseccionais.

Para tanto, vamos brevemente apresentar um conceito básico de interseccionalidade. O termo, cunhado por Kimberlé Crenshaw, pode ser entendido como uma ferramenta ou categoria analítica, como nos ensina Patricia Collins e Sirma Bilge. Nesse sentido, compreende-se o contexto constituído a partir de marcadores sociais de classe, raça, gênero, geração e sexualidade.

Como nos ensina Carla Akotirene na sua leitura sobre interseccionalidade no Brasil, a heterogeneidade articula as relações de poder econômico, social e simbólico por meio de encruzilhadas. Encruzilhadas essas que se relacionam diretamente com a nossa vida.

É por isso que a interseccionalidade não deve ser um conceito que colabore apenas para análise, mas, sobretudo, um conceito que inscreva a prática como parte de um comportamento que entenda a ausência de neutralidade e unicidade na constituição do ato. Sara Ahmed, por exemplo, ao desenvolver uma análise da diversidade nas instituições, compreendeu a inclusão como um elemento essencial para a transformação dessas instituições.

Ou seja, vislumbra-se, a partir da interseccionalidade, combater uma ideia de construção monolítica de poder, garantindo um olhar para o tratamento das violências em suas diferenças e conexões. Igualmente, se desenha uma estratégia de rompimento de barreiras entre o eu e o outro a partir da constituição de solidariedade flexível, na qual os afetados se articulam para a afirmação da existência.

Em resumo, a interseccionalidade é uma prática analítica que se constitui como um caminho para a estratégia de reconhecimento de violências que se conectam, assim como a solidariedade daqueles implicados em um capital interseccional de classe, raça, gênero, geração e sexualidade. Sua aplicabilidade nas políticas públicas deve ser, a priori, uma intenção prática de insurgir da política. Como nos ensina Rönnblom, o próprio espaço é parte da dimensão analítica de políticas interseccionais. A análise espacial deve fazer parte da trilha de uso da ferramenta analítica.

Já Bishwakarma, Hunt e Zajicek, ao adentrar no campo do próprio reconhecimento do processo político, entendem que a interseccionalidade deve estar em cada passo da constituição das políticas públicas, delimitando desde a agenda até a avaliação uma ação pública interseccional.

Um dos grandes exemplos no Brasil de aplicação da interseccionalidade nas políticas públicas foi a preferência dada às mulheres nos imóveis adquiridos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida em caso de divórcio. Percebe-se que não se trata de uma política voltada apenas para moradia ou para igualdade de gênero, mas sim para uma política interseccional.

Na prática, como Olena Hankivsky e Renée Cormier apontam, a aplicação da interseccionalidade nas políticas públicas é, sobretudo, a construção em movimento de aplicação de métodos e práticas possíveis e esperadas para o campo das políticas públicas. É parte dos anseios de uma sociedade multifacetada e complexa que entende os marcadores sociais de opressão como ferramentas que constituem domínio do poder e da própria ação pública.

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