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Alguns julgados da Câmara Superior do TIT que envolveram a tributação sobre as doações e heranças já foram objeto de artigos publicados na coluna “Observatório do TIT”.
Um deles tratou do reconhecimento da isenção ao ITCMD com efeitos retroativos sobre doações recebidas por entidades sem fins lucrativos[1], escrito por Cassiano Inserra Bernini. O outro abordou um caso em que a maioria dos julgadores da Câmara Superior do TIT considerou o valor de mercado como base de cálculo desse imposto[2], escrito por um dos autores do presente, Danilo Bertagnoli. Já o mais recente, elaborado por Bruno Romano, tratou de decisão que não conheceu do Recurso Especial do contribuinte por ausência de indicação de paradigma, o que ocasionou a manutenção da cobrança de ITCMD mesmo após o posicionamento do STF favorável aos contribuintes – Tema 825[3].
O presente artigo tem por escopo a análise de decisão prolatada nos autos do processo administrativo originado a partir da lavratura do AIIM nº 4.068.013-7, onde a Câmara Superior do TIT, por maioria de votos, deu provimento ao Recurso Especial interposto pela Fazenda Estadual para manter a cobrança do ITCMD mesmo diante da a matéria ter sido pacificada pelo STJ no Tema supramencionado, cuja tese fixada foi no sentido de que é vedado aos entes políticos estaduais instituírem o referido imposto sem previsão em lei complementar.
O voto da I. Relatora do Recurso Especial, Dra. Cacilda Peixoto (acompanhada por 4 Juízes da Câmara Superior) deu-lhe provimento sob o entendimento de que “na ausência da lei geral, os Estados possuem competência plena para legislar sobre o imposto, inclusive sobre a sua incidência em relação aos bens imóveis situados no exterior.”
O seu entendimento, portanto, é no sentido de que não é possível afastar a aplicação do artigo 28 da Lei 13.457/09, porque não houve a declaração de inconstitucionalidade, por meio de ADI, da lei ordinária utilizada como fundamento legal para a cobrança do imposto.
Por sua vez, o voto-vista do Dr. Alberto Podgaec (seguido por 3 Juízes da Câmara Superior) também foi no sentido de prover o Recurso Fazendário, porém, ele fez referência à modulação dos efeitos tratada no Tema 825 do STF para pontuar que essa Corte Suprema reconheceu que a tese somente se aplica àqueles que possuem ações judiciais pendentes de julgamento (e não a processos administrativos).
Transcrevemos o breve trecho de seu voto, que foi incorporado ao voto da Juíza Relatora:
“(…)
Após análise dos autos, concordo integralmente com a I. Relatora.
Cabe ressalvar que a matéria em questão foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 851.108, com repercussão geral reconhecida por meio do Tema 825, in verbis: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
No entanto, os efeitos de tal decisão foram modulados a partir da data da publicação do acórdão que julgou o RE 851.108, que ocorreu em 20.04.2021, com trânsito em julgado em 24.05.2022, ressalvadas as ações judiciais pendentes de conclusão, de modo que os processos administrativos, como o ora em análise, não foram objeto da referida modulação, não havendo, pois, qualquer óbice à manutenção do presente lançamento.
(…)”
Por outro lado, o voto vencido, prolatado pelo Dr. Juliano Di Pietro (acompanhado por 3 Juízes da Câmara Superior) divergiu do entendimento acima exposto em relação à interpretação da modulação dos efeitos do julgado do STF. No seu entendimento, a cobrança deveria ser cancelada pelo fato de que o STF pacificou a matéria e não é possível aplicar a ressalva da modulação dos efeitos apenas para as ações judiciais porque o contribuinte tem direito ao contraditório no processo administrativo antes de eventual ação judicial.
“(…)
Minha convicção fundamenta-se na crença de que a modulação dos efeitos da decisão do STF, com “eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente”, deve ser estendida aos processos administrativos em curso na data da conclusão do julgamento de mérito.
Isso, porque entendo que o propósito da modulação para atribuição de efeitos ex nunc à decisão com a ressalva de ações em curso é justamente o de resguardar o contribuinte que busca assegurar seus direitos (“Dormientibus non sucurrit jus”). Ainda a esse propósito, é notório que a Constituição Federal assegura aos indivíduos um sistema dúplice de solução de conflitos com a administração, o qual compreende o processo administrativo e o processo judicial, os quais, conquanto não possam existir em concomitância em razão da inegável prevalência do provimento jurisdicional, que é prerrogativa judicial, podem suceder-se na específica ordem iniciada pelo processo administrativo, seguido, então, do processo judicial na hipótese de o administrado restar vencido em alguma medida.
Por conseguinte, é, a meu ver, inadmissível a interpretação da ressalva da modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo STF apenas a ações judiciais, sob pena de afronta ao próprio artigo 5º, LV, da Lei Maior, que a todos garante o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo e judicial.
Assim, uma vez que a autuada buscou defender-se contra o lançamento e o Sistema Constitucional Tributário franqueia-lhe o processo administrativo previamente ao judicial, embora possibilite o acesso direto ao Judiciário, é de todo irrazoável não estender a ressalva pretoriana à Recorrida unicamente por ter ela se valido de sua garantia constitucional à ampla defesa e ao contraditório em processo administrativo antes de eventual ação judicial.
(…)”
Além dos votos supramencionados, esse julgamento contou com um voto isolado, proferido pelo I. Carlos Américo Domeneghetti Badia, que entendeu pela necessidade da conversão do julgamento em diligência para que as partes se manifestassem acerca dos efeitos do julgado do STF, discussão essa levantada de ofício, sem a provocação das partes.
Diante deste cenário, verifica-se que foram totalizados 9 votos pelo provimento do Recurso Especial da Fazenda (modulação apenas para processos judiciais); 4 votos pelo desprovimento do aludido Recurso (modulação extensiva aos processos administrativos) e 1 voto pela conversão do julgamento em diligência (2 Juízes fazendários não votaram na ocasião por problemas técnicos relacionados à conexão virtual).
CONCLUSÃO
Diante do julgado aqui reportado, observa-se que a Câmara Superior do TIT, quando do julgamento que manteve, por maioria, o AIIM nº 4.068.013-7, entendeu que a modulação dos efeitos da decisão do STF (Tema 825 da Repercussão Geral) se aplica, tão-somente, às ações judiciais em curso, não se estendendo aos processos administrativos tributários.
A nosso ver, uma verdadeira lacuna se criou com tal limitação às ações judiciais, levando-se em conta que a discussão na esfera administrativa é inerente ao nosso sistema tributário, antes do ingresso de eventual demanda judicial em caso de derrota do contribuinte naquela seara.
E fica a questão: será que é permitido ao julgador administrativo tributário interpretar a aplicação de decisão prolatada pelos Tribunais Superiores ou deve este se ater à literalidade do julgado?
Importante salientar que, diante da presença de juízes substitutos e de alguns que não votaram na sessão de julgamento do Recurso Especial (AIIM nº 4.068.013-7), a Câmara Superior do TIT eventualmente poderá trazer entendimento diverso ao aqui reportado.
Autores:
Rodrigo Helfstein – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF FGV-SP. Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV-SP, mestre em Direito Tributário – PUC/SP, juiz do TIT, membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB de Pinheiros (São Paulo/SP) e advogado tributarista
Danilo Andrade Bertagnoli de Figueiredo – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF FGV-SP. Especialista em Direito Tributário – FGV-SP. MBA em Gestão Tributária (Fipecafi). Membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB de Pinheiros (São Paulo/SP) e advogado tributarista do escritório Bergamini Advogados
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin
[1] Artigo intitulado “Observatório do TIT: Declaração de reconhecimento de isenção ao ITCMD”.
[2] Artigo intitulado “A base de cálculo do ITCMD aos olhos da Câmara Superior do TIT”.
[3] Artigo intitulado “ITCMD sobre heranças e doações no exterior”.