Judicialização da saúde e sustentabilidade do SUS

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A judicialização da saúde, especialmente em relação ao fornecimento de medicamentos de alto custo, tem gerado desafios significativos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para os entes públicos responsáveis pelo atendimento das demandas judiciais.

Os temas de repercussão geral 6 e 1.234, julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são emblemáticos nesse cenário, pois buscam estabelecer critérios e responsabilidades para a concessão judicial de medicamentos, bem como definir a competência jurisdicional e a divisão de encargos entre União, estados e municípios.

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Trata-se de excelente estudo de caso sob um recorte de Análise Econômica do Direito (AED), pois demonstram preocupação do STF com as consequências das decisões judiciais, seu impacto orçamentário e, sobretudo, eficiência na gestão pública, que por vezes impõe “escolhas trágicas”, como já tivemos oportunidade de defender em outras oportunidades[1].

Tema 6 no STF

O Tema 6 tratou do dever do Estado em fornecer medicamentos de alto custo a pacientes com doenças graves que não têm condições financeiras para adquiri-los. A questão central foi estabelecer até que ponto o Estado deve ser obrigado a fornecer medicamentos não incorporados às listas de dispensação do SUS, como Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). O julgamento revela preocupação que tipicamente é objeto de estudo da AED pelos motivos expostos acima.

Impactos na judicialização

A decisão sobre o Tema 6 estabeleceu que a regra geral é a impossibilidade de concessão judicial de medicamentos não incluídos nas listas do SUS. No entanto, admitiu a possibilidade de concessão excepcional, desde que sejam cumpridos critérios rigorosos, como a comprovação de necessidade clínica, ineficácia de medicamentos disponíveis no SUS e evidências científicas robustas quanto à eficácia do fármaco solicitado. Esse entendimento busca reduzir o volume de demandas judiciais que requerem medicamentos fora das listas do SUS, ao criar exigências que limitam a concessão judicial.

Relevância do controle judicial

O STF destacou que, mesmo ao apreciar pedidos de concessão de medicamentos, o Poder Judiciário não pode substituir o papel da Administração Pública na definição das políticas de saúde. Assim, a análise judicial deve se limitar à verificação da legalidade e da razoabilidade das decisões administrativas, como a não incorporação de medicamentos pela Conitec. Esse controle reduz a margem para que decisões judiciais interfiram diretamente na política pública de saúde, promovendo maior previsibilidade e segurança jurídica.

Tema 1.234 no STF

O Tema 1.234 focou na definição da competência da Justiça Federal e da legitimidade passiva da União em ações que envolvem o fornecimento de medicamentos registrados pela Anvisa, mas que não estão padronizados pelo SUS.

A análise se deu em um contexto de crescente número de processos judiciais que buscam acesso a medicamentos de alto custo, sobrecarregando os estados e afetando a sustentabilidade financeira do SUS. Novamente, o ferramental analítico da AED é robusto como referencial teórico para a decisão adotada pelo STF.

Impactos na judicialização

A decisão do STF no Tema 1.234 buscou uniformizar o entendimento de que, em casos de medicamentos não incorporados com tratamento de alto custo (acima de 210 salários-mínimos), a competência é da Justiça Federal, sendo a União incluída como parte responsável.

Isso visa centralizar as decisões em um único foro, evitando a dispersão de entendimentos nos tribunais estaduais e promovendo maior coerência nas decisões sobre medicamentos. Além disso, a definição de responsabilidades entre os entes federados e a União foi vista como um passo importante para evitar a duplicidade de esforços e garantir uma melhor coordenação das políticas de saúde. 

Acordos extrajudiciais e sustentabilidade do sistema

A homologação parcial de acordos celebrados entre União, estados e municípios representou um esforço para organizar o financiamento de medicamentos não padronizados e mitigar os efeitos da judicialização. Esses acordos estabeleceram critérios de ressarcimento pela União aos estados em casos de medicamentos não incorporados, assim como regras para a atuação conjunta dos entes na análise e atendimento das demandas.

Ao definir um sistema de repasses financeiros para cobrir as despesas decorrentes de decisões judiciais, a medida visa diminuir o impacto orçamentário da judicialização e garantir maior previsibilidade para os gestores de saúde.

Efeitos gerais sobre a judicialização da saúde

As decisões do STF relacionadas aos temas de repercussão geral 6 e 1.234 têm um papel central na tentativa de equilibrar o direito à saúde com a sustentabilidade financeira do SUS e dos entes federativos.

Essas decisões buscam reduzir o impacto da judicialização da saúde, que, nos últimos anos, sobrecarregou tanto o sistema judicial quanto os orçamentos públicos estaduais e municipais, devido ao alto número de ações judiciais que demandam a concessão de medicamentos fora das listas padronizadas do SUS.

A principal motivação das decisões do STF, novamente, de acordo com os pressupostos teóricos da AED, é a contenção do número excessivo de processos judiciais que impõem um ônus financeiro considerável aos entes públicos, particularmente quando se trata de medicamentos de alto custo.

Lembrando as lições de Ronald Coase, Nobel de Economia e pai da AED, que juízes usam, muitas vezes, inconscientemente ou sem citar autores dessa escola, mas o racional adotado é perfeitamente coerente com o referencial teórico em análise.

Com efeito, nenhuma outra teoria jurídica oferece melhor explicação para a motivação de julgar do STF. Assim, ao estabelecer critérios mais rígidos para a concessão judicial de medicamentos, o STF visa mitigar a concessão indiscriminada de fármacos, que muitas vezes não seguem os protocolos clínicos estabelecidos pelo SUS e podem representar um custo elevado, sem comprovação robusta de sua efetividade.

Dessa maneira, cumpre-se o ditame constitucional da eficiência na Administração Pública (assim entendida a melhor alocação possível de recursos sabidamente escassos), fazendo escolhas que poderiam ser classificadas como trágicas.

[1]  SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org). Direitos fundamentais, orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

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