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Não há democracia, tampouco desenvolvimento, na ausência de um Poder Judiciário respeitado e eficiente. O direito de acesso à Justiça é a materialização da dignidade da pessoa humana, porquanto possibilita aos indivíduos alcançarem respostas frente aos seus direitos violados.
Ademais, um sistema de justiça eficiente é fundamental para promover cooperação e impulsionar o desenvolvimento social de um país. Por isso, é impossível abordar o tema do acesso à justiça no Brasil sem enfrentar a questão da eficiência, especialmente considerando que, hoje, um dos maiores desafios do Poder Judiciário é a lentidão da prestação jurisdicional.
Desde sua criação, o Relatório Anual do CNJ “Justiça em Números” destaca que a eficiência do Poder Judiciário é um direito do cidadão e uma responsabilidade do Estado, que deve continuamente implementar iniciativas para aprimorar a qualidade dos serviços judiciais prestados.
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No entanto, o que se observa, na prática, é uma justiça com baixa eficiência e um acúmulo crescente de processos a cada ano. O mais paradoxal é que isso ocorre em um dos Judiciários mais produtivos do mundo, o que sugere que o problema do atraso na resolução dos casos está mais relacionado ao controle do volume de processos iniciados do que ao desempenho do próprio Poder Judiciário. Em outras palavras, trata-se de um problema de demanda, e não de oferta.
Seguramente, pareceria razoável esperar que o Poder Judiciário brasileiro levasse ao crivo da justiça toda e qualquer suposta lesão ao direito, independentemente da sua natureza. Contudo, essa razoabilidade perde força a partir do momento em que se começa a ver as limitações e a escassez de recursos do sistema de Justiça, bem como os custos inerentes a todo e qualquer litígio. Isso porque a hiperjudicialização leva ao emperramento do sistema, fazendo com o que o acesso ao Poder Judiciário não seja, necessariamente, acesso à Justiça.
E dentro desse cenário, o que está verdadeiramente em jogo é que a sua garantia universal e irrestrita pode levar a justiça alguma. Isso porque não existe direito universal, absoluto e gratuito, da mesma forma que é impossível atender com efetividade o jurisdicionado a partir da conjugação de dois fatores: judicialização excessiva e recursos finitos do Estado.
Destarte, apesar de parecer contraditório, é certo que a efetividade do acesso à Justiça passa pela limitação do próprio acesso, ou seja, pela criação de barreiras impeditivas aptas a limitarem o ingresso das demandas abusivas. Porquanto, somente com a mitigação desse comportamento oportunista o Poder Judiciário conseguirá garantir acesso a uma decisão efetiva, célere e que, por isso, justa.
Entre esses comportamentos oportunistas do queixoso, a litigância predatória é salutar, ou seja, processos formados por um conjunto considerável de ações similares ou idênticas, ajuizadas pelo mesmo advogado ou escritório, por autores que geralmente residem em outras comarcas/subseções judiciárias, contendo narrativas e instruções genéricas, com possíveis falhas ou lapsos nos documentos de representação e com a intenção de obter importâncias indevidas e que, muitas vezes, não são repassadas ao autor em sua parcialidade ou totalidade.
Fato é que a cada nova ação predatória sentenciada, os Tribunais brasileiros deixam claro que esse não é um fenômeno esparso e desconexo, muito pelo contrário, e, por essa razão, necessita ser compelido pelo próprio Poder Judiciário, sob pena de não se conseguir garantir um acesso à justiça efetivo.
Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem adotado diversas medidas, dentre as quais a Resolução 354/2020, que regulamentou o uso de inteligência artificial no Judiciário para agilizar a triagem de processos repetitivos e identificar comportamentos abusivos; a plataforma Sinapses. Baseada em inteligência artificial, ela auxilia na detecção de fraudes e abusos processuais, facilitando a identificação de padrões de litigância abusiva.
Também o uso de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, promovendo métodos como mediação e arbitragem para reduzir a sobrecarga do judiciário e desestimular ações abusivas; orientação para aplicação de penalidades a litigantes de má-fé, para aqueles que buscam o uso indevido do sistema judicial; o desenvolvimento de novos sistemas de gestão processual mais eficientes, que ajudam a identificar e combater a entrada massiva de processos predatórios.
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Outra medida relevante foi a Diretriz Estratégica n.º 7 de 2023, direcionada às Corregedorias, para regulamentar e incentivar práticas e protocolos para o enfrentamento da litigância predatória, com prioridade para a criação de meios eletrônicos de monitoramento processual e o compartilhamento dessas informações com a Corregedoria Nacional, visando à alimentação de um painel unificado a ser desenvolvido para esse propósito. Além disso, muitos Tribunais estão estabelecendo núcleos de inteligência voltados ao monitoramento e combate à advocacia predatória.
Dito isso, o objetivo aqui não é proclamar o caos e decretar a falência do Poder Judiciário, tampouco atribuir à litigância predatória a única causa da morosidade da justiça no Brasil, mas sim de chamar a atenção para esse fenômeno, cujo combate não resolverá, mas equalizará, até certa medida, o problema da baixa eficiência do acesso à Justiça, pelo menos no que tange ao uso predatório do sistema.