Juíza do TO censura todo o site do Diário do Centro Mundo a pedido de deputada do PL

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A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, 4ª Vara Cível de Palmas, no Tocantins, censurou todo o site do Diário do Centro do Mundo (DCM) a pedido da deputada estadual bolsonarista Janad Valcari (PL), candidata à Prefeitura da capital nas eleições municipais de 2024 e líder das pesquisas de intenção de voto.

A censura se deu por conta de uma reportagem do DCM, publicada em novembro de 2023, informando que Valcari faturou R$ 30 milhões em contratos com prefeituras de todo o país envolvendo a banda Barões da Pisadinha, da qual era empresária até dezembro, quando passou o bastão para seu filho. De acordo com a reportagem, alguns destes contratos são alvos de investigação do Ministério Público.

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O jornalista Kiko Nogueira, diretor do DCM, classificou a censura como “um atentado gravíssimo à liberdade de expressão que a extrema direita vive arrotando como direito inalienável”. O prejuízo, afirma ele, “é incalculável”. Os advogados do DCM já preparam uma ação Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão da magistrada tocantinense.

De acordo com a juíza, a Justiça tentou, sem sucesso, citar o DCM para que cumprisse a decisão de tirar a matéria do ar. Em seguida, foi pedido ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR) a suspensão o link da reportagem sobre a deputada estadual. Diante da impossibilidade técnica de derrubar somente o link da reportagem alegada pelo NIC.BR, a autora reiterou o pedido de derrubar o site inteiro.

“Após diversas tentativas infrutíferas de citação da parte ré (eventos 21, 22 e 34) e de sua intimação para cumprir a decisão inicial (evento 4), a parte autora requereu que seja determinado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.BR o congelamento do domínio www.diariodocentrodomundo.com.br, suspendendo as contas administrativas relacionadas, de modo que o encaminhamento de DNS seja desativado até que a ordem judicial de remoção do conteúdo seja cumprida (eventos 32 e 36)”, afirmou a juíza em seu despacho.

Mais abaixo, justificou: “No caso dos autos, foi determinada a suspensão da publicação específica, a fim de dar efetividade à tutela provisória de urgência, sem impor restrições aos demais conteúdos veiculados no domínio. Entretanto, diante da impossibilidade técnica do provedor do domínio para suspender apenas a publicação específica, conforme informado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.BR (evento 42), é necessário adotar uma medida alternativa para garantir a efetividade da decisão judicial”.

E concluiu: “Assim, visando assegurar a eficácia da decisão e a remoção do conteúdo em questão, deve ser determinado o congelamento (suspensão) do domínio até a exclusão da referida publicação ou decisão ulterior”.

O que dizem os especialistas em liberdade de expressão

Para Marco A. C. Sabino, sócio de Mannrich e Vasconcelos Advogados e professor universitário, a decisão contra o DCM “se coloca em uma verdadeira zona cinzenta revelada pela seguinte indagação: podem as medidas de apoio, tendentes a efetivar a ordem judicial, contrariarem a Constituição?”.

Isso porque, prossegue ele, “o art. 5º, IX veda expressamente a censura prévia — que é exatamente o efeito prático da decisão, já que serão atingidos não apenas os conteúdos apontados como ilegais pela autora da ação, mas todo e qualquer conteúdo publicado no DCM”.

“Embora o mesmo art. 5º da Constituição assegure o acesso à Justiça, não consta que autorize a violação de outros direitos fundamentais, como a vedação à censura prévia. No caso, não se vê que a juíza tenha tomado outras medidas consagradas, como a imposição de multa, por exemplo. Entendo que a decisão é desproporcional e censória”, conclui.

Já André Marsiglia, advogado constitucionalista especializado em liberdades de expressão e de imprensa e sócio do Lourival J Santos Advogados, explica que “tirar site do ar é sempre um ato de censura, por ser medida irrazoável e desproporcional”, não importando a razão. “Por conta de uma matéria supostamente ilícita, não se pode retirar do ar o site todo, ou seja, todas as demais matérias que são lícitas, prejudicando o site e o direito à informação dos leitores”, acrescenta.

“Impossibilidade técnica de retirar link, ou não encontrar o endereço para citação do réu, não é justificativa. Que se encontre o meio técnico, que se busque melhor o endereço do réu. É lamentável, mas não é precedente novo, está na esteira de decisões do próprio STF determinando que plataformas poderiam ser banidas ou suspensas se descumprissem suas ordens”, explica.

Fabrício Bertini Pasquot Polido,  advogado e professor Associado de Direito Internacional e Novas Tecnologias da UFMG, considera se tratar “de mais um caso de tentativa de fragmentação do fluxo informacional na internet (com pedidos de bloqueio de acesso a sites, congelamento de nome de domínio – direcionado ao NIC.Br.) e cerceamento de atividade jornalística investigativa, contextual e crítica, representando manifesta violação de liberdades comunicativas e informacionais, protegidas pela Constituição, o Marco Civil da Internet e tratados e convenções de direitos humanos de que o Brasil é parte”.

“O fundo da decisão judicial parece ser antes política do que tecnicamente legal, em virtude do histórico dos fatos e evidencias que estão sob investigação e apuração de órgãos de aplicação das leis, como o Ministério Público; se não fosse, a interpretação dada ao Art. 19 do MCI seria absolutamente outra”, avalia.

“Estamos falando de uma pessoa pública que exerce mandato de representação política e é politicamente exposta. Se esses fatos forem forçadamente retirados da atividade da apuração e publicação ou divulgação pela imprensa e de conhecimento pelo público, estamos justamente diante de um caso de manifesta violação das liberdades comunicativas”, diz o professor.

A ação tramita sob segredo de justiça com o número 0045289-84.2023.8.27.2729.

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