Lei de Feminicídio: avanços, limitações e impactos jurisprudenciais

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A recente alteração no Código Penal, que desloca o feminicídio de uma qualificadora do crime de homicídio (art. 121, §2º, VI) para um tipo penal autônomo, agora previsto no art. 121-A, com pena de reclusão de 20 a 40 anos, representa um avanço substancial no enfrentamento à violência de gênero.

Do ponto de vista processual e simbólico, a autonomia do feminicídio reflete o reconhecimento da gravidade das mortes de mulheres em razão de sua condição de gênero, que decorrem de uma estrutura patriarcal que perpetua ciclos de violência e opressão.

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A individualização do feminicídio como crime autônomo destaca a necessidade de uma proteção jurídica específica e direcionada às mulheres, reforçando a importância de um tratamento mais adequado às características dessa violência.

A criação de um tipo penal autônomo também possui um impacto significativo na transformação de comportamentos sociais que legitimam e perpetuam a violência de gênero. A resposta do direito penal a essa questão ultrapassa a dimensão meramente punitiva e assume um papel mais amplo, como instrumento de mudança social.

O feminicídio, quando tratado de forma autônoma, torna-se um símbolo da resistência jurídica contra as práticas opressoras que resultam na agressão e morte de mulheres, o que está alinhado às demandas por uma perspectiva de gênero no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, o aumento da pena para o feminicídio, que passa a ser de 20 a 40 anos, também suscita importantes reflexões sobre o caráter punitivista do direito penal brasileiro e suas limitações.

Historicamente, o sistema penal privilegia a punição em detrimento de medidas preventivas e educativas, o que pouco contribui para a transformação das causas estruturais que sustentam a violência contra as mulheres. Embora o endurecimento da pena possa parecer uma resposta firme, ele não resolve o problema na origem, gerando, muitas vezes, uma sensação de justiça que ignora as raízes culturais e sociais da violência de gênero.

Além disso, o caráter seletivo do direito penal no Brasil acentua as desigualdades, afetando de maneira mais expressiva as populações vulneráveis, em especial mulheres negras, pobres e periféricas, que enfrentam maiores obstáculos no acesso à justiça.

A criminalização excessiva, sem políticas públicas eficazes que priorizem a educação para a igualdade de gênero, o fortalecimento de redes de apoio e a prevenção da violência, pouco contribui para uma redução significativa dos índices de feminicídio. É fundamental que o combate à violência de gênero seja pensado de forma holística, promovendo não apenas punição, mas também prevenção, conscientização social e empoderamento das mulheres.

Além das implicações no aumento da pena, é importante destacar que a nova legislação não poderá ser aplicada de forma retroativa aos crimes cometidos antes de sua vigência. Isso ocorre em razão do princípio da não retroatividade in pejus, consagrado no art. 5º, XL da Constituição Federal, que impede a aplicação retroativa de uma lei penal mais gravosa.

Dessa forma, para os crimes de feminicídio cometidos antes da nova redação do Código Penal, aplica-se a legislação anterior, que tratava o feminicídio como uma qualificadora do homicídio, com penas menos severas. Esse princípio assegura a previsibilidade e a segurança jurídica no sistema de justiça penal, garantindo que os réus não sejam prejudicados por mudanças legais posteriores à prática do crime.

A modificação legislativa também tem o potencial de impactar a jurisprudência brasileira em diversos aspectos, especialmente no que tange à caracterização do feminicídio e à dosimetria da pena. Com a transformação do feminicídio em crime autônomo, é provável que haja um aumento no número de recursos e contestações sobre a tipificação do crime, levantando debates mais profundos sobre a motivação de gênero e a relação entre o autor e a vítima.

Os tribunais terão que lidar com questões mais detalhadas sobre o conceito de violência de gênero e suas implicações, o que poderá levar ao desenvolvimento de novas interpretações e parâmetros jurisprudenciais. Isso inclui a análise do contexto de violência doméstica e familiar, bem como das circunstâncias específicas que demonstram a motivação de gênero.

Em relação à dosimetria da pena, o aumento significativo para 20 a 40 anos de reclusão deverá incentivar discussões sobre os critérios utilizados para fixação da pena-base. Tribunais terão que elaborar critérios mais rigorosos e uniformes, considerando fatores agravantes e atenuantes, o que poderá contribuir para a criação de uma jurisprudência mais consolidada e uniforme no que se refere à aplicação dessa pena.

A nova redação do Código Penal, portanto, exige uma readequação na forma como o Judiciário lida com a questão da violência de gênero, proporcionando uma evolução necessária na interpretação e aplicação do feminicídio no Brasil.

Por fim, a transformação do feminicídio em crime autônomo pode impactar a forma como os tribunais aplicam normas relacionadas à proteção das mulheres vítimas de violência, consolidando ainda mais a importância da perspectiva de gênero nas decisões judiciais.

Esse novo enquadramento poderá induzir uma mudança na forma como os magistrados analisam os casos de violência de gênero em geral, resultando em um tratamento mais rigoroso e cuidadoso desses casos. A jurisprudência brasileira, tanto nos tribunais de primeira instância quanto nos tribunais superiores, passará por um período de adaptação, consolidando o feminicídio como uma categoria jurídica de maior relevância no combate à violência contra a mulher.

Em síntese, a nova Lei de Feminicídio representa um avanço jurídico e simbólico importante, mas que, por si só, não resolverá o problema da violência de gênero no Brasil. É necessário que a aplicação da nova legislação seja acompanhada de políticas públicas preventivas e reparadoras, a fim de promover uma transformação efetiva e duradoura nas estruturas sociais que legitimam a opressão e a violência contra as mulheres.

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