Lei para motoristas por aplicativo deve chegar a um equilíbrio

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A dinâmica da sociedade frequentemente nos leva a criar neologismos para descrever fenômenos emergentes que não possuem equivalentes claros em nosso vocabulário tradicional. Até recentemente incomuns entre juristas, economistas ou sociólogos, os termos “uberização” e “pejotização” agora fazem parte do nosso cotidiano.

Essa mudança reflete a natureza evolutiva das formas de trabalho e a necessidade de enquadrar tais conceitos em nosso entendimento, uma vez que o direito desempenha papel fundamental na regulação das transformações da vida em sociedade.

A “uberização” é um fenômeno amplo que engloba a transformação de recursos ociosos em fontes de ganhos. Por outro lado, a “pejotização” é crescente, especialmente em períodos de estagnação econômica e altas taxas de desemprego, como na pandemia da Covid-19. Tais fatores levam pessoas a buscarem formas alternativas de renda, chegando a uma verdadeira terceirização de suas próprias atividades laborais. Este tipo de trabalho foi, ainda, reforçado pela Lei 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica.

Embora ambas as situações envolvam trabalho por conta própria e desejo de empreender, a diferença reside em que nem toda “uberização” exige a criação de uma pessoa jurídica.

Reflexões jurídicas e sociais

Em 2020, uma decisão de primeira instância do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) exemplificou o debate em torno desses fenômenos. A empresa Loggi Tecnologia Ltda. foi condenada em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, destacando a possível precarização do trabalho e o aumento da competitividade resultante do modelo de negócios da empresa. No entanto, a decisão também enfatizou a importância da negociação entre as partes, sugerindo a continuidade do diálogo para encontrar uma solução.

É essencial reconhecer que transformar tais modalidades de trabalho em relações formais de emprego pode afetar a vida de muitos profissionais. Os motofretistas, por exemplo, têm liberdade para escolher seus horários e atividades, o que desafia a caracterização tradicional de subordinação – elemento fundamental na definição de um vínculo empregatício.

Nesse sentido, o governo acerta ao desistir de incluir entregadores e motoristas de aplicativos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme o projeto de lei assinado na última segunda-feira (4) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Algumas modificações, entretanto, devem ser feitas pelo Congresso Nacional, ao avaliar e votar o projeto. É que, entre outros pontos, o texto limita o trabalho diário para uma mesma plataforma ao máximo de 12 horas. Com efeito, muitos motoristas optam por passar desse tempo em datas com altas demandas, as quais lhes dão tarifas mais altas, e compensar descansando em dias posteriores. É comum, também, que optem por trabalhar através da plataforma que esteja com valores mais altos.

Vale ressaltar, ainda, pesquisa Datafolha do ano passado, apontando que 75% destes profissionais rejeitaram a inclusão na CLT, exatamente por preferirem exercer horários flexíveis e poderem recusar viagens e entregas as quais não considerem vantajosas.

Necessidade de equilíbrio

Em resumo, o debate em torno da “uberização” e da “pejotização” traz à tona a necessidade de equilibrar os direitos dos trabalhadores com a flexibilidade e a inovação das novas formas de trabalho. A busca por soluções requer compreensão das dinâmicas do mercado e compromisso com o diálogo e a negociação entre todas as partes.

Desse modo, compreendidas as definições de “pejotização” e “uberização”, bem como ultrapassadas as discussões judiciais envolvendo a caracterização ou não de vínculo empregatício, chegamos à conclusão de que é preciso garantir segurança jurídica às partes envolvidas – principalmente aos motoristas e às empresas de aplicativos de transporte de passageiros e de entregas de encomendas.

Insta assinalar que a ideia inicial do governo, até mesmo visando à arrecadação das contribuições previdenciárias, era de conceder direitos trabalhistas a esses profissionais, o que elevaria as demandas sobre vínculo de emprego. Entretanto, a pressão exercida pelas empresas a esse tipo de proposta fez com que o governo recuasse.

Todavia, o novo projeto de lei mantém a contribuição previdenciária, mas reconhece as categorias implicadas como sendo formadas por autônomos. A definição é adequada, especialmente devido à ausência de subordinação, e abre caminho para os trabalhadores buscarem direitos e benefícios conforme a classificação correta de suas funções.

Até mesmo a criação de sindicato, que virá a representá-los em negociações coletivas, conforme previsto no projeto, tende a funcionar melhor em parâmetros mais acurados.

Logo, o novo projeto de lei, ao reconhecê-los como categoria profissional, procura garantir que tenham uma representação sindical capaz de conquistar direitos aos que atuam com transporte de passageiros – no que tange àqueles que executam transportes de alimentos e encomendas, as negociações não prosseguiram.

Destaca-se, ainda, a remuneração mínima prevista no PL. Embora de valor fixo, ela vale apenas a partir da primeira corrida aceita – não do tempo logado. O objetivo principal de trazer esse profissional para a seguridade social também poderá ser alcançado.

Entretanto, outro aspecto evidente é que muitos motoristas via aplicativo exercem a atividade apenas para complementar suas rendas. Assim, devemos reiterar a tendência de o projeto passar por alterações no Congresso, como forma de equilibrar as necessidades dos trabalhadores com as demandas do mercado.

Uma das principais preocupações é de que a carga tributária incidente não influa no custo dos serviços, de modo a desestimular sua utilização. Quanto aos profissionais, ao mesmo tempo em que mantém a liberdade de escolherem seus horários específicos, podendo escolher quando quiserem trabalhar, o projeto lhes retira a opção, hoje usual, de “dobrar” em dias de maiores ganhos, compensando em descansos posteriores.

É provável que muitos desses aspectos entrem em discussões e modificações, antes de um texto final ir à votação.

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