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O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou com pompa o lançamento da marIA, uma ferramenta de inteligência artificial generativa projetada para automatizar tarefas essenciais, como a produção de textos e a análise processual[1].
A cerimônia de apresentação foi marcada por aplausos dos servidores, que celebraram, talvez sem perceber, a chegada de uma tecnologia que, em potencial, pode significar a reconfiguração — ou até a substituição — de funções humanas no espaço institucional.
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Mais do que uma ferramenta, a marIA foi humanizada: recebeu um nome profundamente simbólico, associado à figura materna de Maria, mãe de Jesus, vista por milhões como um ícone de cuidado e proteção. A máquina-personagem ganhou um crachá e, simbolicamente, passou a “habitar” o espaço do tribunal.
Esse processo de personalização, ao mesmo tempo que desarma críticas e reforça sua aceitação social, nos convida a refletir sobre os paradoxos que sua implementação traz.
Para além da celebração, a marIA nos provoca a enfrentar questões fundamentais sobre o futuro do Judiciário, organizadas em torno de dois eixos centrais: a substituição do humano e a opacidade de seus processos. Essas questões, que tocam o coração do funcionamento democrático do sistema de justiça, revelam tensões entre eficiência e humanidade, inovação e inclusão, tecnologia e transparência.
No contexto dessas reflexões, o centenário da morte de Franz Kafka, celebrado em 2024, surge como uma oportunidade singular para revisitar sua obra e as inquietações que ela desperta. Suas imagens de labirintos opacos e burocracias desumanizadoras, sobretudo em O Processo[2] e A Metamorfose[3], oferecem uma lente crítica para compreender os riscos e dilemas da algoritmização em espaços institucionais[4]. O mundo digital, com sua complexidade e potencial de exclusão, parece reviver esses labirintos do poder, desafiando os pilares democráticos do Judiciário.
Substituição do humano e o paradoxo da celebração
A adoção da marIA pelo STF promete eficiência: automatizar resumos de votos, elaborar relatórios e analisar petições iniciais. Esse exemplo concreto — e inquietante — simboliza os paradoxos da substituição do humano pela automação no Judiciário. Tarefas que antes eram realizadas por pessoas agora serão desempenhadas por uma inteligência artificial que, em tese, economiza tempo e melhora a precisão. Entretanto, o impacto dessa automação sobre os servidores do tribunal não pode ser ignorado.
Paradoxalmente, esses mesmos servidores celebraram o lançamento de uma ferramenta que ameaça sua própria relevância no espaço institucional. Isso revela um processo de alienação em que trabalhadores festejam a substituição de suas funções, talvez por acreditarem na promessa de que a tecnologia não os tornará obsoletos, mas funcionará apenas como uma aliada.
Essa crença ignora os precedentes históricos: tecnologias que automatizam processos repetitivos, como os que a marIA realiza, inevitavelmente levam à redução de postos de trabalho[5].
A personificação da marIA não é trivial. Dar-lhe o nome de marIA, associá-la à figura materna por excelência, cria um laço simbólico poderoso que desarma críticas e reforça sua aceitação social. No entanto, devemos questionar: o que significa humanizar uma máquina enquanto desumanizamos aqueles que dependem do trabalho para viver?
Esse paradoxo evidencia o risco de transformar a função pública em algo supérfluo, descartável, em nome de uma eficiência que desconsidera as pessoas e suas necessidades.
Essa questão se torna ainda mais crítica quando analisamos os diferentes impactos que a automação terá sobre os diversos atores do sistema de justiça. Magistrados, amparados por prerrogativas constitucionais como a vitaliciedade e a inamovibilidade, permanecem relativamente blindados das mudanças disruptivas.
Já os servidores, embora contem com certa estabilidade, enfrentam vulnerabilidades diante da reestruturação de suas funções, que podem ser gradativamente reduzidas pela adoção de ferramentas como a marIA. Enquanto isso, advogados e jurisdicionados, totalmente expostos às forças de mercado, permanecem ainda mais fragilizados em um sistema que prioriza eficiência, mas se distancia da justiça como experiência humana.
A introdução da marIA também simboliza uma transformação no relacionamento entre o cidadão e o Judiciário. Embora seja eficiente, a automação corre o risco de eliminar a dimensão humana das interações jurídicas, desvalorizando o diálogo e a sensibilidade que só o contato humano pode proporcionar.
Quando uma máquina resume votos, elabora relatórios e analisa petições iniciais, como garantir que as complexidades e particularidades de cada caso sejam plenamente reconhecidas? A humanização da tecnologia — reforçada pelo nome marIA — contrasta com a desumanização progressiva das relações jurídicas e do trabalho no Judiciário.
Essa celebração da automação, sem um olhar crítico para suas consequências, pode sinalizar uma aceitação tácita de um Judiciário que privilegia poucos enquanto desumaniza muitos. Magistrados permanecem protegidos; servidores enfrentam a perda de relevância; e advogados e jurisdicionados são forçados a navegar em um sistema cada vez mais opaco e distante de suas realidades.
A adoção da marIA, nesse contexto, deve ser vista não apenas como uma inovação tecnológica, mas como um marco de transformação estrutural que exige atenção, diálogo e responsabilidade. Afinal, o verdadeiro progresso não reside apenas na eficiência, mas também no equilíbrio entre tecnologia e humanidade.
Opacidade e o princípio da publicidade
Inspirada pela análise de Virgílio Almeida[6], a metáfora kafkiana adquire relevância ainda mais perturbadora na era dos algoritmos. Em O Processo, Franz Kafka nos apresenta Josef K., um cidadão comum que, sem explicações, é acusado por um tribunal opaco e intransponível. Na obra, a burocracia se manifesta como uma força abstrata e desumanizadora, marcada por arbitrariedade e indiferença, onde as pessoas se tornam impotentes diante de regras incompreensíveis.
Essa ficção sombria oferece um paralelo inquietante com os desafios que emergem na era dos algoritmos, especialmente diante de ferramentas como a marIA, que, embora prometam eficiência, podem excluir a sociedade da compreensão e do controle sobre processos que impactam suas vidas. Assim como Josef K. não compreendia o sistema que o julgava, advogados, partes, cidadãos e até juízes podem estar à mercê de ferramentas automatizadas cuja lógica permanece inacessível.
Ao contrário do que sugere o nome humanizado marIA, não há cuidado ou empatia em suas operações: há protocolos computacionais que seguem instruções predefinidas. A humanização da ferramenta — associando-a à figura materna de maria, símbolo de proteção e cuidado — desarma críticas e reforça sua aceitação social, mas mascara uma realidade técnica: algoritmos operam como “caixas-pretas”, cujas regras e critérios muitas vezes escapam à compreensão dos próprios operadores do sistema.
É aqui que a reflexão de Virgílio Almeida e outros autores sobre o institucionalismo algorítmico, apresentada em Algorithmic Institutionalism: The Changing Rules of Social and Political Life[7], se torna crucial. O livro argumenta que algoritmos devem ser tratados como instituições públicas, sujeitas às mesmas exigências de transparência e governança que aplicamos a órgãos judiciais.
Instituições, afinal, são regras que estruturam o comportamento social; algoritmos, como protocolos de ação automatizados, funcionam de modo análogo. Eles moldam normas, definem acessos e distribuem poder — mas, sem uma governança clara, podem operar de forma silenciosa, reforçando desigualdades e reproduzindo injustiças.
No caso da marIA, o problema central reside na opacidade. Embora o processo judicial seja, por princípio constitucional, público, os códigos, algoritmos e procedimentos que fundamentam essa ferramenta não foram amplamente divulgados.
A sociedade, representada por advogados, partes e jurisdicionados, permanece excluída do entendimento e da fiscalização de um sistema que impacta diretamente suas vidas. Isso cria uma barreira invisível, mas poderosa, entre o processo judicial e aqueles que dele participam.
Essa opacidade não apenas dificulta a fiscalização, mas também agrava desigualdades estruturais. Advogados, por exemplo, dependem de clareza para exercer o contraditório e questionar decisões judiciais; contudo, podem se encontrar em desvantagem significativa ao enfrentar critérios algorítmicos desconhecidos.
Como contestar uma decisão baseada em uma lógica inacessível, produzida por uma “caixa-preta” algorítmica? Essa barreira compromete o contraditório — um dos pilares da justiça — e a igualdade de condições entre as partes. Em um cenário onde a automação predomina, os sujeitos mais vulneráveis podem enfrentar dificuldades ainda maiores para garantir seus direitos.
Além disso, há o risco de que a opacidade transforme o Judiciário em um espaço de exclusividade técnica, onde apenas aqueles que compreendem ou controlam esses sistemas possam atuar com efetividade. Isso afasta o Judiciário da sociedade e contradiz o princípio de que a justiça deve ser pública, clara e acessível.
A justiça, que deveria ser um bem público compreensível e auditável, pode se transformar em um processo técnico, dominado por especialistas, e se distanciar daqueles que deveria servir. A opacidade, portanto, não é apenas um problema técnico, mas um desafio ético-constitucional. A Constituição brasileira exige que os processos judiciais sejam transparentes (CF, art. 5º, LX, e art. 93, IX), mas a marIA, em vez de facilitar o acesso à informação, pode introduzir uma nova camada de exclusão, invisível, mas poderosa.
As metáforas kafkianas de desumanização em O Processo e A Metamorfose dialogam ao expor a impotência do indivíduo diante de forças opacas e desumanizadoras — sejam elas representadas por labirintos burocráticos ou por transformações que isolam e alienam. Corremos o risco de, como Josef K., sermos julgados por regras que desconhecemos, em um sistema que prioriza eficiência técnica à custa da justiça substantiva.
No entanto, a opacidade não é apenas um problema técnico, mas um desafio ético. A Constituição brasileira exige que os processos judiciais sejam transparentes, mas a marIA, em vez de facilitar o acesso à informação, pode introduzir uma nova camada de exclusão, invisível, mas poderosa.
A lacuna na transparência nos leva a perguntar: até que ponto é aceitável que uma ferramenta financiada com recursos públicos opere de forma a excluir a sociedade de seu entendimento e fiscalização?
Ferramentas como a marIA, quando tratadas como caixas-pretas, contrariam princípios republicanos e ameaçam minar a confiança pública no Judiciário. A tecnologia que deveria democratizar o acesso à justiça corre o risco de criar um sistema que privilegia a eficiência em detrimento da transparência e da inclusão.
Por outro lado, tratar algoritmos como instituições significa garantir que operem de acordo com as mesmas regras de publicidade e accountability que esperamos do sistema judicial. Isso inclui publicitar seus códigos e critérios, bem como criar mecanismos de fiscalização e auditoria constantes.
A marIA, enquanto tecnologia pública, deve ser compreensível e acessível a todos os operadores do Direito — advogados, defensores públicos, promotores e jurisdicionados. Apenas assim será possível garantir que ela opere como um instrumento de democratização da justiça, e não como um mecanismo de exclusão ou concentração de poder.
Por fim, a governança algorítmica não pode ser estática. Ferramentas como a marIA exigem revisões constantes, adaptando-se às mudanças sociais, jurídicas e tecnológicas. A opacidade deve ser substituída por transparência radical, e a exclusividade algorítmica deve dar lugar à inclusão tecnológica. Somente assim será possível alinhar inovação e democracia, garantindo que a tecnologia esteja a serviço da justiça e da sociedade, e não acima delas.
Institucionalizar os algoritmos: transparência como imperativo democrático e ético
A metáfora de Kafka, combinada com a análise de Virgílio Almeida sobre o institucionalismo algorítmico, oferece uma poderosa lente para compreendermos os desafios éticos e democráticos da automação. Algoritmos, ao moldarem normas e comportamentos sociais, assumem o papel de instituições, devendo, portanto, operar sob regras claras e transparentes. Eles não apenas definem acessos e distribuem poder, mas também influenciam diretamente a dinâmica das relações sociais e jurídicas.
No caso da marIA, que já impacta decisões judiciais, a ausência de publicização e regulamentação técnica detalhada contrasta com princípios constitucionais de contraditório e publicidade. Assim como tribunais devem operar com transparência, algoritmos precisam ser regulamentados e submetidos ao escrutínio público. Apenas uma governança robusta e colaborativa pode evitar que essas ferramentas se tornem instrumentos silenciosos de exclusão e desigualdade.
Como destaca Virgílio Almeida, a democratização algorítmica requer que essas ferramentas sejam compreensíveis e auditáveis, não apenas pelos operadores do Direito, mas também pela sociedade. Essa governança deve ser dinâmica e coletiva, assegurando que os algoritmos se adaptem às mudanças sociais e jurídicas, em vez de cristalizarem desigualdades.
Essa perspectiva encontra eco na reflexão de Mark Coeckelbergh, que, em Ética na Inteligência Artificial, argumenta que a opacidade de sistemas algorítmicos não é apenas um problema técnico, mas também uma questão ética central. A ausência de transparência retira das instituições públicas a responsabilidade de justificar as decisões automatizadas que impactam os cidadãos, enfraquecendo a confiança social e a legitimidade do Judiciário.
Segundo Coeckelbergh, sistemas de inteligência artificial não apenas executam funções, mas reproduzem escolhas políticas e éticas que devem ser constantemente avaliadas em uma sociedade democrática.
A opacidade algorítmica pode transformar os sujeitos do sistema de justiça em figuras kafkianas, como Josef K. em O Processo. Virgílio Almeida expande essa metáfora ao conectar a desumanização burocrática de Kafka à figura da barata, símbolo de transformação e redução da condição humana.
Assim como Gregor Samsa, em A Metamorfose, acorda transformado em uma barata incompreendida e isolada, corremos o risco de advogados, partes e cidadãos se tornarem igualmente irreconhecíveis para um Judiciário que opera sob algoritmos opacos e desumanizadores. Essa “metamorfose” simbólica reflete o perigo de um sistema que privilegia a eficiência à custa da compreensão humana.
A implementação da marIA pelo STF levanta, ainda, uma questão de legitimidade democrática que não pode ser ignorada. Embora o STF tenha competência constitucional para regular seu funcionamento interno e questões administrativas, a adoção de inteligência artificial em uma instituição tão central para o sistema de justiça extrapola o domínio administrativo e adentra uma seara que exige ampla deliberação democrática.
A inteligência artificial, como apontam Virgílio Almeida e Mark Coeckelbergh, não é apenas uma ferramenta técnica, mas também uma escolha ética e política que afeta direitos fundamentais e o equilíbrio institucional. Nesse sentido, implementar a marIA sem que o marco regulatório de inteligência artificial no Brasil tenha sido aprovado pelo Congresso Nacional — instância legitimada pela soberania popular — configura um potencial “atropelo legislativo.”
O debate sobre a regulação da inteligência artificial está em andamento no Congresso, envolvendo parlamentares, especialistas e a sociedade civil. Esse processo democrático busca estabelecer as bases éticas, legais e operacionais para o uso de IA no país.
Ao antecipar-se a essa regulação, o STF assume unilateralmente um papel que deveria ser compartilhado com o Legislativo, desconsiderando que decisões dessa magnitude demandam construção coletiva de legitimidade. Ao antecipar-se a essa regulação, o STF assume unilateralmente um papel que deveria ser compartilhado com o Legislativo, desconsiderando que decisões dessa magnitude demandam construção coletiva de legitimidade.
A implementação da marIA pelo Supremo levanta uma questão de legitimidade democrática que não pode ser ignorada. Embora o STF possua competência constitucional para regular o seu processo e procedimento, o seu funcionamento interno e questões administrativas, a adoção de uma ferramenta tecnológica de tamanha relevância extrapola os limites do domínio técnico e administrativo, adentrando uma seara que exige ampla deliberação legislativa.
Afinal, a separação dos Poderes, consagrada no art. 2º da Constituição Federal, pressupõe que temas de alto impacto institucional sejam disciplinadas por lei formal, conforme prevê o art. 48 da CF). Nesse sentido, a doutrina ressalta que inovações capazes de afetar direitos fundamentais e a organização do Estado devem passar por um debate amplo no Congresso Nacional, evitando-se que um único Poder assuma atribuições que demandam participação democrática efetiva[8]. Em diversas ocasiões, o próprio STF já pontuou a necessidade de envolver o Legislativo em decisões cujo alcance ultrapasse o âmbito administrativo do Judiciário, reforçando a harmonia e a independência entre os Poderes[9].
Como alerta Virgílio Almeida, a democratização algorítmica não se restringe à transparência técnica; depende da participação de múltiplos atores na definição das regras que governam os algoritmos. Esse alerta reforça a importância de uma governança que integre diversas perspectivas, assegurando que a IA reflita valores democráticos e inclusivos, em vez de perpetuar hierarquias de poder.
Além disso, é fundamental reconhecer que a governança algorítmica não deve ser conduzida isoladamente por nenhuma instituição. Assim como o AI Act da União Europeia propõe uma abordagem colaborativa e regulamentada para sistemas de alta relevância pública[10], o Brasil precisa de um marco legal que garanta não apenas eficiência tecnológica, mas também a proteção dos valores democráticos.
Ao implementar a marIA sem esse arcabouço, o STF corre o risco de consolidar um modelo de governança centralizado e opaco, que perpetue desigualdades e reduza a confiança pública no Judiciário.
Ferramentas como a marIA não podem ser tratadas como “caixas-pretas”, operando acima ou além do controle social. Quando algoritmos são implementados sem publicização de seus critérios e sem regulação abrangente, há o risco de que decisões, em vez de reforçarem princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade, perpetuem vieses e injustiças[11].
A ausência de um marco regulatório amplamente debatido retira da sociedade o direito de definir as diretrizes éticas e operacionais para o uso dessas tecnologias no sistema de justiça.
Nesse contexto, o STF deve assumir a responsabilidade de liderar a construção de uma governança algorítmica que vá além da eficiência técnica e do uso restrito. Contudo, essa liderança precisa ocorrer em diálogo com o Legislativo e a sociedade, respeitando o princípio democrático que exige deliberação ampla e inclusiva em decisões de impacto coletivo. Em vez de reforçar hierarquias, a marIA deve ser uma ferramenta de equalização, proporcionando os mesmos benefícios tecnológicos a todos os envolvidos no sistema de justiça.
Por isso, é imprescindível que a universalização da marIA seja acompanhada de mecanismos concretos de auditoria contínua e supervisão democrática. A exemplo do AI Act, que sugere auditorias regulares e participação social, o Brasil precisa garantir o acesso e a transparência necessários para que todos os operadores do Direito — incluindo advogados, defensores públicos e a sociedade civil — participem efetivamente da governança dessa tecnologia.
A publicização do código-fonte e a supervisão pelo CNJ são passos essenciais para evitar que a marIA se torne instrumento de exclusão ou opressão, assegurando, em vez disso, que sirva como modelo de justiça inclusiva e acessível.
Transparência, universalização e governança democrática não são apenas metas desejáveis; são condições indispensáveis para que a tecnologia respeite e fortaleça o Estado Democrático de Direito. Isso inclui não só disponibilizar a ferramenta para todos os atores do sistema de justiça, mas também garantir que sua implementação respeite princípios democráticos, incluindo o papel central do Congresso na definição das bases éticas e operacionais da inteligência artificial no país.
Se a marIA for verdadeiramente universalizada e regulamentada de forma democrática, poderá atuar como ferramenta de equalização no Judiciário, ajudando a reduzir desigualdades estruturais que hoje permeiam o sistema de justiça. No entanto, essa universalização não pode ser apenas técnica: ela precisa estar alinhada a valores éticos, como responsabilidade, equidade e respeito aos direitos fundamentais. Como observa Mark Coeckelbergh, a verdadeira ética em inteligência artificial não se limita a prevenir danos, mas abrange a criação de sistemas que promovam justiça, confiança e inclusão.
A implementação da marIA é, portanto, um divisor de águas para o Judiciário brasileiro. Sua adoção pode simbolizar modernização e eficiência, mas apenas se estiver acompanhada por um compromisso inequívoco com valores democráticos e respeito ao processo legislativo. A tecnologia não pode substituir a humanidade, mas deve reforçá-la. Somente assim será possível transformar a marIA em um símbolo não apenas de inovação, mas de justiça e igualdade.
Seremos todos baratas?
A crítica de Virgílio Almeida nos conduz a uma reflexão filosófica: em que medida a automação do Judiciário transforma cidadãos, advogados, servidores e até juízes em meras “baratas”? Inspirada pela metáfora kafkiana, a imagem denuncia a desumanização promovida por sistemas burocráticos opacos, nos quais as complexidades humanas se reduzem a abstrações algorítmicas.
Quando entregamos à tecnologia a responsabilidade de analisar e decidir processos jurídicos, transformamos singularidades em padrões estatísticos e tratamos vidas humanas como variáveis manipuláveis por códigos de computador.
Essa desumanização se agrava no contexto da plataformização do trabalho, em que algoritmos já atuam como chefes, disciplinando trabalhadores em plataformas como Uber e iFood, ao mesmo tempo que flexibilizam direitos historicamente consolidados[12].
Em julgamento no STF[13], a questão dos direitos trabalhistas de motoristas de aplicativos ilustra o choque entre visões constitucionais: de um lado, a interpretação tradicional do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que valoriza a proteção do trabalhador[14]; de outro, o Supremo, que parece inclinado a flexibilizar as relações laborais sob o pretexto de eficiência e inovação. É nesse contexto que a implementação da marIA pelo STF, celebrada como marco de modernização, adquire contornos irônicos e inquietantes.
A ironia se torna ainda mais aguda ao considerarmos o crescente debate sobre direitos para robôs, conforme explorado por David Gunkel em Robot Rights. A obra questiona os limites éticos da humanização de máquinas, sugerindo que atribuir direitos a robôs cria novas categorias jurídicas para entidades artificiais, enquanto trabalhadores humanos, sobretudo os mais vulneráveis, enfrentam desumanização e perda de direitos devido à automatização de suas funções.
Não seria paradoxal que, enquanto avançamos em discussões globais sobre a concessão de direitos a robôs, o STF celebre a marIA — uma tecnologia que, ao mesmo tempo, ameaça fragilizar direitos humanos fundamentais, especialmente os trabalhistas?
Ao humanizar a marIA com um nome, crachá e presença simbólica, o Supremo projeta uma narrativa de inovação e eficiência, mas deixa em segundo plano as implicações éticas e sociais de sua adoção. A substituição de servidores por ferramentas automatizadas não só desumaniza funções essenciais no Judiciário, mas também aprofunda a opacidade do processo judicial, dificultando transparência e controle social.
Esse paradoxo se evidencia ainda mais diante da precarização crescente das relações laborais no contexto da plataformização. Algoritmos que atuam como “chefes” em aplicativos já motivam debates sobre a flexibilização de direitos e a invisibilização de trabalhadores. Não seria o caso de questionarmos se a celebração da marIA, sem análise crítica ou regulamentação robusta, insere o Judiciário no mesmo ciclo de desumanização que hoje fragiliza trabalhadores em outros setores?
Mark Coeckelbergh, em Robot Ethics, examina questões como a agência moral dos robôs e a responsabilidade por suas ações, argumentando que essas questões dizem mais sobre nossas escolhas morais e políticas do que sobre as máquinas em si. No caso da marIA, a celebração de sua humanização simbólica — nome, crachá e até uma “personalidade institucional” — destaca a contradição ética central: enquanto humanizamos robôs, desumanizamos operadores humanos do sistema de justiça. Essa celebração ofusca o impacto estrutural da automação sobre relações laborais e a fragilização de direitos.
Mais do que uma ferramenta administrativa, a marIA simboliza o paradoxo da tecnologia moderna: ao mesmo tempo em que promete eficiência, invisibiliza as desigualdades que reforça e as vidas humanas que relega a uma posição subalterna. Assim como Gregor Samsa, em A Metamorfose, acorda transformado em barata, corremos o risco de transformar advogados, partes e até juízes em figuras irreconhecíveis para um sistema judicial moldado por algoritmos opacos e desumanizadores.
No caso da marIA, a humanização simbólica da máquina não pode obscurecer o fato de que os trabalhadores substituídos não recebem igual reconhecimento. A atribuição de direitos a robôs, enquanto se celebra a substituição de postos de trabalho humanos, não é apenas ironia, mas uma grave contradição ética e política. Como uma instituição que deveria ser guardiã de direitos fundamentais se posiciona nesse paradoxo ao implementar a marIA de forma celebratória, sem reflexão crítica sobre suas implicações sociais e laborais?
O verdadeiro desafio para o Judiciário não está em discutir se robôs devem ter direitos, mas em garantir que direitos humanos fundamentais, especialmente dos trabalhadores, não sejam sacrificados no altar da eficiência tecnológica. A tecnologia deve servir à humanidade, e não a substituir. Ao contrário do que se aplaude hoje, talvez o futuro nos force a questionar: enquanto celebrávamos o progresso, não estaríamos, na verdade, aceitando a desumanização de nossa própria sociedade?
O STF como bússola para o Judiciário
O Supremo Tribunal Federal não é apenas uma vitrine para o restante do Judiciário; ele funciona como uma bússola, indicando a direção que todo o sistema de justiça deve seguir. Sob a liderança do presidente do STF, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — órgão responsável por regular o Judiciário como um todo —, as decisões tomadas na cúpula reverberam por todo o país.
Assim, a adoção da marIA no Supremo serve como um indicativo para os tribunais inferiores de que a automação e a tecnologia são o futuro do Judiciário, independentemente das implicações éticas, sociais e institucionais que isso possa acarretar.
No entanto, o impacto dessa transformação será profundamente desigual. Magistrados, amparados por prerrogativas constitucionais, estão protegidos das mudanças mais drásticas. Esses privilégios os blindam das consequências imediatas de uma automação que pode transformar radicalmente a forma de trabalho no Judiciário.
Já os servidores, apesar de certa estabilidade, enfrentam o risco de ter suas funções reduzidas ou substituídas pela tecnologia. E entre advogados e jurisdicionados — totalmente submetidos às forças de mercado — o impacto tende a ser ainda mais profundo e imediato. Advogados competem em um ambiente governado pela lei da oferta e da procura, enquanto os jurisdicionados dependem de um sistema de justiça que pode se tornar ainda mais opaco com ferramentas automatizadas como a marIA.
Essa disparidade agrava um quadro já preocupante, em que a tecnologia, em vez de democratizar o acesso à justiça, pode reforçar hierarquias e desigualdades. O STF, ao adotar a marIA, deveria não apenas promover eficiência, mas também zelar pela transparência e inclusão. Afinal, como bússola, sua função é apontar para um Judiciário que fortaleça princípios democráticos, não um que os sacrifique em nome de produtividade.
Se a marIA for o modelo para o Judiciário, torna-se imperativo que sua implementação seja acompanhada da máxima transparência. Seus códigos, funcionalidades e critérios de decisão precisam ser disponibilizados não apenas aos ministros e servidores, mas também a advogados, partes e a toda a sociedade.
Na condição de principal órgão de regulação do sistema de justiça, o CNJ, liderado pelo presidente do STF, tem a obrigação de assegurar que ferramentas como a marIA respeitem limites constitucionais e promovam a confiança pública.
Além disso, a universalização da marIA deve ser uma prioridade, não apenas para beneficiar tribunais inferiores, mas para alcançar todos os atores que exercem funções essenciais à justiça, conforme delineado no artigo 93 da Constituição. Isso inclui o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública, pilares do sistema de justiça que podem usar a tecnologia para aprimorar sua atuação e promover maior eficiência e acesso à justiça.
O Ministério Público, por exemplo, poderia integrar a marIA em suas análises e pareceres, enquanto as advocacias, pública e privada, se beneficiariam da automação de tarefas repetitivas, focando no atendimento qualificado às partes. Já a Defensoria Pública, frequentemente sobrecarregada, poderia utilizar a tecnologia para garantir assistência jurídica mais ampla e célere às populações vulneráveis.
O STF, como vitrine e líder do Judiciário, deve garantir que a tecnologia não seja exclusiva da cúpula do sistema, mas se torne instrumento de fortalecimento de todo o ecossistema de justiça. A universalização da marIA, aliada a capacitação e transparência, tem potencial de convertê-la em mecanismo efetivo de democratização do acesso à justiça. Isso reforça o papel do STF como bússola do Judiciário e assegura que a inovação tecnológica seja um recurso acessível a todas as instâncias, promovendo igualdade e inclusão.
Universalizar a marIA: uma questão de justiça
Ainda assim, a transparência por si só não basta. A marIA, desenvolvida com recursos públicos, deve ser disponibilizada universalmente a todos os operadores do sistema de justiça. É inaceitável que uma tecnologia tão poderosa e com potencial transformador seja monopolizada por uma única instância do Judiciário ou acessível apenas a um grupo restrito de servidores e magistrados.
Advogados, defensores públicos, procuradores, partes e todos os cidadãos que interagem com o sistema de justiça têm o direito de acessar e utilizar a marIA. Os benefícios prometidos — eficiência, precisão e agilidade — são indispensáveis para democratizar o acesso à justiça e reduzir desigualdades estruturais. Ferramentas como a marIA não podem ser exclusivas de um grupo privilegiado; sua universalização é um imperativo ético e democrático.
Se a marIA foi concebida e desenvolvida com recursos públicos, sua utilização deve refletir os princípios republicanos de igualdade e acesso irrestrito[15]. A ideia de que apenas o STF e seus servidores possam usufruir de uma tecnologia financiada pelo contribuinte é incompatível com os valores de um Estado Democrático de Direito. A universalização da marIA permitiria que todos os operadores do Direito — magistrados, servidores, advogados e cidadãos — se beneficiassem igualmente, promovendo um sistema mais justo e eficiente.
O STF, como bússola do Judiciário, tem a chance de liderar essa transformação com responsabilidade. A democratização do acesso à marIA não apenas fortalece a confiança pública na Justiça, mas também reafirma o compromisso da Suprema Corte com a transparência e a inclusão. Somente assim a marIA cumprirá seu propósito de servir à sociedade como um todo, não apenas a seus idealizadores. Afinal, a justiça, assim como a tecnologia que a serve, deve ser de todos e para todos.
O impacto simbólico e prático da universalização
A universalização da marIA transcende o mero acesso técnico. Trata-se de um compromisso ético e político que reforça valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, especialmente o princípio republicano, segundo o qual bens públicos devem servir igualmente a todos.
Desenvolvida com recursos públicos, a marIA não pode se restringir à cúpula do Judiciário ou a um grupo seleto de operadores. Deve alcançar todos os atores que compõem o ecossistema jurídico, de magistrados e servidores a advogados, defensores públicos, promotores e jurisdicionados.
O impacto simbólico da universalização é tão relevante quanto seu impacto prático. Ela reafirma a transparência como um valor central e fortalece o compromisso com a inclusão. Ferramentas como a marIA podem transformar o sistema de justiça, mas sua eficácia depende de acessibilidade ampla e governança democrática. Apenas com a participação de todos os operadores da justiça será possível revelar e corrigir vieses, garantindo que a tecnologia opere em benefício de toda a sociedade.
No plano prático, a universalização da marIA pode reduzir desigualdades estruturais em todo o Judiciário. Tribunais inferiores, frequentemente sobrecarregados, poderiam se valer da automação para lidar com tarefas administrativas e processuais, ampliando a capacidade de atendimento à população.
Da mesma forma, a advocacia (pública e privada), o Ministério Público e a Defensoria Pública poderiam utilizar a ferramenta para otimizar suas atribuições, viabilizando uma atuação mais célere e qualificada. Isso não apenas equilibra o sistema, mas também fortalece o acesso à justiça, sobretudo para grupos vulneráveis.
Além disso, a universalização funciona como um mecanismo de controle social e accountability. Quando todos os operadores do sistema conhecem a tecnologia e compreendem seus processos, cria-se um ambiente de fiscalização colaborativa que evita concentração de poder e reduz riscos de exclusividade algorítmica. Garante-se, assim, que a marIA não apenas seja eficiente, mas também justa e transparente em suas operações.
Em última análise, a universalização da marIA é parte fundamental da democratização da justiça. Ela simboliza um Judiciário que valoriza tanto a eficiência quanto a humanidade, reconhecendo que o verdadeiro progresso tecnológico só se efetiva quando beneficia a todos, sem exceções. Desse modo, o impacto simbólico e prático da universalização reflete o compromisso de um Judiciário que busca corrigir desigualdades, em vez de aprofunda-las.
Conclusão: um futuro visionário, mas cauteloso
O lançamento da marIA inaugura uma nova era no Judiciário brasileiro, com promessas de eficiência e inovação. No entanto, traz consigo desafios estruturais e éticos que precisam ser enfrentados de forma séria e crítica. A substituição do humano por processos automatizados e a opacidade de seus critérios operacionais representam ameaças aos pilares do Estado Democrático de Direito, como o contraditório, a publicidade e a transparência[16].
Esses desafios nos convocam a ponderar o impacto da tecnologia no sistema de justiça e a avaliar os limites éticos e democráticos de sua adoção.
Mais do que uma questão de produtividade, a adoção da marIA nos obriga a refletir: a quem essa tecnologia realmente serve? Sem transparência e sem um compromisso claro com a democratização de seu uso, a marIA corre o risco de aprofundar desigualdades, alienar operadores do Direito e afastar ainda mais o Judiciário da sociedade. Ferramentas como a marIA, em vez de iluminar, podem obscurecer o funcionamento das instituições se forem tratadas como “caixas-pretas” imunes ao escrutínio público.
A implementação da marIA pelo Supremo levanta uma questão de legitimidade democrática que não pode ser ignorada. Embora o STF possua competência constitucional para regular seus processos e procedimentos, a adoção de uma tecnologia de tamanha relevância extrapola o âmbito meramente administrativo e adentra um território que demanda ampla deliberação legislativa e democrática.
Como discutimos anteriormente, a adoção de ferramentas tecnológicas de grande relevância constitucional requer a participação do Poder Legislativo, conforme prevê a Constituição Federal (arts. 2º e 48), sob pena de se pôr em risco a harmonia entre os Poderes e os direitos fundamentais.
Assim, cabe ao STF, em diálogo com o Congresso Nacional, construir uma governança algorítmica que respeite o processo democrático. A inteligência artificial não é um simples utensílio técnico; trata-se também de uma escolha ética e política que afeta direitos fundamentais, equilíbrio institucional e valores democráticos.
Nesse sentido, lançar a marIA antes da aprovação do marco regulatório de inteligência artificial pelo Congresso Nacional sugere um potencial atropelo legislativo.
O Congresso, como guardião da soberania popular, é o espaço legítimo para deliberar sobre os parâmetros éticos e operacionais do uso de tecnologias que impactam toda a sociedade. Antecipar-se a essa regulação enfraquece a legitimidade política da ferramenta e instaura precedentes que podem comprometer a separação de Poderes.
O déficit de legitimidade agrava-se ainda mais pela ausência de regras que definam parâmetros éticos, jurídicos e técnicos para a IA no Judiciário. Ferramentas como a marIA não podem ser implementadas por uma única instituição, sem diálogo com o Legislativo, a sociedade civil e os demais atores do sistema de justiça.
Da mesma forma que o AI Act da União Europeia propõe uma abordagem colaborativa e regulamentada para sistemas de alta relevância pública, o Brasil precisa de um modelo que privilegie a transparência, a participação e a governança democrática, garantindo o respeito aos valores constitucionais e reforçando a confiança pública.
A escolha do nome marIA — que humaniza a ferramenta ao associá-la à figura materna — levanta questões éticas instigantes[17]. Ao conceder humanidade simbólica a sistemas algorítmicos, corremos o risco de mascarar os efeitos concretos de sua implementação, como a desumanização do trabalho humano.
O paradoxo de atribuir simbolismos afetivos a uma inteligência artificial, enquanto trabalhadores enfrentam precarização e substituição, evidencia o desequilíbrio entre inovação tecnológica e dignidade humana. Caso avancemos em discussões sobre conceder direitos a robôs, ignoraremos as vulnerabilidades dos trabalhadores que eles substituem?
Para que a marIA seja de fato uma aliada da justiça, torna-se imprescindível que seu uso seja universalizado. Desenvolvida com recursos públicos, a ferramenta deve estar acessível não apenas a magistrados e servidores, mas também a advogados, defensores públicos, promotores, jurisdicionados e toda a sociedade.
Universalizar a marIA não é mera questão de eficiência técnica; é um imperativo ético e democrático. Com acesso irrestrito, será possível compreender e testar seu funcionamento, revelando possíveis vieses e limitações. Somente assim garantimos uma aplicação imparcial e equitativa da tecnologia.
A universalização da marIA é um gesto político que reafirma o compromisso do Judiciário com a transparência e a inclusão. Disponibilizar uma tecnologia pública apenas à cúpula do sistema é incompatível com valores republicanos. Esse gesto demonstra a construção de um Judiciário mais aberto, democrático e sensível às demandas de todos os envolvidos.
Finalmente, é essencial reconhecer que a governança algorítmica precisa ser contínua e coletiva. STF e CNJ, como líderes do sistema de justiça, não devem apenas implementar tecnologia, mas também criar mecanismos de fiscalização permanente. Isso implica revisar os algoritmos da marIA, adaptando-os às mudanças sociais, jurídicas e tecnológicas. Somente com esse compromisso será possível garantir que a marIA respeite valores fundamentais como igualdade, proporcionalidade e justiça.
Como bússola do sistema de justiça, o STF tem o dever de liderar essa mudança com responsabilidade e visão. A tecnologia deve servir para reforçar a confiança pública, democratizar o acesso à justiça e corrigir desigualdades — e não para perpetuar privilégios ou excluir quem mais depende do Judiciário. A implementação da marIA não deve ser apenas um marco tecnológico, mas um compromisso ético com um futuro mais justo e inclusivo.
Se algoritmos moldam comportamentos sociais e jurídicos, é a sociedade quem deve moldar os algoritmos. Governar a tecnologia com transparência e adaptabilidade é o único caminho para garantir que a inovação sirva ao bem comum. A verdadeira eficiência não exclui, mas inclui; e a verdadeira modernidade não é apenas técnica, mas fundamentalmente humana.
[1] STF lança Maria, ferramenta de inteligência artificial que dará mais agilidade aos serviços do Tribunal. Disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-lanca-maria-ferramenta-de-inteligencia-artificial-que-dara-mais-agilidade-aos-servicos-do-tribunal/, acesso de 16/12/2024.
[2] Kafka, F. (1997). O processo (M. Carone, Trad.). Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1925).
[3] Kafka, F. (2014). A metamorfose (M. Carone, Trad.). Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1915).
[4] A conexão entre o centenário da morte de Kafka e os desafios da algoritmização foi originalmente desenvolvida por Virgílio Almeida, em artigo publicado no Estado de Minas, em 21/12/2024.
[5] Sobre o impacto histórico da automação na perda de postos de trabalho, ver: BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. The Second Machine Age. New York: W. W. Norton & Company, 2014.
[6] Almeida, Virgílio. Homenagem a Kafka propõe reflexões sobre a Inteligência Artificial. O mundo digital constitui um terreno fértil para o renascimento de labirintos que Franz Kafka tanto explorou em sua literatura. Estado de Minas, 21/12/2024. Disponível em: https://www.em.com.br/pensar/2024/12/7017422-homenagem-a-kafka-propoe-reflexoes-sobre-a-inteligencia-artificial.html, acesso de 21/12/2024.
[7] Almeida, V., Mendonça, R. F., & Filgueiras, F. (2023). Algorithmic institutionalism: The changing rules of social and political life. Cambridge University Press.
[8] Sobre o tema da legitimidade e separação dos poderes ver: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2022; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[9] Em especial, na ADI n. 2.238, o STF debateu a competência do Poder Judiciário para editar normas que poderiam invadir o campo de atuação do Legislativo, reafirmando o equilíbrio entre os Poderes.
[10] União Europeia. (2021). Artificial Intelligence Act: Proposal for a regulation laying down harmonized rules on artificial intelligence. Comissão Europeia. Disponível em https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/european-approach-artificial-intelligence, acesso de 17/12/2024.
[11] Um aprofundamento da discussão sobre vieses algorítmicos pode ser feito a partir da obra de Cathy O’Neil: O’NEIL, Cathy. Weapons of Math Destruction. New York: Crown, 2016.
[12] Para uma discussão mais ampla acerca do papel da tecnologia no futuro do trabalho ver: MIT Technology Review. (2023). Artificial intelligence and the future of work. Disponível em https://www.technologyreview.com.
[13] STF irá decidir se existe vínculo empregatício entre motoristas e plataformas de aplicativos. Tema 1291. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=528592&ori=1, acesso de 10/12/2024z
[14] Tribunal Superior do Trabalho (TST). (n.d.). Jurisprudência consolidada sobre relações trabalhistas e a plataformização do trabalho. Recuperado de https://www.tst.jus.br.
[15] Cf. Constituição Federal, art. 1º, parágrafo único (“Todo o poder emana do povo…”) e art. 5º, caput (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”), pilares do Estado Democrático de Direito que reafirmam a soberania popular e a igualdade como fundamentos constitucionais.
[16] CF, art. 5º, LIV (devido processo legal), LV (contraditório e ampla defesa), art. 93, IX (publicidade dos julgamentos).
[17] Sobre o tema ver GUNKEL (2018) ou COECKELBERGH (2020), que discutem a humanização das máquinas sob perspectiva ética.