Maturidade digital e gestão pública na era da IA: desafios e oportunidades

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Com o rápido avanço da tecnologia nos últimos anos, representado notadamente pelos modelos de inteligência artificial generativa, a pressão pela modernização da gestão pública vem se intensificando. A demanda por uma administração moderna, inovadora e tecnológica parte tanto de atores internos quanto de pressões externas, fruto de um ambiente social cada vez mais digitalizado e exigente em relação à capacidade de resposta do Estado[1].

Nesse cenário, gestores públicos se deparam com conceitos técnicos, metodologias e procedimentos até então restritos a especialistas em tecnologia. Essa gama de novos conhecimentos passa a integrar seu cotidiano, centralizando e conduzindo as tomadas de decisão.

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Desse contexto emerge a questão central da reflexão proposta: qual o nível esperado de maturidade digital de um servidor público para ser considerado apto a gerenciar projetos que envolvam novas tecnologias? E, tão relevante quanto essa: como assegurar que o servidor alcance a capacitação necessária para tanto?

Essas indagações não admitem respostas simplistas. Se, por um lado, gestores com alto nível de conhecimento técnico têm mais condições de compreender as oportunidades da inovação, bem como de identificar e mitigar seus riscos — a exemplo do viés algorítmico e da falta de transparência em decisões automatizadas —, por outro, seria desproporcional exigir que todos os gestores públicos, com formação e funções das mais diversas, adquiram a expertise técnica necessária para desenvolver diretamente essas soluções[2].

O ponto de partida parece ser a criação de um ambiente institucional que fomente o que se tem chamado de letramento digital, de modo a estimular cada vez mais gestores e servidores em geral a participarem ativamente de discussões que envolvam inovação e tecnologia. Também é necessário compreender qual a percepção dos colaboradores sobre TI, dentro e fora da instituição, identificar eventual formação e experiência em matéria de tecnologia, bem como mapear os diferentes graus de relação com as ferramentas e soluções tecnológicas no ambiente institucional ou fora dele.

Ainda quanto ao letramento digital, mostra-se essencial o esforço institucional para a viabilizar a formação e a qualificação de servidores em matéria de tecnologia da informação. Tal medida, além da capacitação individual, garante a formação de multiplicadores de conhecimento, impactando direta e profundamente a cultura organizacional. Além disso, a qualificação bem direcionada prepara gestores para figurarem como facilitadores estratégicos entre os especialistas técnicos e as necessidades institucionais, tornando mais eficiente a identificação das melhores soluções tecnológicas para os desafios organizacionais apresentados.

Isso não significa que o gestor público tenha necessariamente que dominar conceitos complexos, como fine-tuning[3] ou RAG[4], com a mesma profundidade de um expert, mas que é preciso ter conhecimento suficiente para formular perguntas pertinentes, avaliar as respostas dos especialistas e compreender as implicações dos ajustes técnicos nos resultados de políticas públicas[5].

É preciso estar preparado para uma mediação eficiente, compreendendo o potencial transformador da inovação e os contornos da demandas de gestão para o melhor andamento dos projetos.[6] A título exemplificativo, o gestor público deve ter a capacidade de traduzir as necessidades estratégicas da administração em parâmetros compreensíveis para especialistas em IA, bem como entender os limites e possibilidades das tecnologias disponíveis.

É imprescindível, ainda, que esses profissionais consigam enxergar os impactos das inovações tecnológicas no contexto jurídico, social e econômico, equilibrando a busca por eficiência com a preservação de direitos fundamentais[7].

O desenvolvimento dessa maturidade digital, contudo, não se dá forma isolada e pontual. Demanda um esforço contínuo de formação e atualização, com a promoção de uma cultura organizacional que fomente a colaboração entre as áreas técnicas e gerenciais.

A maturidade digital vai além do mero entendimento técnico. Envolve uma compreensão crítica sobre os impactos internos e externos das novas tecnologias e das necessidades constantes de inovação. Tais premissas são essenciais, em nosso sentir, para garantir uma transformação digital ética, transparente e eficaz na Administração Pública.


RODRIGUES, Guilherme Vinicius Justino. Tecnologia e solução adequada do conflito: um estudo de limites e possibilidades à luz do acesso à justiça. 2024. 226 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024.

FARAH, Rafael Mott. EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL ESPECÍFICA E MERCADOS DIGITAIS: too big to be fined? estudo teórico e empírico sobre a aplicação de medidas coercitivas em face de plataformas digitais. 2024. 224 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024

LEWIS, Patrick et al. Retrieval-augmented generation for knowledge-intensive NLP tasks. Preprint. arXiv:2005.11401, 2021.

DETTMERS, Tim; PAGNONI, Artidoro; HOLTZMAN, Ari; ZETTLEMOYER, Luke. QLoRA: Efficient Finetuning of Quantized LLMs. 2023. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2305.14314. Acesso em: 14 set. 2024

COSTA, Susana; FRANCISCO, João. Acesso à Justiça e a obrigatoriedade da utilização dos mecanismos de Online Dispute Resolution: um estudo da plataforma consumidor.gov. In: LUCON, Paulo et al. Direito, Processo e Tecnologia. Ed. 2020. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

[1] COSTA, Susana; FRANCISCO, João. Acesso à Justiça e a obrigatoriedade da utilização dos mecanismos de Online Dispute Resolution: um estudo da plataforma consumidor.gov. In: LUCON, Paulo et al. Direito, Processo e Tecnologia. Ed. 2020. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

[2] Nesse sentido, importante ter em mente que exigir esse nível de especialização de todos os potenciais gestores não apenas reduziria drasticamente o número de servidores capazes de participar de tais projetos, como também desconsideraria a importância da expertise administrativa e do conhecimento profundo das dinâmicas institucionais. Gestores que dominam o funcionamento de seus setores são muitas vezes insubstituíveis para a tradução de demandas complexas em requisitos funcionais para as equipes técnicas.

[3] DETTMERS, Tim; PAGNONI, Artidoro; HOLTZMAN, Ari; ZETTLEMOYER, Luke. QLoRA: Efficient Finetuning of Quantized LLMs. 2023. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2305.14314. Acesso em: 14 set. 2024

[4] LEWIS, Patrick et al. Retrieval-augmented generation for knowledge-intensive NLP tasks. Preprint. arXiv:2005.11401, 2021.

[5] Assim, um gestor que entende a importância da engenharia de prompt, por exemplo, saberá que o desenho adequado das interações entre os usuários e os sistemas de IA pode otimizar a performance dos modelos e reduzir problemas como o viés de linguagem ou a falta de precisão nas respostas.

[6] FARAH, Rafael Mott. EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL ESPECÍFICA E MERCADOS DIGITAIS: too big to be fined? estudo teórico e empírico sobre a aplicação de medidas coercitivas em face de plataformas digitais. 2024. 224 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024

[7] RODRIGUES, Guilherme Vinicius Justino. Tecnologia e solução adequada do conflito: um estudo de limites e possibilidades à luz do acesso à justiça. 2024. 226 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024.

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