No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Meta fiscal põe em xeque credibilidade do governo federal

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A segurança jurídica integra a essência do Direito. A confiabilidade das normas jurídicas e a capacidade de as instituições lhes darem a garantia de que serão respeitadas são fundamentais para sua eficácia. Em se tratando de normas que influenciam a economia, como são boa parte do Direito Financeiro, a responsabilidade aumenta, pois o reflexo no comportamento dos agentes econômicos é imediato.

Nesse sentido, as normas que dão estrutura e coesão às finanças públicas, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal e demais leis complementares que trataram do tema, como as que foram produzidas nos últimos e tumultuados anos de pandemia, são de grande relevância. Destaque cabe à Lei Complementar 200, que instituiu o “novo arcabouço fiscal”.

Também tem apresentado um papel bastante importante as leis de diretrizes orçamentárias anuais da União, em razão das várias funções relevantes para as finanças públicas de todo o país, como é o caso da definição da meta fiscal.

A apresentação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias da União, que foi divulgado no último dia 15 de abril, seguindo a determinação constitucional, gerou, como de costume, repercussão na mídia.[1]

O conteúdo do projeto de lei apresentado, no entanto, não foi bem recebido pelos analistas econômicos em geral, e um dos principais problemas está justamente na falta de credibilidade no documento, o que, como destacado no início desse texto, é extremamente prejudicial à segurança jurídica, e mais ainda em se tratando de normas de finanças públicas que tem especial influência no comportamento dos agentes econômicos, como é o caso da LDO federal.[2]

As finanças públicas no Brasil têm como principais normas que regulam a gestão financeira do setor público a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar 101/2000 e suas alterações) e a Lei Complementar 200/2023, que instituiu o regime fiscal sustentável (também conhecido como “novo arcabouço fiscal”), e sua rigorosa observância é fundamental para dar credibilidade ao ordenamento jurídico nessa área e a necessária segurança jurídica. São ambas leis de natureza complementar e de caráter nacional, aplicáveis a todos os entes da federação. O impacto no setor privado e na sociedade é muito significativo, pois a ação, especialmente dos agentes econômicos, é balizada pelo comportamento do governo em relação à forma de conduzir as finanças públicas e respeitar as normas vigentes.

O art. 4º, §§ 1º, 2º e 5º, da LRF, com a nova redação que lhe foi dada pela LC 200, atribui à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que é lei ordinária própria de cada ente federado e de vigência temporária, renovada anualmente, o dever de conter o “Anexo de Metas Fiscais”. Um documento com uma série de informações sobre o comportamento e trajetória das finanças públicas, entre as quais “as metas anuais para o exercício a que se referir e para os 3 (três) seguintes, com o objetivo de garantir a sustentabilidade da dívida pública”, bem como “o marco fiscal de médio prazo, com projeções para os principais agregados fiscais”.

As leis de diretrizes orçamentárias da União, que têm maior relevância, dada a importância das finanças da administração pública federal, têm seu projeto apresentado até o dia 15 de abril, por força do disposto no art. 35, §2º, II, da Constituição, contendo as metas fiscais e demais informações sobre as finanças públicas.

O projeto de LDO federal para 2024 foi apresentado no dia 15 de abril de 2023, e aprovado em 29 de dezembro de 2023, sendo materializado na Lei 14.791, e previu como meta fiscal para o exercício financeiro de 2024 a meta de resultado primário de R$ 0,00 (zero real), conforme art. 2º e anexo IV, valor cuja observância se concretizará ao final deste ano, superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 1% em 2026.

Sendo assim, as expectativas do mercado e da sociedade são balizadas e orientadas por essas metas, que, se descumpridas, desorganizam as atividades econômicas e, pior do que isso, tiram a credibilidade da referida norma, que deixa de conferir a necessária segurança jurídica. Os reflexos são imediatos, como se vê pelo aumento do dólar nos últimos dias, fato atribuído ao “abandono da ideia de superávit de 0,5 para 2025” (“Governo abandona meta fiscal e dólar dispara”).[3]

A importância da meta fiscal vai além disso. Basta lembrar que o impeachment da presidente Dilma Roussef teve como uma de suas condutas tipificadas como crime de responsabilidade justamente a abertura de créditos suplementares sem autorização legal, uma vez que em descordo com a legislação orçamentária então vigente, que exigia como requisito o cumprimento da meta fiscal.

No último dia 15 de abril de 2024, foi apresentado o projeto de LDO federal para 2025, que vai orientar a elaboração da lei orçamentária da União para o próximo exercício, prevendo meta fiscal zero – ou seja, oficializa-se que não mais será cumprida a estimativa da LDO 2024, que previa para 2025 um superávit de 0,5%.[4] E mesmo assim com dados que não correspondem ao apurado pelo mercado, como demonstra o economista Felipe Salto[5]. Sem contar a incerteza quanto ao cumprimento da meta zero neste ano de 2024.

É importante ressaltar que a “meta zero” indica resultado fiscal neutro, com correspondência entre as receitas primárias e as despesas primárias. No entanto, estando o país altamente endividado, isso significa que não haverá recursos para reduzir a dívida, que continuará alta e crescendo. Ou seja: uma péssima notícia. Só não é pior, evidentemente, do que uma meta fiscal deficitária.

Pior ainda é saber que a “meta zero” foi à época considerada “ambiciosa” e até mesmo “inatingível” – e não há garantias de que venha a ser cumprida.[6]

Manter a compatibilidade entre as receitas primárias e as despesas primárias envolve, de um lado, a arrecadação, e de outro, a despesa, sendo de todos conhecido o fato de que o governo gasta muito, e mal. Reduzir a despesa pública é uma medida recomendada pela quase totalidade dos estudiosos e operadores das finanças públicas, sendo extremamente difícil e improvável conseguir atingir este equilíbrio exclusivamente pela via do aumento da arrecadação. E as notícias não têm sido nada animadoras em matéria de contenção dos gastos públicos. Pelo contrário: o que se vê são frequentes sinalizações de aumento nas despesas.[7]

Mas não é só.

O novo arcabouço fiscal, ao excluir o antigo “teto de gastos”, flexibilizou a possibilidade de aumento nas despesas públicas, vinculando-a, essencialmente, à variação real da receita apurada[8], o que não tem se mostrado factível, deixando ainda mais incertezas quanto ao futuro das contas do governo e a trajetória sustentável da dívida pública.

As perspectivas não se mostram animadoras, quer para o equilíbrio das contas públicas, quer para o respeito às recém-aprovadas leis de gestão fiscal, que parecem caminhar para a “vala comum” da falta de seriedade com que são tratadas as normas de Direito Financeiro.

O governo está com sua credibilidade em xeque. Esperamos que não seja um “xeque-mate”.

[1] Mudança da meta mostra arcabouço fraco e ambição demais de Haddad, dizem economistas (Folha de SPaulo, 15.4.2024 – https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/04/mudanca-da-meta-mostra-arcabouco-fraco-e-ambicao-demais-de-haddad-dizem-economistas.shtml), entre muitas outras notícias.

[2] Superávit vira déficit zero e mercado reage mal à LDO 2025; entenda (Uol Economia, 16.4.2024 – https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/04/16/ldo-2025-o-que-mudou-meta-fiscal.htm).

[3] O Antagonista, 15.4.2024 (https://oantagonista.com.br/economia/governo-abandona-meta-fiscal-e-dolar-dispara/).

[4] Haddad estima deficit zero em 2025 e atrasa superavit (Poder 360, em 15.4.2024 – https://www.poder360.com.br/economia/haddad-estima-deficit-de-zero-em-2025-e-atrasa-superavit/).

[5] As meta fiscais do PLDO 2025 e as consequências para o país (Uol Economia, em 16.4.2024 – https://economia.uol.com.br/colunas/felipe-salto/2024/04/16/as-metas-fiscais-do-pldo-2025-e-as-consequencias-para-o-pais.htm).

[6] Sobre o tema, vide minha coluna “Meta zero: como tentar gastar o que se arrecada transformou a meta em inatingível” (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/meta-zero-como-tentar-gastar-o-que-se-arrecada-transformou-a-meta-em-inatingivel-30112023).

[7] Alta do gasto obrigatório pode colocar novo arcabouço em xeque já em 2025, diz CEO da Bradesco Asset (Estadão, 16.1.2024 – https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-bradesco-asset-bruno-funchal-gasto-arcabouco-em-xeque/); Gastos obrigatórios crescem mais que arcabouço e podem causar “apagão” na máquina pública até 2028 (https://www.estadao.com.br/economia/gastos-obrigatorios-crescem-mais-que-arcabouco-e-podem-causar-apagao-na-maquina-publica-ate-2028/#:~:text=Considerando%20as%20estimativas%2C%20as%20despesas,cen%C3%A1rio%2C%20na%20pr%C3%A1tica%2C%20invi%C3%A1vel.). .

[8] Sobre o tema, vide minha coluna “Novo ‘arcabouço’ e expectativas que não seja ‘calabouço’ da gestão fiscal responsável”, publicada em 4.5.2023 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/novo-arcabouco-e-expectativas-que-nao-seja-calabouco-da-gestao-fiscal-responsavel-04052023).

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