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A recente Medida Provisória 1.262/24, que impõe uma alíquota mínima de 15% sobre a renda de grandes empresas, trouxe à tona uma discussão de extrema relevância para o cenário tributário brasileiro, revelando a complexidade e, em alguns aspectos, a incoerência das novas regras. Em conformidade com o Pilar 2 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa medida visa impedir que multinacionais com receita anual superior a € 750 milhões transfiram lucros para países com tributação reduzida. Embora esse alinhamento com as normas globais pretenda reduzir a evasão fiscal, o dispositivo ignora a realidade do sistema tributário brasileiro e penaliza, de maneira severa, as empresas nacionais ao comprometer incentivos fiscais essenciais para o desenvolvimento de setores estratégicos.
A MP alcança benefícios como a Lei do Bem, os incentivos oferecidos pela Sudam e Sudene, o Juros sobre Capital Próprio (JCP) e a amortização de ágio, todos amplamente reconhecidos por seu papel estruturante na promoção de inovação, desenvolvimento regional e fortalecimento de capital próprio. Com essa nova regulamentação, as empresas que usufruem desses incentivos, voltados para reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), aproximam-se, com o uso desses instrumentos, da alíquota mínima de 15% estabelecida pela MP. Isso representa um ataque direto aos mecanismos que, historicamente, fomentam a competitividade e sustentabilidade econômica, especialmente em setores que dependem de investimentos em inovação e desenvolvimento regional.
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A Lei do Bem, por exemplo, com seus dispositivos para deduzir até 80% dos valores destinados a pesquisa e desenvolvimento, é uma ferramenta de suma importância para empresas que buscam inovar e avançar tecnologicamente. No entanto, com a MP 1.262, esses investimentos, ao invés de serem incentivados, passam a sofrer uma penalização implícita. A possibilidade de deduzir parte substancial dos investimentos em P&D tem sido amparada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em julgados como o Recurso Especial 1.737.428/PR, reconheceu a legitimidade e importância da Lei do Bem para o desenvolvimento econômico nacional. O STJ compreendeu que esses incentivos têm uma função social indispensável, algo que a nova regulamentação ignora ao tratar esses abatimentos como possíveis ameaças ao equilíbrio fiscal, em vez de vê-los como pilares da economia nacional.
O mesmo ocorre com os benefícios fiscais concedidos pela Sudam e Sudene. Criados para reduzir as desigualdades regionais, esses incentivos promovem a redução de até 75% no IRPJ para empresas localizadas na Amazônia Legal e no Nordeste, impulsionando o desenvolvimento de áreas carentes. Ignorar os impactos sociais e econômicos desses benefícios, em nome de uma adequação tributária à OCDE, é uma postura míope e prejudicial, uma vez que ignora a realidade econômica e social brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 1049811/PE, reafirmou a validade desses incentivos, destacando seu papel para o crescimento de regiões menos favorecidas. A decisão reflete um entendimento de que esses mecanismos são essenciais para o equilíbrio federativo, argumento que, ao que parece, foi desconsiderado ao se impor a tributação mínima, uma medida que pode asfixiar o desenvolvimento nas áreas mais necessitadas do país.
Outro ponto de crítica se dirige à inclusão dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) no cálculo da alíquota mínima. Os JCP são um instrumento único do sistema tributário brasileiro, criado para estimular o financiamento próprio das empresas, evitando o endividamento excessivo. Decisões recentes do STF, como no RE 1.049.811, indicaram que o JCP possui uma natureza jurídica específica que justifica sua dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, promovendo a saúde financeira das empresas e a redução da dependência de capital de terceiros. Ao introduzir o JCP na base da alíquota mínima, a MP ignora esse aspecto crucial, colocando em risco o equilíbrio econômico das empresas que, para manter-se competitivas, necessitam de incentivos para a capitalização própria.
É importante ressaltar que a MP 1.262/24 traz ainda uma série de consequências negativas no cenário político e econômico, especialmente pela percepção de que o Brasil, ao aderir de maneira acrítica às regras da OCDE, não leva em conta suas peculiaridades econômicas. Entidades como a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) têm enfatizado que essa medida fere a competitividade das empresas brasileiras, que terão de arcar com uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Em um país onde a alta carga tributária já é um desafio significativo, a aplicação de uma alíquota mínima que praticamente elimina os incentivos fiscais agrava ainda mais o ônus sobre as empresas nacionais, especialmente aquelas com operações globais, que, ao contrário das estrangeiras, precisarão cobrir tanto a carga fiscal brasileira quanto o adicional necessário para atingir os 15%.
Além disso, a medida cria um descompasso ao considerar que países importantes, como Estados Unidos e China, ainda não adotaram o Pilar 2. O Brasil, ao submeter-se antecipadamente a essas normas, compromete sua atratividade econômica e, ao invés de promover uma adequação saudável, coloca suas empresas em desvantagem no mercado global. O argumento da Receita Federal de que as multinacionais brasileiras com atuação em várias jurisdições deverão se adequar ao padrão da União Europeia, ao invés de responder à realidade tributária dos maiores parceiros comerciais do Brasil, reflete um distanciamento da realidade econômica do país. Essa postura de submissão às normas da OCDE ignora que o Brasil não pode prescindir de uma política fiscal competitiva.
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Por fim, o modelo adotado na MP 1.262 afeta diretamente a confiança das empresas no sistema tributário brasileiro, ao sinalizar uma instabilidade regulatória, com mudanças que ignoram o planejamento de longo prazo das corporações. A imposição de uma alíquota mínima sem uma análise contextualizada e sem uma diferenciação para os setores e regiões estratégicas do Brasil compromete o crescimento de áreas que dependem dos incentivos fiscais para desenvolver-se economicamente. Portanto, a MP 1.262/24, ao buscar uma adesão ao Pilar 2 da OCDE, abre mão de incentivos históricos que sempre cumpriram um papel relevante para a economia brasileira, tornando urgente que o Congresso Nacional revise a medida para preservar o ambiente de negócios e evitar que o país se afaste de um desenvolvimento sustentável.