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Em edição extraordinária do Diário Oficial datada de 3 de outubro passado, o governo fez publicar a Medida Provisória 1262, instituindo “o Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE, (…)”, ou parte das regras do Pilar 2 definidas no âmbito da OCDE, sendo três as razões apresentadas pelo Poder Executivo para a submissão da matéria ao Congresso via medida provisória em sua Exposição de Motivos, a saber:
- as entidades constituintes de grupos multinacionais no escopo das regras GloBE estão localizadas no Brasil onde alguns deles estão sujeitos a alíquotas efetivas inferiores a 15%;
- as jurisdições onde se localizam investidoras de entidades constituintes localizadas no Brasil iniciaram o processo de implementação das Regras GloBE, cuja vigência se dá já a partir de 2024; e
- a falta de adoção de medidas como a instituição do Adicional da CSLL pelo Brasil resultará no recolhimento, em outros países, do tributo que poderia ser aqui arrecadado.
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Não se desconhece a importância do necessário alinhamento brasileiro às medidas globais para a tributação, mas causa perplexidade o fato de a Receita Federal adotar um modelo “fatiado” de posicionamento fiscal aos planos decididos na esfera da OCDE, às pressas (via MP e PL idêntico, com pedido de urgência), antes ainda de resolver temas mais urgentes de ordem tributária – exclusivamente brasileiros – e que impactam a adoção dessas medidas, o que, aliás, já demonstra a inadequação da eleição pela via da medida provisória.
Antes de focar exclusivamente no imposto adicional doméstico, as autoridades fiscais brasileiras deveriam e devem – urgentemente e até dezembro de 2024 – definir uma regra de transição ajustando a Tributação em Bases Universais (TBU) dos atuais 34% para 15%, para uma correta adequação do sistema brasileiro ao novo modelo tributário que busca implementar, assegurando neutralidade e, mais importante ainda, afastar qualquer possibilidade de impactos negativos concorrenciais para as empresas nacionais frente a companhias estrangeiras.
Caso esse ajuste não seja realizado na sistemática da TBU e face à distorção competitiva acima apontada, cálculos indicam um forte aumento na carga tributária do Brasil, para além do mínimo exigido globalmente, o que é bastante desestimulador quando se reclama maiores investimentos e crescimento da produção nacional.
Ou seja, utilizando-se do artifício de uma alegada preocupação sobre “‘exportação’ de receita tributária pelo não exercício do direito de tributar”, as autoridades fiscais brasileiras estão, via a adoção de uma medida provisória, promovendo “mascarado” aumento de carga tributária que, no caso das multinacionais brasileiras, pode ultrapassar o patamar global.
Para tanto, o governo afirma que se trata de uma ação global coordenada em harmonia com outros 140 países que adotaram “ou estão em processo de adoção” dessas regras definidas na esfera da OCDE. Entretanto, dos 140 países, apenas 45 deles implementaram tais regras, sendo que as autoridades fiscais brasileiras deixam de informar que mais de 50% dos investimentos no Brasil são originários de Estados Unidos, China, Hong Kong e países da América Latina que estão dentre as jurisdições que não adotaram (e alguns nem sequer cogitam adotar) o sistema do Pilar 2.
Nesse sentido, igualmente se eximem as autoridades em trazer a conhecimento público o fato de que as empresas nacionais já recolhem aos cofres públicos brasileiros 34% sobre o lucro de suas subsidiárias estrangeiras, percentual esse que é em muito superior aos 15% estabelecidos pela OCDE, e que ficariam excluídos do cálculo do tributo mínimo doméstico que se pretende implementar no Brasil.
Aliás, cai também por terra o argumento de que o país estaria observando uma isonomia tributária entre empresas, pois se mantido o sistema atual e não havendo, no mesmo ato, ajustes na mencionada regra de Tributação sobre Bases Universais, tornar-se-á gravoso o prejuízo na competitividade das empresas brasileiras, dificultando a competição global, com a pronta geração de um verdadeiro desestímulo de investimentos no país com reflexos em menor geração de empregos e crescimento, o que, por absurdo possa parecer, afetará também a pretensão governamental de aumentar receita.
Assim, sem fazermos o dever de casa com relação à TBU, o afirmado alinhamento às práticas internacionais corresponderá a uma “meia entrega” à OCDE e à comunidade global, pois o que se está promovendo é simplesmente aumento de carga no Brasil, com a equivocada publicidade de neutralidade fiscal, uma vez que submetidos os contribuintes brasileiros a regras internas mais onerosas e que, como dito, não são contempladas no cálculo do mínimo global.
E sobre a escolha por um adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para atendimento às regras assumidas na OCDE, a justificativa dada publicamente é de que a contribuição possui menos amarras constitucionais que o IRPJ, o que é questionável, uma vez que se está introduzindo no sistema constitucional tributário nova modalidade de custeio da seguridade social, de inexistente previsão, e que um tributo dessa natureza somente poderia ser exigido através de lei complementar. Por certo, haverá questionamento dessa nova e abusiva exigência no Poder Judiciário.
Nesse ponto, chega também a espantar a afirmação de alguns agentes do governo de que não foi feita a opção por introduzir o adicional no IRPJ porque este, dentre outras garantias constitucionais, está sujeito ao princípio da capacidade contributiva, o que poderia implicar a inconstitucionalidade da medida.
Ora, tal princípio constitucional é um limitador ao poder de tributar do Estado e visa garantir que os contribuintes não sejam compelidos ao pagamento de tributos acima de sua capacidade. Ou seja, por esta fala, o próprio governo parece admitir que o adicional da CSLL pode implicar um aumento de carga absolutamente desigual.
Assim, reclama-se aos agentes e atores políticos, do Congresso Nacional e do próprio Poder Executivo, maior transparência e aprofundamento no debate de matéria tão complexa e suas consequências; aliás, transparência que não pode ficar restrita à modalidade de consulta pública que será aberta em 4 de novembro, com prazo – ínfimo – para encerramento em 10 de novembro, para Instrução Normativa 2.228, estruturada em 157 artigos, sob pena não só de se manter as incongruências acima reportadas, mas também de se demonstrar conduta desleal para com os contribuintes afetados pela norma.
Por esses motivos, caso não seja revisada a exigência formulada via medida provisória e entendidas as consequências oriundas de seu texto original (redução de investimentos, impacto negativo na competitividade global e reflexos na empregabilidade), com uma necessária regra de transição que ajuste a TBU para 15% no novo regime, estar-se-á promovendo desproporcional e desavisado aumento de carga tributária para as empresas brasileiras, como parece reconhecer o próprio Poder Executivo.