No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Mulheres na advocacia: avanços normativos e desafios contemporâneos

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Ainda que março, mês internacionalmente consagrado às mulheres, tenha terminado, recentes episódios envolvendo violência de gênero contra advogadas no exercício da profissão impõem uma discussão permanente sobre o problema.

Dos 1.384.947 advogados atualmente registrados junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 713.794 – a maioria, portanto – são mulheres. A realidade, no entanto, é outra quando o assunto é representatividade.

Desde a sua criação, em 1930, a OAB nunca teve uma mulher eleita como presidente. Em quase 94 anos de história, apenas 15 mulheres presidiram seccionais da OAB nos estados, e destas, 5 foram eleitas apenas nas últimas eleições, em 2022 (reflexo direto da Resolução 5/20 do Conselho Federal da OAB, adiante abordada). Nas subseções, foram 64 mulheres eleitas presidentes ao lado de outros 251 presidentes.

A defasagem do número de mulheres em postos de liderança explica-se pelos fortes traços do patriarcado na sociedade brasileira, e não é um fenômeno restrito à advocacia.

Em verdade, a discriminação de gênero pode ser vista nos mais diferentes âmbitos do cotidiano brasileiro, desde a divisão desigual das tarefas domésticas, passando pelas diferenças nas remunerações para o desempenho das mesmas funções, até se chegar nos índices alarmantes de violência.

Para se ter uma ideia da disseminação dos episódios de violência contra a mulher, o levantamento Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023, demonstrou que 28,9% das mulheres brasileiras relataram ter sido vítimas de violência ou agressão em 2022, maior índice já registrado.

Já o Atlas da Violência de 2023, promovido pelo IPEA, demonstrou que a taxa de homicídios no país caiu 4,8% entre 2020 e 2021, porém os casos de homicídios de mulheres cresceram 0,3%.  Tais números estão em sintonia com a pesquisa realizada pelo Instituto do DataSenado em 2024, cuja 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres apontou que “30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem.”

Assim, não é de se estranhar que mulheres advogadas também sofram com o machismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, inclusive no desempenho de suas funções. Inúmeros exemplos demonstram essa triste realidade, como o caso da advogada que foi comparada a uma cadela por um promotor de justiça durante sessão no Tribunal do Júri do Amazonas. Outra causídica recentemente foi vítima de comentários relacionados aos seus atributos físicos pelo representante do Ministério Público contra quem argumentava em plenário do Tribunal do Júri em Alto Paraíso de Goiás.

Ciente dessa realidade e buscando erradicar episódios de claras violações aos direitos das mulheres em geral e das advogadas em específico, variadas normativas passaram a ser editadas nos últimos anos, tanto em nível legislativo quanto no âmbito disciplinar e regulatório da própria OAB.

Uma das medidas mais importante é a Lei 13.363/16, que modificou a Lei 8.905/94 e o Código de Processo Civil para “estipular direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz”. Por conseguinte, ao Estatuto da Advogada foi incluído o art. 7-A a fim de concretizar diferentes direitos à advogada, como não ser submetida a detectores de mateais e aparelhos de raio-X em tribunais e ter vagas de garagem reservas nos fóruns no caso de gestantes, acesso a creche ou local adequado para atendimento do bebê, preferência na ordem das sustentações orais e das audiências e suspensão de prazos processuais quando for a única patrona da causa, direito esse também materializado no art. 313, inciso IX, do CPC.

Encabeçada pela OAB a partir da proposta enviada pela Comissão Nacional da Mulher Advogada, outra lei importante para proteção da advogada mulher (embora não só desta) é a Lei 14.612/23, que incluiu, dentre as infrações ético-disciplinares da advocacia, a prática de assédio moral, assédio sexual ou discriminação. E entre os fatores que não podem ser utilizados como motivo discriminatório estão sexo, condição de gestante e lactante ou nutriz.

Já no âmbito interno da OAB, podem ser mencionadas a Resolução 5/20 do Conselho Federal, que alterou o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB para estabelecer paridade de gênero (50%) nas eleições da OAB, valendo para as eleições do sistema já em 2021 (já tendo surtido efeitos positivos em termos de representatividade, conforme destacado), e a edição da Súmula 9/2019/COP, pelo plenário do Conselho Federal, para sedimentar o entendimento de que a prática de violência contra a mulher é fato apto a demonstrar a falta de idoneidade moral para inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB.

Embora tais providências representem um importante avanço na promoção e garantia das mulheres advogadas, não se pode ignorar que elas, por si só, não são suficientes para erradicar essa violência. Nesse sentido, a despeito de sua previsão expressa, ainda são comuns episódios de flagrante violação, como no caso de uma advogada que pediu o adiamento de uma sessão no âmbito do TRT da 8ª Região para dar à luz, mas, ao se deparar com a situação, o desembargador presidente da Turma mostrou-se contrariado com a solicitação sob afirmações de que “gravidez não é doença” e que a defensora poderia ser substituída por qualquer outro dos milhares de advogados atuantes na cidade.

Dessa forma, é preciso que a sociedade como um todo e as autoridades públicas em específico se unam para não apenas elencar novas prerrogativas, mas garantir que elas sejam observadas na prática. Não por outra razão, o CNJ editou a Resolução 492/23 que tornou obrigatórias as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, bem como previu a capacitação nas temáticas relacionadas a direitos humanos, gênero, raça e etnia para magistradas e magistrados. De modo semelhante, o Conselho Nacional do Ministério Público já conta com grupo de trabalho voltado à elaboração de um Protocolo de Atuação do Ministério Público com Perspectiva de Gênero.

Por fim, é imprescindível que outras medidas, inclusive já contempladas no ordenamento jurídico brasileiro, sejam efetivamente implementadas pelo poder público para a superação desse quadro generalizado de violência contra a mulher. Como exemplo, podem ser citadas as diretrizes previstas no art. 8 da Lei 11.340/06, como campanhas educativas para prevenção de violência doméstica e familiar, programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero, e a inclusão de conteúdos relativos aos direitos humanos e à equidade de gênero nos currículos escolares.

Somente com medidas concretas o Brasil conseguirá reverter seus índices alarmantes de violência e discriminação de gênero e aumentar a representatividade feminina nos espaços de decisão e poder.

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