Nova ‘governança judicial colaborativa’ para judicialização de medicamentos no Brasil

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O Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, no último dia 13 de setembro, a Súmula Vinculante 60, que estabelece que “o pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo STF, em governança judicial colaborativa, no tema 1234 da sistemática de repercussão geral (RE: 1.366.243)”.

Por trás da linguagem hermética da súmula está a definição, pelo STF, de diretrizes mais claras para a análise dos processos administrativos e judiciais que visam obter do SUS medicamentos específicos incorporados ou não incorporados.

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As novas diretrizes constam de três acordos interfederativos firmados entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, e homologados pelo STF, que passam a integrar o conteúdo do tema 1234 de repercussão geral e da Súmula Vinculante 60 recém aprovada.

Em síntese, a tese do STF versa sobre os seguintes aspectos da judicialização da saúde:

1) Competência jurisdicional para julgamento de medicamentos não incorporados ao SUS

De acordo com a nova Súmula, passa a ser da Justiça Federal a competência para julgar demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS, mas com registro na Anvisa, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, com base no Preço Máximo de Venda do Governo fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). No caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor dos medicamentos não incorporados, que deverão ser somados.

A tese fixada detalha alguns aspectos para não deixar dúvidas sobre a competência jurisdicional dos processos. Assim, existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED. Ainda, segundo o STF, no caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento informado pelo autor na demanda.

Ainda, de acordo com a tese fixada, fica mantinda a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, independente do valor.

2) Definição de medicamentos não incorporados

O STF também conceitua o que entende por “medicamentos não incorporados”. De acordo com a tese fixada, são 4 tipos de medicamentos não incorporados que aparecem recorrentemente na judicialização: i) medicamentos que não constam na política pública do SUS (relações de medicamentos fixadas pelos entes federativos (Rename, p.e.)); ii) medicamentos previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PDCTs) para outras finalidades; iii) medicamentos sem registro na Anvisa; e iv) medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico.

3) Custeio dos medicamentos a serem comprados em razão de decisão judicial

Um ponto bastante explorado na tese do Tema 1234 do STF foi o custeio dos medicamentos judicializados. De agora em diante, as ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União.

Em caso de haver condenação supletiva dos estados e do Distrito Federal, a União deverá promover o ressarcimento integral via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), sempre que ocorrer redirecionamento do cumprimento da decisão judicial aos Estados pela impossibilidade de cumprimento pela União. A sistemática de ressarcimento deverá ser implementada mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite.

Figurando somente a União no polo passivo, caberá ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do estado ou município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela União pela forma prevista na tese.

As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, e que impuserem condenações aos estados e municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão.

4) Preço a ser pago pelo medicamento

Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor.

5) Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS

De acordo com a nova tese, de agora em diante o Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa. A não observância desse requisito pode ensejar a nulidade do ato jurisdicional.

Ainda, ficou fixado que o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador no exercício do controle de legalidade, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.

A nova diretriz do STF determina que a análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado deve se restringir ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado.

A Súmula 60 determina não ser possível ao magistrado a incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos (teoria dos motivos determinantes).

O STF reforçou a importância das evidências científicas, decidindo que, em se tratando de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico já incorporado pelo SUS.

Finalmente, sobre esse assunto fico decidido que não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível

6) Em relação aos medicamentos incorporados

No que se refere aos medicamentos já incorporados ao SUS, o magistrado deverá determinar o fornecimento diretamente ao ente público que deve prestá-lo (União, estado, Distrito Federal ou município), nas hipóteses previstas no próprio fluxo acordado pelos Entes Federativos nos acordos homologados pelo STF, que seguem a lógica das divisões de competências federativas no âmbito do SUS (Normas Operacionais Básicas do SUS – NOB/SUS e Normas Operacionais de Assistência à Saúde – NOAS, dentre outras).

7) Plataforma nacional

Último ponto da tese do STF agora sumulada a ser destacado na coluna de hoje foi a determinação para que os entes federativos, em governança colaborativa com o Judiciário, devem implementar uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial.

A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição.

Racionalidade jurídica fixada pela Súmula 60 e pelo Tema 1234 deve ter sua execução acompanhada

Em linhas gerais, a Súmula 60 consolida teses já consensuadas entre os entes federativos e pode qualificar as decisões judiciais sobre medicamentos no Brasil, reduzindo o número de decisões estapafúrdias ou que geram mais iniquidades do que justiça.

No entanto, é preciso ficar atento à execução dos seus termos e à aderência dos magistrados e dos gestores de saúde aos seus termos. Algumas pontas ainda estão soltas – o que será a governança colaborativa entre o Executivo e o Judiciário?

Resta-nos ver se a Súmula 60 vinculará de fato as autoridades judiciárias, de um lado, e as autoridades gestoras do SUS, de outro. Ainda, deve-se acompanhar a sua execução para verificar se as consequências das teses fixadas pela Súmula 60 e pelo Tema 1234 de repercussão geral do STF serão benéficas à efetivação do direito à saúde ou não.

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