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Ao ser eleito em 2022, o presidente Lula fez um discurso cheio de promessas no qual falou repetidamente sobre “voltar” a uma situação que parecia um sonho. Desde a vitória de Lula, a ideia de “volta” tem sido um tema constante na política brasileira e em discussões acerca da posição do país no contexto global. Esse tema tem sido a régua pela qual a administração promove suas conquistas, e que observadores usam para medir o que acontece tanto no Brasil quanto em relação à posição em perspectiva internacional.
Essa tendência foi ilustrada de forma acentuada neste mês de maio. Em um balanço da política externa brasileira durante o primeiro ano do governo Lula, a revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) abriu a discussão alegando que “O Brasil está de volta”, mas o mundo é outro. De forma semelhante, o livro O Brasil voltou? O interesse nacional e o lugar do país no mundo (Ed. Pioneira), organizado por mim e pelo embaixador Rubens Barbosa, lançado neste mês, reúne artigos que refletem sobre essa temática e sobre como o Brasil se posiciona internacionalmente.
Depois de 17 meses de governo, parece haver uma cobrança um tanto quanto exagerada sobre o que poderia ser conquistado nesse processo de retorno ou reconstrução do Brasil. Em alguns momentos, críticas soam como se a expectativa fosse de transformar o país, em um curto espaço de tempo, em uma “potência econômica desenvolvida” — algo que, na realidade, o país nunca foi.
Nesse contexto, parece necessário avaliar o lugar do Brasil no mundo no passado e no presente, para compreender as expectativas sobre o futuro. Isso porque “voltar” implica em partir de um ponto para chegar a outro, de onde partira ou no qual estivera antes. Assim, a questão fundamental é que para avaliar a “volta” do Brasil é necessário indicar para onde o país voltaria.
O problema é que, no fundo, nunca houve muita clareza sobre o lugar do Brasil no mundo. O país quer ser uma grande potência global e acredita que merece ter uma voz ativa e relevante nos debates internacionais. Entretanto, apesar do empenho, isso nunca foi de fato alcançado pelo país, como discuti no livro que foi produto da minha tese de doutorado, Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power (Palgrave Macmillan). Se o país nunca soube exatamente qual era seu lugar no mundo, é difícil definir para onde o pretende voltar.
Na primeira década deste século, até houve sinais de que o Brasil estava alcançando um lugar de destaque, e que caminhava para ser um ator de peso na governança global. Mas diversas tentativas de demonstrar essa força internacional acabaram fracassando, como ilustram as frustrações na mediação do acordo nuclear iraniano e na busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
A imagem internacional do país oferece outro exemplo significativo dessa limitação. Por volta de 2010, havia uma clara euforia em relação à imagem do Brasil no exterior. O país era a “bola da vez”, era capa da revista The Economist e sediaria a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Entretanto, após as crises dos anos seguintes, ficou evidente que muitas das aspirações do país não passavam disso.
Em 2015, quando o Brasil teve sua nota de crédito rebaixada em meio à grave recessão do governo de Dilma Rousseff, o consultor britânico Simon Anholt, principal referência em estudos de imagem internacional e “marca país”, fez questão de ressaltar essas limitações.
Segundo o britânico, na realidade, a crise econômica e o rebaixamento da nota de crédito não afetariam tanto a reputação internacional do Brasil, pois a imagem do país ao redor do mundo já era a de um país pobre. Dez anos de crises acabaram afetando duramente a imagem do Brasil, mas estava claro que a percepção externa nunca tinha sido tão boa quanto o país aspirava. No fundo, a visão internacional sobre o Brasil nunca foi a de “um país sério”.
De tal forma, a reconstrução do status internacional do Brasil desde o início do terceiro mandato de Lula precisa ser avaliada a partir do ponto inicial para onde o Brasil pretende voltar. Esse retorno precisa ser analisado e construído especialmente como um contraste em relação ao governo anterior.
Com uma postura negacionista e antiglobalista, a administração de Jair Bolsonaro abusou do desgaste da reputação do Brasil em várias frentes, fazendo o país perder prestígio em relação à comunidade internacional. Nesse período, uma declaração do então chanceler sobre ser aceitável virar um “pária internacional” marcou a política externa do país.
Era desse contexto que o Brasil precisava se afastar, voltando a um ponto de partida anterior ao último governo. Se o país deu dez passos para trás, a primeira medida necessária deveria ser dar dez passos para a frente, mesmo que isso não pareça lá um avanço tão grande quando se pensa nas promessas feitas por Lula durante seu discurso de vitória, ou quando se considera as expectativas de observadores sobre os avanços do novo governo.
Voltar ao Brasil de 2018 já seria algo melhor do que o que o país era em 2022, mas isso ainda está longe de ser um cenário dos sonhos. O Brasil de 2016, o ano do impeachment, também não era um país tão bom quanto se poderia querer. O Brasil de 2014, na Copa e nas eleições, tampouco. O ano de 2010 até foi um bom momento para o país, mas voltar àquela situação não seria tão viável, já que ela era impulsionada por um mundo diferente, pós-crise global, com abertura ao multilateralismo e espaço para crescimento econômico.
De tal forma, “voltar” poderia ser considerado vantajoso, ao deixar para trás os anos de pária internacional sob o governo Bolsonaro, mas o passado não parece ser um lugar tão interessante para o país. Então, talvez seja hora de superar essa ideia de “volta” e começar a pensar no que há adiante. Como na clássica frase de Stefan Zweig, pensar o Brasil como o “país do futuro”.
Em um artigo recente, Rubens Barbosa argumentou que o país nunca conseguiu alcançar todo o potencial que sempre lhe fora atribuído desde o início de sua história. Aquela ideia de que o Brasil “sempre será” o país do futuro. Um olhar mais otimista sobre o lugar do Brasil poderia indicar que, apesar da dificuldade histórica, o país poderia voltar, pelo menos, a tentar alcançar alguma posição de destaque global.
Assim, uma forma otimista de enxergar os obstáculos enfrentados pelo Brasil no cenário externo é compreender que o país voltou a apresentar esse potencial. Um potencial que ficou relegado ao longo do último governo, e que ainda está distante de ser alcançado pela administração atual. Dessa maneira, a tão citada “volta” do país talvez tenha sido a esse patamar muito aquém do que os brasileiros gostariam, mas que ainda assim traz de volta a esperança de um futuro no qual podemos alcançar esse potencial que nos é atribuído historicamente.