No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

O Carf e o alinhamento com a lógica de precedentes: trago esperanças para o futuro

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Feliz ano novo e bons recomeços a você. No artigo de Réveillon, decidi abordar um tema presente no meu cotidiano como conselheira e que converge com as minhas linhas de pesquisa acadêmica: o sistema brasileiro de precedentes, com destaque às repercussões gerais (RG) e aos recursos repetitivos (RR). Nesse espaço, refletirei sobre os precedentes e também sobre o direito jurisprudencial à luz dos papeis e missões institucionais do Carf.

Inicio com comentários sobre o efeito vinculante e a eficácia erga omnes dos precedentes de RG/RR, um assunto que está em voga nos últimos anos até por conta das reformas do processo tributário em tramitação.

Na atualidade, muito se tem discutido as vulnerabilidades da vinculação administrativa no que diz respeito aos precedentes qualificados do STJ e do STF proferidos em sede de RG/RR. Prevalece a opinião de que o efeito vinculante e a eficácia erga omnes requerem ainda a edição de lei em sentido estrito para receber o empuxo fundamental.

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Ou seja, precisaríamos de prescrição legal e geral, alcançando os tribunais e demais órgãos administrativos da Administração Pública direta e indireta, bem como todos os níveis federativos, para a vinculação deslanchar com força e efetividade.

A lei expressa, desse modo, supostamente intensificaria o acatamento dos precedentes, o que faz sentido. Atualmente, entende-se que o artigo 927 do CPC/2015 teria limitado a observância dos precedentes qualificados aos juízos e tribunais do poder judiciário. E, ao assim fazê-lo, teria aberto um campo de indeterminação jurídica e discricionaridade na deliberação que cabe aos órgãos julgadores administrativos – o Carf, o TIT/SP, entre outros – em relação às matérias pacificadas pelo STF/STJ no âmbito de RG/RR.

Em outras palavras, com a edição de lei, todas as cortes administrativas ficariam obrigadas à aplicação automática e irrestrita do precedente. Seria efeito direto do comando legal cogente.

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Eis, sem dúvida, uma discussão importante que precisa avançar. E vale lembrar: avançar não só no plano da legislação ordinária, como principalmente no plano constitucional que ainda não prevê expressa eficácia vinculante aos mecanismos de RG/RR (diferente da súmula vinculante, da ADIN). Depois, no caso do Carf, o Decreto 70.235/32 e as normas regimentais do RICARF, que já introduziram com alguma autonomia a disciplina desse tema, demandarão readequação ante a superveniência da lei.

De fato, o atual RICARF (Portaria MF 1.634/2023) antecipou a regência da aplicação dos precedentes produzidos em sede de RG/RR no âmbito do Carf. No entanto, isso nem remotamente soluciona as complexidades colocadas. Para exemplificar, algumas limitações trazidas por essas normas – como a exigência de trânsito em julgado do precedente – tem causado dissonâncias e vem sendo debatidas pela doutrina, justamente por se entender que as condições regimentais inovam o ordenamento e não são simétricas com a CF/88 e o CPC/2015 (nem tanto pelas normas dispostas, mas, ao contrário, exatamente porque o regimento veicula algo novo que não estaria disposto nas normas de hierarquia superior).

A simetria normativa, no que diz respeito aos precedentes, está sendo construída aos poucos. Em síntese, há um percurso difícil até vê-la ultimada e perfeita.

Pois bem, conquanto exista esse esforço absolutamente urgente e necessário no campo da construção legislativa, por outro lado é sabido que o estabelecimento de uma noção cultural de respeito aos precedentes é de suma relevância para que o sistema possa realmente prosperar. E é isso, em especial, que gostaria de acentuar.

Mesmo que no Brasil o peso da lei seja determinante para legitimar a eficácia vinculante, em paralelo ainda haverá empenho na cristalização de uma verdadeira cultura jurídica de respeito aos precedentes. São duas frentes de trabalho distintas, como se vê (o que nos diferencia radicalmente das tradições do common law, em que a força do precedente decorre já da própria cultura jurídica).

Entre nós, um sistema de aplicação de precedentes real e funcional não vai provir apenas da força normativa, o que é evidente. Não se trata apenas de dispormos de uma estrutura jurídico-formal repleta, ainda que isso não se dispense. Para que se concretize verdadeiramente, é imperioso que o mecanismo de julgar com base em decisões anteriores seja bem compreendido em sua essência e acatado na experiência jurídica dos julgadores administrativos.

Nesse ponto, minhas percepções preliminares como conselheira podem ser construtivas.

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No Carf, é recente meu ingresso na 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção. Porém, já identifico e reconheço o exercício de boas práticas de julgamento do colegiado, as quais estão ligadas ao assunto aqui tratado – claro, ressalvas serão cabíveis e devidas, afinal é um pequeno recorte atinente a uma das turmas, na atual composição.

Indo direto ao ponto, a primeira das boas práticas é que as teses fixadas em RG/RR são observadas e acatadas, no geral, sem maiores relutâncias. Ao fazê-lo, damos cumprimento às normas regimentais do RICARF acerca disso (arts. 98 e 99), ao Decreto 70.235/32 (art. 26-A, incluído pela Lei nº 11.941/2009), e o CPC/2015 que são por ora os ferramentais técnicos à disposição sobre o assunto.

Mas vai além. Nessa experiência, é possível identificar um colegiado que age de forma integrada e dinâmica, sem solipsismo e sem a mítica do “juiz Hércules”, respeitando as posições já firmadas pela Suprema Corte. Ficarei com o exemplo do Tema 736/RG apenas para demarcar a ponderação, mas outros tantos poderiam ser arrolados para corroborá-la, demonstrando a aplicação dos precedentes qualificados.

Enfim, não acredito que seja apenas uma questão formal que se esgota no campo normativo-regimental, apesar da importância de observar as normas que regem a atividade do conselheiro. Mas, a despeito disso, é sobretudo como missões e propósitos institucionais são compreendidos pelos conselheiros e levados a efeito para a atividade judicante, os debates e as votações do colegiado.

Em paralelo a isso, chama a atenção a clareza do órgão julgador quanto ao papel que exerce em prol do direito jurisprudencial, o qual também está associado à mecânica dos precedentes[1]. Ali, afinal, nas sessões e reuniões de julgamentos, estamos produzindo jurisprudência tributária, não fazendo sentido examinar os processos fora desse contexto abrangente e totalizante.

Por isso é que o colegiado se mostra atento e engajado na incumbência de proferir decisões que exprimam coerência e consistência de posicionamentos jurisprudenciais.

As pesquisas de acórdãos e de linhas interpretativas anteriores são uma constante. Há frequentes diálogos e problematizações em face de outros casos semelhantes ou iguais, sejam os julgados pelo próprio relator, por sua própria turma, outras turmas, ou pela CSRF do Carf.

Não significa que é preciso concordar e encampar a jurisprudência, mas é cada vez mais importante travar diálogo crítico e reflexivo com as premissas e conclusões de outros julgamentos semelhantes proferidos nos acórdãos do Carf.

Como órgão fracionário de um tribunal administrativo, não formamos precedentes qualificados (listados no artigo 927 do CPC/2015) como os de RG/RR aos quais temos dado aplicação, mas, por outro lado, produzimos jurisprudência e somos agentes dela. Seja como aplicadores dos precedentes de RG/RR, ou como formadores de direito jurisprudencial, o importante é notar a existência de um perfil judicante que é comum e decisivo para ambas as situações.

Isto é, há condutas de julgar que claramente favorecem a prosperidade do sistema de RG/RR no contencioso tributário, e essas mesmas condutas também favorecem a produção de uma jurisprudência mais uniforme, estável e coerente dentro do Carf.

Em outras palavras, há no Carf formas de julgar que simultaneamente promovem a cultura de respeito aos precedentes qualificados do STF/STJ em RG/RR, como também a integridade da jurisprudência tributária federal.

Sem nos estender, vale lembrar que precedentes e jurisprudência não são gêmeos siameses nem sinônimos, mas, ainda assim, estão intrinsecamente ligados pelos mesmos pressupostos e emaranhados de eficiência jurídica e qualidade da prestação nos julgamentos. Dessa forma, idealmente devem ser tratados em conjunto, evitando-se que, no final das contas, alguma aresta dessa geometria toda ainda acabe irregular.

Em resumo, uma boa resolução de ano novo seria: um olho nos precedentes e outro na jurisprudência.

É valorizando o que já foi julgado, e dialogando ativamente com as posições e interpretações jurídicas anteriores que daremos a força motriz necessária não só para o sistema brasileiro de precedentes, mas para a própria lógica de precedentes. E usando essa concepção, além de consolidar a vinculação das RG/RR na prática judicante do Carf (independentemente de qualquer evolução proveitosa nos aspectos formais-normativos da eficácia vinculante), também atingiremos resultados bastante desejáveis para a jurisprudência tributária como um todo, conjunturalmente.

Na verdade, essa é a forma contemporânea e moderna de compreender-se o ato de julgar… Estamos em um bom caminho; precisamos expandir essa cultura dentro e fora do Carf. Já podemos sentir mais esperança. 2025, pode vir!


[1] TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo n. 199, p. 36. São Paulo: RT, set. 2011.

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