No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

O direito à igualdade salarial entre mulheres e homens: o conflito entre Diké e Nomos

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Em artigo publicado em Periódicos Eletrônicos em Psicologia, com versão impressa ISSN 0100-3437 publicada em 2015, destaca-se do “Bellum, bellus – A guerra dos sexos”[1] o seguinte trecho:

Existe também um conflito entre Diké (a justiça) e Nomos (a lei). Um conflito que é uma ligação e uma tensão. Diké representa a lei oral que antecede e funda o Nomos, a lei escrita. No início (am Anfang) a justiça dos deuses e a lei dos homens estão em um face a face, em um equilíbrio, depois eles se distanciam e entram em conflito. (…). Justiça e lei surgem a partir de um ato de separação, que é o ato mesmo de criar.

Atualmente, o conflito entre a “justiça” representada pela necessária busca pela igualdade salarial entre mulheres e homens, versus sua “legalidade” materializada na Lei 14.611/2023, tem gerado debates calorosos, com forte e despropositado apelo político que, crê-se, atrai descrédito para o verdadeiro debate que precisa ser feito: a exigência legal está de fato contaminada por vícios de ordem legal e constitucional?

O que se pretende sinalizar e alertar ao final deste expediente não tem por objeto diminuir ou mitigar os direitos das mulheres e o urgente reclame para a redemocratização e seus resultados.

Aliás, a luta e representatividade dos movimentos pelos direitos das mulheres vêm de longa data no Brasil, mas partimos nosso exame da década de 1970, momento que se observa forte e destacada oposição feminina ao regime vigente nesse período da história brasileira. Restaurada parcialmente a democracia, é criado em 1985 o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), com a participação de representantes da sociedade civil.

A Constituição de 1988 é considerada “um divisor de águas na luta das mulheres no Brasil. Nela, a igualdade legal entre homens e mulheres faz parte do capítulo dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos”[2]; sendo que a partir desse relevante marco normativo e a partir dos anos 2000, tem-se o afastamento da figura do “chefe de família” para concretização da “sociedade conjugal” igualitária entre mulheres e homens (Código Civil 2002); a criação de Secretarias Especiais voltada para desenvolvimento de políticas públicas para mulheres; a eleição de uma presidente da República; e o enfrentamento legal e punitivo da violência praticada contra a mulher (Lei Maria da Penha).

Não obstante, as ações realizadas não foram e não são suficientes para promover a desejada harmonia e igualdade entre mulheres e homens, pois que ainda se identificam vácuos legislativos para o não atendimento e acolhimento de mulheres negras, indígenas, trabalhadoras rurais etc.

Percebe-se, também e infelizmente, um crescente retrocesso fundado em critérios não científicos no enfrentamento de outras necessárias políticas de defesa das mulheres, como a criação de barreiras para os desafiadores direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, por exemplo.

Mas defende-se que, não obstante o louvável processo de estruturação normativo para a defesa dos direitos das mulheres, em especial para a promoção de igualdade salarial, que a exigência legal em vigor e as obrigações postas estão em desarmonia com a legislação já existente sobre a matéria e flagrante descompasso para com a Constituição Federal.

De plano, não se deve trazer para o debate o argumento de que a transparência salarial já é observada na esfera do serviço público, com a divulgação de vencimentos percebidos por servidoras e servidores. E tal comparação não se aplica pois conforme anúncio do próprio governo:

Os rendimentos são decorrentes da natureza pública do cargo, e sua divulgação possibilita, em última instância, a fiscalização das contas públicas. Assim como todo cidadão tem o dever de recolher os tributos devidos, também tem o direito de saber quanto se paga a cada servidor público, sobretudo em razão do controle social que deve ser realizado.[3]

Combine-se ainda à informação acima o fato de que a ocupação de cargo público se dá mediante a aprovação em concurso público, com publicação de edital informando, entre outros, os vencimentos para a prestação do serviço público; o que não ocorre no setor privado, pois que observadas regras próprias de mercado, distintas das observadas pelo serviço público.

E a propósito da mencionada desarmonia com a legislação já posta para a matéria, bem como o descompasso para com a Constituição Federal, publicou o JOTA reportagem de autoria de Arthur Guimarães sob o título “CNI e CNC acionam STF contra imposições da lei da igualdade salarial”, jornalisticamente pontuando as preocupações para com a referida Lei, tratadas na ADI 7612 e com pedido de tutela formulado ao Supremo Tribunal Federal (STF)[4].

Em reforço ao todo enfrentado e destacado na ação ajuizada ao Supremo Tribunal Federal, cujo inteiro teor é de acesso fácil e público, tem-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em processo instaurado a partir de demanda externa expediu Nota Técnica recomendando “a suspensão ou cancelamento e posterior revisão dos dispositivos que determinam a publicação de informações sobre remuneração dos trabalhadores das empresas”, bem como para que a Administração adote medidas protetoras à divulgação de dados[5].

Assim, ratificando a importância de, sim, se buscar instrumentos legais – além dos já existentes – no sentido de se promover os direitos das mulheres em todos os segmentos da sociedade civil (Diké), aqui com especial foco no trabalhista, alerta-se que a exigência e obrigações disciplinadas na Lei da Igualdade Salarial (Nomos) reclamam revisão e adequação urgente, caso contrário, estar-se-á promovendo um desserviço e enfraquecimento às lutas das mulheres (conflito).

[1] LOLLO, Paolo. Bellum, Bellus – War of sexes. Tradução: Cristiane Cardoso Lollo. I Universidade Paris 13. II Associação Insistance – Art, Psychanalyse, Politique. Estud. psicanal.  no.44 Belo Horizonte dez. 2015

[2] Fundação Fernando Henrique Cardoso. Linhas do Tempo. Direitos das mulheres: as lutas dos movimentos feministas desde a redemocratização e seus resultados. 19/05/2020. ‘in’ https://fundacaofhc.org.br/linhasdotempo/direito-das-mulheres/?psafe_param=1&gad_source=1&gclid=EAIaIQobChMIyY2-x5v2hAMV3FVIAB0f6wOyEAAYASAAEgI0P_D_BwE , acessado em março de 2024

[3] Controladoria-Geral da União (CGU). LEI Nº 12.527: LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO Poder Executivo Federal 2011-2012. ‘in’ https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/balanco1ano.pdf , acessado em março 2024

[4] GUIMARÃES, Arthur. CNI e CNC acionam STF contra imposições da lei da igualdade salarial. JOTA. 13.3.2024. ‘in’ https://www.jota.info/stf/do-supremo/cni-e-cnc-acionam-stf-contra-imposicoes-da-lei-da-igualdade-salarial-13032024 acessado em março de 2024

[5] |Nota Técnica nº 3/2024/DEE/CADE – Processo nº 08700.000251/2024-94

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