O futuro dos contratos de concessão: entre a flexibilidade e segurança jurídica

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O crescente número de projetos de concessões no Brasil[1] traz a necessidade de aprofundamento de certos debates em torno da segurança jurídica e da durabilidade dos contratos que serão firmados.

Muito se tem falado sobre a incompletude dos contratos, uma caraterística inerente principalmente às relações de longo prazo. Já se percebeu que é praticamente impossível estabelecer um contrato de longo prazo completo, que vai reger todos as situações que podem afetar uma relação jurídica que durará décadas. Só sabemos que, no longo prazo, a mudança é a maior certeza.

O debate, agora, precisa alcançar um novo nível de maturidade e focar em formas de solucionar o problema.

As regras de renegociação e remodelagem firmadas pela Portaria 848/2023 do Ministério dos Transportes foram um importante passo para a consolidação da ideia de mutabilidade contratual. No entanto, abrir margem para renegociações nem sempre é algo interessante[2], já que normalmente elas estão vinculadas a uma situação já existente de alto estresse ou inviabilidade contratual[3].

Um bom caminho para evitar que se chegue ao ponto em que a renegociação é necessária pode ser a previsão de cláusulas com maior adaptabilidade a mudanças, por meio da definição de variáveis contratuais. Isto é, estabelecer previamente certos aspectos do contrato que poderão ser modificados durante sua execução mediante justificativa adequada e procedimentos claros.

Diante das incertezas, o que é relevante não é que o contrato tente reger todas as situações que podem afetá-lo nas décadas em que durará sua execução, mas que ele seja dotado de mecanismos que recepcionem adequadamente as mudanças de contexto.

É possível, assim, absorver a incompletude por uma análise dos principais aspectos contratuais que estão sujeitos à incerteza do futuro e cuja modificação não afeta a competitividade da licitação, com a inclusão de normas regendo os procedimentos de alteração desses aspectos.

Um exemplo de cláusula que flexibiliza uma variável contratual é a que permite a alteração da localização de praças de pedágio presente no Contrato BR-116/465/493/RJ/MG. Para uma variação de até 5 km, não é necessária autorização específica da agência. No entanto, para alterações superiores a essa distância, deve ser apresentado, para a aprovação, estudo técnico e análise do impacto no tráfego local que justifique a alteração da localização da praça de pedágio.

Com isso, o contrato estabelece uma variável que pode ser alterada diante de circunstâncias futuras, ao mesmo tempo em que prevê os parâmetros necessários para que a mudança ocorra. Isso o torna mais resiliente e adaptável às alterações de contexto e as partes já sabem previamente as possíveis alterações.

Até mesmo para a incorporação de trechos à concessão é possível estabelecer regramentos. É o caso do contrato constante do Edital de Concessão 001/2023 do Pará, que prevê requisitos para a ampliação do subsistema rodoviário, afirmando, por exemplo, que essa ampliação deve ser consensual, buscar o interesse público, a eficiência e a economicidade, bem como não resultar em incremento na tarifa de pedágio.

Essa concepção de maior adaptabilidade contratual permite compreender os contratos de concessão como contratos mais procedimentais. O propósito deles deve ser o de estabelecer procedimentos para o desenvolvimento de uma relação jurídica por meio da execução de uma multiplicidade de obrigações durante um período prolongado, com foco em outputs e indicadores de performance.

Ademais, cláusulas que promovam uma ampliação do uso de técnicas de ambientes experimentais (sandbox) para diferentes aspectos do contrato também podem contribuir para a constante atualização dos termos da relação contratual. Os casos de sandbox[4] vêm ajudando a atualizar as concessões rodoviárias, por exemplo, em relação ao free flow e à pesagem em alta velocidade. Isso faz com que os efeitos negativos da incerteza do futuro sejam mitigados e transformados em algo positivo para a execução do ajuste.

Naturalmente, não basta permitir que alterações ocorram, já que flexibilidade demais pode trazer instabilidade. Para promover a segurança jurídica, é necessário que um contrato mais flexível estabeleça claramente os procedimentos e os parâmetros a serem observados na modificação de variáveis contratuais.

O contrato ideal deve ser capaz de responder aos choques causados pelos eventos incertos por meio de uma adaptação que permita não só a sua continuidade, mas também o seu aprimoramento. Isso tende a evitar a necessidade de grandes renegociações em reequilíbrios, algo que nem sempre é adequado. Não há contrato perfeito, mas podemos ter contratos perfeitamente adaptáveis.

O futuro das concessões demanda contratos mais inteligentes, que evoluam na mesma medida em que a relação jurídica evolui no tempo, evitando a necessidade de renegociações. É hora de aceitar que a mudança é certa e que o importante é definir quais aspectos podem variar, de forma justificada, e por meio de quais procedimentos e com quais estudos. Com isso, poderemos ter contratos realmente duráveis e resilientes, algo salutar para o desenvolvimento do mercado.

[1] A título de exemplo, para 2024 e somente em concessões rodoviárias, a ANTT já prevê 13 leilões (https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/antt-e-ministerio-dos-transportes-anunciam-aumento-de-concessoes-para-2024-1).

[2] O European PPP Expertise Centre considera que, em termos de competitividade, pode haver uma distorção do procedimento licitatório das PPPs e concessões com uma maior abertura à renegociação, afastando-se empresas eficientes e atraindo empresas com capacidade para renegociar. Além disso, como a renegociação é bilateral, há uma perda dos efeitos positivos da competição que levou a parte a ser vencedora, o que abre margem para oportunismos e para uma redução nos benefícios econômicos de uma concessão.

[3] No caso da Portaria nº 848/2023, as regras estão voltadas aos contratos que seriam relicitados com base na Lei nº 13.448/2017, cuja repactuação foi permitida pelo TCU no Acórdão nº 1593/2023 -Plenário.

[4] https://portal.antt.gov.br/de/resultado/-/asset_publisher/m2By5inRuGGs/content/id/3119150

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