No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

O impacto do julgamento do art. 19 na liberdade de expressão

Spread the love

O plenário do STF prossegue no julgamento que discute a (in)constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet. O relator, ministro Dias Toffoli, propôs em seu voto a tese de repercussão geral – que ele intitula “Decálogo contra a violência digital e a desinformação”.

A decisão considera inconstitucional o art. 19, caput e § 1º, do Marco Civil da Internet e, por arrastamento, os demais parágrafos do referido dispositivo legal.

Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas no seu email

Por meio da interpretação conforme do art. 21, cria um regime geral de responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet, responsabilizando os provedores de aplicações de internet, de forma objetiva e independentemente de notificação, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, caso não removam por conta própria, sem precisarem de aviso prévio ou ordem judicial, em um rol taxativo de dez hipóteses apresentadas no texto proposto.

Ainda, outras questões foram objeto do voto do relator, como:

(i) as plataformas digitais responderão civilmente, de forma objetiva e independentemente de notificação, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros no caso: (i.a) de recomendação, impulsionamento (de forma remunerada ou não) ou moderação de tais conteúdos perfis falsos; (i.b) quando se tratar de conta inautêntica ou de conta desidentificada e/ou automatizada; (i.c) quando se tratar de direitos do autor e conexos, solidariamente com o terceiro responsável pela efetiva publicação/postagem do conteúdo;

(ii) abordou de quando os provedores funcionando como marketplaces, a responsabilidade será objetiva e solidariamente, conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC);

(iii) além estabelecer inúmeros deveres anexos aos provedores de aplicações de internet.

Neste texto, vamos discutir pontos críticos do voto que precisam ser repensados e ajustados para evitar um retrocesso na defesa da liberdade de expressão sob a perspectiva dos direitos humanos.

Fundamento equivocado do combate à ‘violência digital’ que sustenta o voto do relator

O voto do ministro Toffoli foi conduzido por uma premissa errônea de que as plataformas digitais são “responsáveis” pelo que ele denomina de “violência digital”, ainda que os conteúdos que se estão a tratar sejam gerados por terceiros.

Da leitura do voto do ministro, percebe-se uma predisposição ao enfrentamento do que ele denomina de “uma nova forma de violência, a violência digital”.

Já de início, é importante lembrar que este julgamento trata, ao fim e ao cabo, do futuro da liberdade de expressão no Brasil. Envolve questões muito complexas, que não podem ser simplificadas, mas que merecem um olhar a partir dos direitos humanos.

Não se encontra em trecho nenhum do voto do relator quais são os critérios claros e objetivos que foram utilizados para a proposta apresentada de restrições da liberdade de expressão no combate a conteúdos ilegais.

A “violência digital” que o relator pretende combater é um problema multifacetado, que vai muito além das plataformas digitais, pois envolve os próprios usuários que criam e disseminam conteúdos prejudiciais, a ausência de um plano de educação digital governamental sobre o uso seguro da internet e a dificuldade das polícias e órgãos investigativos de investigar cibercrimes de forma eficiente, além de outros fatores.

Primazia dos direitos humanos e a inadequação da restrição à ótica consumerista

O voto busca experiências regulatórias dos provedores de aplicações de internet no direito comparado, visando desenhar um regime de responsabilidade civil em correlação ao regime dos direitos dos consumidores. Propõe, erroneamente, uma mudança brusca agravada no regime de responsabilidade civil das plataformas digitais.

O fundamento jurídico que embasou a decisão de um modo geral – que merece profunda reflexão – é o da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) a estas relações e suas consecutivas previsões acerca da responsabilidade civil.

A discussão não tem como plano de fundo a legislação consumerista nas relações de consumo que se desenvolvam pela internet, mas, sim, a aplicação do regime existente, previsto no Marco Civil da Internet, que traz um arcabouço próprio e específico de regras.

Os direitos humanos, que apresentam critérios claros e objetivos, podem ser usados para restringir a liberdade de expressão no combate a conteúdos ilegais e devem ser a base da análise, e não as relações de consumo, já que se trata de um conteúdo gerado por um usuário, ou seja, por um terceiro.

Está-se a tratar de vulneração da liberdade de expressão. Portanto, qualquer limite ou restrição à liberdade de expressão deve estar claramente previsto em lei, de forma explícita e detalhada, já que a censura antes da manifestação é proibida.

Além disso, a responsabilização por conteúdos ilegais na internet deve ser vista como uma questão coletiva, envolvendo usuários, plataformas e o Estado: os usuários devem ser educados sobre o uso ético da internet; as plataformas precisam implementar mecanismos para prevenir a disseminação de conteúdos nocivos, respeitando o devido processo legal; assim como o Estado deve garantir que políticas públicas e decisões judiciais respeitem os direitos humanos e não sejam reduzidas a relações de consumo.

A defesa do uso dos direitos humanos como critério para restringir a liberdade de expressão é fundamental para lidar com os desafios da internet moderna. O Marco Civil da Internet fornece um arcabouço regulatório robusto e inovador, que reconhece a complexidade do ambiente digital e a necessidade de proteger direitos fundamentais de forma equilibrada e proporcional.

Sinais de retrocesso na proteção da liberdade de expressão

Ao atribuir às plataformas uma responsabilidade do exercício de um controle preventivo e preliminar sobre a legalidade, ou a ilegalidade, de conteúdos postados por terceiros, sob pena de responsabilidade objetiva e independente de notificação, o impacto maior será aos usuários, que terão uma amplíssima restrição no seu direito fundamental de liberdade de expressão.

Ao determinar que empresas privadas – provedores de aplicação de internet – analisem o que é, ou não, uma possível violação de um direito fundamental, vai gerar um comportamento de censura prévia.

Não se pode esquecer que se está diante da possibilidade da violação do direito humano à liberdade de expressão. Qualquer limitação ou vulneração à liberdade de expressão deve ser previamente prevista em lei, de forma expressa, restritiva e clara, uma vez que a censura prévia é proibida.

O sistema do art. 19, ainda que mereça atualização e aprimoramento – que apresentamos como orientação para o STF conduzir esse julgamento, equilibrando a proteção da liberdade de expressão com o controle de conteúdos ilegais –, é um importante mecanismo contra a censura prévia. Evita que as plataformas adotem uma postura rigorosa e unilateral de remoção antecipada do conteúdo.

Criação de deveres anexos: usurpação de competência do Legislativo

Sob o argumento central da crítica a uma imunidade das plataformas digitais conferida pelo art. 19, o voto do ministro Toffoli extrapola os limites de competência do Judiciário, sobretudo ao criar um rol extenso de deveres anexos.

Evidencia-se uma preocupante usurpação de competência do Legislativo pelo Judiciário, já que são concebidos no voto deveres secundários para os provedores de aplicações de internet sem respaldo em legislação prévia, extrapolando os limites constitucionais que regem a separação dos poderes.

Sobretudo, destaco: (i) a criação de deveres anexos do combate à disseminação de combate a difusão de desinformação – e não se pode esquecer que não há lei no Brasil que regule a questão, já que tramita no Congresso o PL 2628, que aborda o tema; (ii) não há previsão legal de monitoramento de riscos sistêmicos – também sem uma definição legal; assim como a atuar diligentemente para prevenção e mitigação de práticas ilícitas, da mesma forma sem qualquer respaldo e contorno legal.

Esse estabelecimento de deveres anexos configura uma indevida intervenção judicial na sistemática legal, revelando um desvio do papel do Judiciário como intérprete e guardião das normas, e não como legislador.

Assim, o estabelecimento de deveres anexos representa uma indevida intervenção judicial que desvia o Judiciário de seu papel de intérprete das normas, ao expandir exceções sem base legal clara, comprometendo a segurança jurídica e criando um perigoso precedente de ativismo na regulamentação de direitos fundamentais.

Conclusão

A questão será novamente debatida nesta quarta-feira (11), com o pronunciamento do ministro Luiz Fux no outro RE que também aborda o assunto.

A necessidade de combate à conteúdos ilegais em casos de graves violações aos direitos humanos exige uma abordagem mais proativa e ágil das plataformas digitais. 

A resposta juridicamente adequada, ao meu sentir, seria declarar a constitucionalidade do art. 19 da Lei 12.965/2014, proferindo uma interpretação conforme à Constituição para reconhecer o dever de limitação da liberdade de expressão nos casos excepcionais, que atentam contra direitos humanos reconhecidos internacionalmente, desde que o conteúdo seja manifestamente ilegal e se enquadre nas situações abaixo, sem a necessidade de ordem judicial prévia:

  • Atentem contra o Estado democrático de Direito;
  • Atentem contra o processo eleitoral;
  • Racismo;
  • Exploração e abuso sexual de crianças;
  • Terrorismo;
  • Emergência em saúde pública;
  • Violência de gênero contra mulheres.

Os provedores de aplicações de internet, nestes casos, poderão agir de forma autônoma e imediata na remoção desses conteúdos manifestamente ilegais, sem necessidade de ordem judicial, desde que tal conteúdo seja claramente identificado como violador de direitos fundamentais ou infrator da ordem pública, conforme a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

A limitação da liberdade de expressão deve ser restrita ao mínimo necessário para a proteção dos direitos fundamentais, com base nos critérios da necessidade, proporcionalidade e adequação.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *