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Toda transição gera angústia, dúvida e medo. A história é feita desses momentos de mudança e podemos perceber que, apesar das dificuldades, sobrevivemos enquanto humanidade e nos tornamos melhores enquanto civilização. O avanço assombroso e acelerado da tecnologia em nossas vidas é uma realidade para a qual não adianta fechar os olhos. Vivemos um instante limítrofe, e a inteligência artificial (IA) talvez seja o grande ícone dessa mudança de paradigma.
Silenciosamente, a IA foi nascendo e se inserindo em nosso cotidiano, em operações simples das quais não nos dávamos conta, porque facilitavam nossas vidas, deixando mais tempo livre para exercermos outras atividades. Mas a corrida ficou acelerada e lançou um temor que antes aparecia de maneira difusa: como ficarão os postos de trabalho daqui para frente? O que precisamos fazer para preservar os trabalhadores – não necessariamente os empregos – que forem afetados pelo advento da inteligência artificial?
Precisamos ter a IA como uma aliada, não como uma inimiga. Como o seu uso é inevitável e irreversível, temos que encontrar soluções para que não se criem mais conflitos, matéria-prima de muita literatura e filmes sobre temáticas semelhantes. Em 1982, por exemplo, um filme que hoje é considerado cult e um clássico noir, Blade Runner, o caçador de androides, estrelado por Harrison Ford, narrava uma sociedade futurista na qual homens guerreavam com seres humanos artificiais, os chamados replicantes, criados para exercer diversas atividades tanto na Terra quanto em outros planetas. Curiosamente, o filme se passa em novembro de 2019, quase cinco anos atrás.
Não há como negar que o mercado profissional sofrerá impactos profundos. Sobretudo naqueles empregos que se caracterizam por ações repetitivas. Estima-se que 40% das vagas de trabalho no mundo sejam “deslocadas” ao longo das próximas duas décadas. É, de fato, uma mudança profundamente drástica em um lapso de tempo extremamente curto. E precisamos estar preparados para absorver esses impactos.
Um dos maiores especialistas de IA no mundo, o chinês Kai-Fu Lee, afirma que a inteligência artificial não será capaz de substituir a empatia humana. E que o advento da IA pode auxiliar as pessoas a desenvolver outros tipos de atividades mais conectadas às relações interpessoais.
Ele cita, por exemplo que, com o envelhecimento natural das pessoas, haverá a necessidade, cada vez mais, de profissionais para serem cuidadores desses idosos. Uma atividade que necessita avidamente de relacionamento interpessoal. Esse exemplo flerta com outra área de atuação direta do meu mandato, a luta por uma medicina paliativa mais efetiva, para imprimir mais compaixão e humanidade junto a pessoas com doenças crônicas, tornando seus dias menos penosos e mais felizes e leves. Essa ação não é possível com a intervenção da IA. O contato humano é insubstituível nesse campo.
Não queremos, contudo, com esse texto, minimizar os desafios e as decisões que precisam ser tomadas para que a vida de milhares de pessoas não seja dramaticamente impactada. O Brasil tem um campo bastante promissor e vários gargalos a serem superados. Se por um lado possuímos uma indústria criativa ativa, que terá a IA como uma impulsionadora, não como uma âncora, por outro temos que aprofundar a formação de mão de obra mais qualificada, capaz de se adaptar às novas realidades do mundo moderno. As empresas poderão utilizar parte dos recursos economizados pela substituição de trabalhadores por IA em treinamentos e cursos de formação para esses profissionais que perderão seus postos de trabalho anteriores.
E precisamos ter uma educação mais voltada aos chamados três “C” enumerados por Kai-fu Lee: curiosidade, capacidade crítica e criatividade. Desafios para uma nação que patina na compreensão de matemática e literatura, como atestam os exames Pisa realizados regularmente. Os professores e os alunos precisam ter mais aguçados esse espírito inovador, prendendo-se menos no mero repetir de conceitos e fórmulas (algo que a IA poderá suprir) e dedicando-se mais na busca de soluções criativas para impactar o presente e o futuro.
É preciso, enfim, entender os desafios do momento. Nos antecipar e nos preparar para eles. Por isso é importante o debate para estabelecer uma legislação sobre o assunto que não deixe o debate solto, mas também não imponha amarras à inovação.
A Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, da qual sou diretora de inovação, tem essa preocupação. Fomos aos Estados Unidos para ver como o tema está sendo tratado e vamos usar os conhecimentos obtidos para adequar às nossas realidades e necessidades. Estamos, através da FPBC, lutando por uma regulação de IA que não iniba a inovação e que, ao mesmo tempo, garanta o direito dos cidadãos.
Olhar a IA como inimiga é reducionismo, porque ela veio para ficar. No final do filme Blade Runner, o replicante “vilão”, perseguido pelo caçador de androides, evita que esse morra ao despencar de um telhado, mostrando que os robôs humanoides poderiam, sim, nos ajudar a sobreviver aos dias que viriam. A IA deve ser uma parceira, não uma antagonista, para sermos mais competitivos como nação e mais evoluídos como humanidade.