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A chamada PEC das Drogas (PEC 45/2023), aprovada na última semana pelo Senado para criminalizar o porte e a posse de drogas em qualquer quantidade, permite diferentes leituras.
A primeira delas é como novo capítulo na disputa institucional entre o Senado da República e o Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC parece óbvia reação de parlamentares ao julgamento em curso desde 2015 no STF e que caminha para descriminalizar o consumo pessoal de cannabis[1]. Das quatro páginas de motivação da PEC, três se dedicam ao STF e ao processo de descriminalização em pauta.[2]
É outro braço de ferro entre os Poderes, como já ocorreu com o marco temporal para demarcação das terras indígenas[3]. Talvez só isso.
No entanto, ao tentar se antecipar aos movimentos da corte, o Senado acabou por tornar ainda mais confuso o cenário legal que existe hoje em matéria de drogas, de pelo menos duas maneiras principais (abaixo, I. e II.), além de contrariar o próprio sentido da Constituição em seu art. 5º (abaixo, III.).
I. Criminalização do consumo pessoal. A redação original da PEC dizia apenas que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes ou drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
A redação era genérica e não distinguia o usuário do traficante. Já o principal regramento sobre o tema, a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), separa consumidor do traficante ao descrever as elementares típicas do consumo pessoal no art. 28 e as do tráfico no art. 33.[4]
Nasce a primeira questão: ao afirmar que “a lei considerará crime a posse e o porte (…) entorpecentes”, a PEC pretendeu uma nova criminalização por drogas? Segundo a lei vigente, tráfico e consumo já não são crimes? O problema está, em especial, na figura típica do usuário.
Uma das mudanças introduzidas pela Lei 11.343/06 foi justamente substituir a antiga pena de prisão do usuário por medidas socioeducativas, ensejando intenso debate na literatura em relação à natureza do art. 28, agora um crime sem prisão, o que soa como uma contradição em termos.
De um lado, há os que dizem se tratar de um crime sem pena (mas ainda crime, segundo a corrente da despenalização[5]); de outro, os que dizem se tratar de uma infração sui generis, sem relevância penal (corrente da descriminalização[6]).
Sem se aprofundar nesse vasto debate, a Lei de Introdução ao Código Penal parece se inclinar à segunda corrente ao definir como crime “a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção” (art. 1º).
Noutras palavras: não há crime sem pena de prisão[7] , o que faz todo sentido, pois uma pena em sentido material é só o que atinge o homem nos direitos inatos que ele porta já por ser homem, como a liberdade de ir e vir[8]. É esse mal da pena que justifica todos os esforços doutrinários para traçar limites ao poder punitivo do Estado[9] – e que falta a “penas alternativas”, como as medidas socioeducativas.
Eis então o problema: se dermos razão à segunda corrente, segundo a qual o consumo pessoal hoje não é um crime “de verdade”, i.e. com pena de prisão, uma possível conclusão seria a de que a redação original da PEC, ao dizer sem restrições que “a lei considerará crime a posse e o porte (…) de entorpecentes”, criminalizava o que hoje não é mais crime em sentido estrito.
E daí novas dúvidas: o preceito secundário (pena) do art. 28 passaria a ser inconstitucional? Um retrocesso em relação à Lei de Drogas de 2006, acabando com as medidas socioeducativas? Consumidores igualmente punidos com reclusão ou detenção, como os traficantes?
Parecia, já naquele momento, uma conclusão mais radical do que os parlamentares estariam dispostos a aceitar.
E era de fato: a resposta a esse impasse veio com a emenda do líder da oposição Rogério Marinho (PL-RN), que incluiu na PEC uma segunda parte, para que seja “(…) observada a distinção entre o traficante e o usuário, aplicáveis a este últimas penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.
Com a alteração, a PEC tornou-se contraditória por punir “um crime sem pena” e talvez repetitiva ou mesmo inócua em relação ao atual art. 28 – o que seria sim um problema, mas um problema menor, se acabasse aí. Mas não.
II. Vedação à insignificância na Lei de Drogas. O grande e talvez incontornável problema da PEC parece estar mesmo no seu primeiro aposto e ponto nevrálgico: “independentemente da quantidade”.
O recado do Senado é confuso e potencialmente perigoso. Há margem para interpretação de que a conduta do agente será criminalizada, em qualquer que seja o tipo penal, a despeito da quantidade de drogas manuseada pelo indivíduo, seja num contexto de uso próprio ou de traficância.
O problema aqui é mais profundo e contradiz a própria função do direito penal: assegurar a coexistência pacífica entre os cidadãos por meio da proteção subsidiária de bens jurídicos – ou dos valores que nos mantêm unidos, as cláusulas do contrato social[10]. Apenas condutas com real potencial lesivo devem ser punidas. Do contrário, a punição seria mais danosa do que o crime em si.
Decorre dessa ideia fundamental (e constitucional[11]) um princípio norteador: o da insignificância ou bagatela, que permite ao juiz avaliar se uma conduta formalmente criminosa reúne condições materiais para ser classificada como tal. Traduzido para nossa discussão: apenas uma quantidade significativa de droga justifica a punição.
“Quanto de droga” é significativo ou não, é uma questão delicada. A lei não diz e cada juiz dá a sua resposta. Uma tendência na jurisprudência hoje é punir o tráfico mesmo em quantidades irrisórias por se tratar de um crime de perigo abstrato – ou seja, sempre é significativo[12]. A PEC parece elevar a nível constitucional essa ideia.
Sem entrar nos problemas dessa tese, existem contraposições a ela como a do ministro Gilmar Mendes no HC 127.523, que entendeu insignificante a conduta de uma mulher condenada a 6 anos de prisão pela venda de uma grama de maconha e a libertou.
Afinal, aprisionar uma pessoa por tão ínfima quantidade e colocá-la em contato com criminosos arrisca mais a nossa paz do que a protege. Se a PEC estivesse em vigor, o destino dela seria outro: a prisão.
A PEC afasta de vez a ideia da insignificância da legislação de drogas, dá nova munição à já perdida “guerra às drogas” e deixa pouca ou nenhuma margem para interpretação judicial no caso concreto. Sempre é crime, acabaram as nuances.
III. Incompatibilidade com o art. 5º da Constituição. A proibição do consumo pessoal de drogas, mesmo com a previsão de penas alternativas, parece não caber no art. 5º, que trata das “garantias e direitos fundamentais” e ali prevê uma cláusula inviolável de intimidade (inc. X).
Afinal, decorre de uma ideia liberal de Estado e Constituição a liberdade do indivíduo para viver a própria vida, inclusive em prejuízo próprio, se assim o quiser.[13]
Nem mesmo uma ideia de cumulação – ou de que “de pouco em pouco” teremos um colapso da saúde pública – salvaria a medida. A saúde pública só é afetada de maneira muito indireta por tais condutas, sequer se sustenta como bem jurídico autônomo e coletivo e, no limite, o indivíduo só responde pelos próprios atos, na medida da sua culpa pessoal e não “cumulada”.[14]
A autolesão realizada nos limites da vida privada escapa da mão penal do Estado.[15] Assim defendeu o jurista alemão Claus Roxin, subscritor de um abaixo-assinado pela legalização da cannabis em seu país, o que aconteceu no último dia 1º de abril (Cannabisgesetz).[16] A motivação lá foi a de que o Estado não deve prender o consumidor como traficante, mas sim garantir boas condições para o consumo consciente e responsável – como já ocorre nas indústrias do tabaco e álcool.
Já nosso Senado deu um contraexemplo de retrocesso e paternalismo estatal, sob o falso e populista argumento de que está combatendo o crime. Mas não está. Ao contrário: é a criminalização que aumenta a criminalidade.
[1] RE n. 635.659
[2] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2023/09/14/pec-drogas.pdf
[3] Em 2023, marco temporal colocou à prova harmonia entre os Poderes — Senado Notícias.
[4] Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
[5] Entre os defensores da primeira corrente está César Dario Mariano Silva (vide: Descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, Conjur, Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-13/dario-descriminalizacao-porte-drogas-consumo-pessoal/)
[6] Defendem essa interpretação Luiz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches no texto “Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal “sui generis” ou infração administrativa?”, publicado no portal Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/34439/posse-de-drogas-para-consumo-pessoal–crime–infracao-penal–sui-generis–ou-infracao-administrativa
[7] ROXIN, Claus; GRECO, Luis. Strafrecht – Allgemeiner Teil, Bd. I. 5. ed. München: C.H. Beck, 2020. p. 1.
[8] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 22/23. Também em: GRECO, Luís. Opõe-se o princípio da culpabilidade à penalização de pessoas jurídicas? Reflexões sobre a conexão entre pena e culpabilidade, tradução de O. Gleizer, in: Greco, As razões do direito penal. Quatro estudos, org.: Viana/Montenegro/Gleizer, Madrid/São Paulo, Marcial Pons, 2019, pp. 53-82. p. 73.
[9] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 23.
[10] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 26/27.
[11] Ideia que poderia ser derivada também dos pilares da nossa Constituição (arts. 1º e 3º da Constituição Federal).
[12] “(…) Não há falar-se em incidência do princípio da insignificância na espécie, porquanto inaplicável, nos termos da jurisprudência, ao delito de tráfico ilícito de drogas, na medida em que se trata de crime de perigo abstrato, sendo irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do agente” (AgRg no HC n. 645.726/SP, relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador convocado do TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 8/6/2021, DJe 14/6/2021). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 679.163/DF, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021).
[13] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 26
[14] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 72/73
[15] Id. ROXIN; GRECO. 2020. p. 43
[16] “Strafrechtsprofessoren starten Cannabis-Petition”. Disponível em: https://www.lto.de/recht/hintergruende/h/strafrechtler-petition-bundestag-cannabis/