O nudge como solução conforme à Constituição

Spread the love

Em 1º de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário 1.309.642/SP, no qual apreciou a constitucionalidade do artigo 1.614, II do Código Civil, que impõe o regime obrigatório da separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos.

A maioria do Tribunal Pleno acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que entendeu pela inconstitucionalidade da norma por violação, dentre outros, ao princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente no que toca à autonomia individual do septuagenário para tomar as decisões que melhor entender.

Conheça o JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político e regulatório que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas

O relator entendeu se tratar de “medida paternalista, que se baseia na presunção absoluta de vulnerabilidade de pessoas capazes para interditar a realização de escolha existencial”.

Os votos em sentido contrário entenderam que a autonomia da vontade estaria resguardada por outros instrumentos que permitem a disposição dos bens, como o testamento e a doação. Isso não obstante, todos os ministros concordaram com a proposição do relator de interpretar o artigo 1.614, II do Código Civil conforme à Constituição, para lhe conferir um regime facultativo, que deve prevalecer à falta de convenção das partes em sentido diverso, mas que pode ser afastado por escritura pública. Esse entendimento resultou na declaração do Tema de Repercussão Geral 1.236[1].

Na prática, o STF criou um dos nudges descritos por Cass Sustein e Richard Thaler[2]. Os autores defendem que medidas paternalistas podem ser justificadas porque os indivíduos nem sempre tomam as melhores escolhas em seu próprio interesse, mas exigem uma contraposição libertária – isso é, a intervenção sobre a autonomia privada deve resguardar a liberdade de escolha e a possibilidade de os indivíduos tomarem outro rumo. Essa teoria é chamada pelos autores de paternalismo libertário[3], e os nudges são as ferramentas que direcionam as escolhas individuais.

O nudge criado pelo STF consiste em uma regra padrão, um regime default que se aplica automaticamente, mas pode ser afastado pelas partes. Cass Sustein e Richard Thaler alertam que as regras padrão são nudges efetivos, pois a economia comportamental prediz e demonstra que as pessoas tendem a permanecer inertes e a não fazer mudanças (em decorrência do chamado viés do status quo).

Assine a newsletter Últimas Notícias para receber os episódios do podcast Paredes São de Vidro em primeira mão e o roteiro ao final da temporada

A tendência, portanto, é que os indivíduos não divirjam da regra padrão. No caso concreto, ainda que de forma não expressa ou declarada, o STF direcionou (nudge) as pessoas maiores de 70 anos ao regime da separação total de bens.

O precedente traz uma interessante sinalização do STF contra o paternalismo forte, coercitivo, que reduz o âmbito das escolhas privadas (como era o caso da interpretação literal do artigo 1.614, II do Código Civil), e a favor de um paternalismo fraco, libertário, que direciona os indivíduos sem subtrair a possibilidade de escolha (o que se traduziu na opção por uma regra padrão quanto ao regime da separação de bens).  


[1] “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

[2] THALER, Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões. Tradução Ângelo Lessa – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2023.

[3] SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard H. Libertarian Paternalism Is Not an Oxymoron. University of Chicago Law Review, v. 70, p. 1159-1202, 2003.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *