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O apagar das luzes de 2024 trouxe de volta os “pacotes” econômicos, tão comuns em décadas passadas. De tempos em tempos, esses pacotes movimentavam o cenário econômico com mudanças promovidas pelo governo federal na tentativa de direcionar o desenvolvimento do país.
Desta vez, o “pacote fiscal” chega às vésperas do Natal, aproveitando os últimos dias da sessão legislativa do Congresso Nacional antes do recesso. Porém, desta vez o presente parece ter frustrado a todos: aqueles que esperavam um saboroso “chester” acabaram, ao que tudo indica, recebendo apenas um par de meias…
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Isso é o que se constata pelo comportamento do famigerado “mercado”, que aparenta ter demonstrado sua insatisfação. O reflexo disso foi uma repentina e acentuada alta na cotação do dólar americano, que rapidamente superou o patamar de R$ 6 e deu sinais de que pode alcançar níveis ainda mais elevados.
Conforme anunciou o g1: “A moeda brasileira segue derretendo à medida que pioraram as expectativas do mercado financeiro com o desenho do pacote de cortes de gastos enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional.”[1].
Não é para menos.
Do ponto de vista financeiro, há evidências fortes, consistentes e persistentes de que as contas públicas estão desajustadas, com um déficit primário que não cede. Isso sugere que a dívida pública continuará a crescer, agravando e aprofundando o problema fiscal.
Para um governo que, há muito tempo — não seria exagero dizer, desde o início — precisa demonstrar aos agentes econômicos que possui responsabilidade fiscal, as medidas apresentadas pelo Poder Executivo federal foram bastante modestas. Ainda assim, durante a tramitação legislativa, elas foram “desidratadas”, frustrando ainda mais as expectativas daqueles que aguardam algo que até hoje não se concretizou: a firme intenção de reduzir os gastos públicos e ajustá-los à arrecadação. Sem esse equilíbrio, não há orçamento público que se sustente.
Muitas das propostas do ministro da Fazenda, anunciadas no final de novembro, foram adiadas ou até mesmo rejeitadas.
Mais uma vez, boa parte das medidas vem na forma de uma nova emenda constitucional (EC 135, de 20 de dezembro de 2024). Novamente, grande parte dessas mudanças trata de Direito Financeiro, que se tornou, de longe, o ramo do Direito mais presente na agenda nacional nos últimos anos – e também o mais afetado por alterações.
A “Constituição Financeira” tem se transformado em uma verdadeira “colcha de retalhos”. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que permaneceu intacta por anos, vem sendo profundamente mutilada desde o início do período da pandemia.
O que se observa são ajustes que, embora positivos, são pouco representativos diante das necessidades impostas pelo momento e pela gravidade dos problemas fiscais existentes. Ajustes estruturais de grande porte foram deixados de lado, e as necessárias intervenções na administração pública foram novamente substituídas por pequenas soluções paliativas – um “band-aid” e uma “aspirina” para atravessar a virada do ano em condições ligeiramente melhores.
Para quem esperava cortes profundos nos gastos públicos, o resultado foi a introdução de mais algumas normas que restringem a criação de novas despesas – isso, claro, se essas medidas forem de fato efetivadas. Vale lembrar que muitas delas já existiam, de forma igual ou semelhante, sem terem sido implementadas na prática. É o caso da redução dos benefícios fiscais, das despesas com pessoal, das emendas parlamentares, entre outras.
Fazer com que as normas de Direito Financeiro sejam levadas a sério e efetivamente aplicadas é uma luta árdua, contínua e prolongada, como os leitores desta coluna sabem muito bem há bastante tempo.
Muitas medidas ainda são prometidas, e as principais já concretizadas que estão na EC 135/2024 têm pouco impacto imediato, por dependerem de legislações posteriores, como a limitação das verbas de caráter indenizatório nos alcunhados “supersalários”; outras tem baixa relevância na redução dos gastos públicos, como as alterações na distribuição de recursos do Fundeb (art. 212-A) e a prorrogação da desvinculação de receitas da União (ADCT, art. 76). Uma medida que pode trazer redução de gastos atinge justamente os mais pobres, que recebem o abono do PIS/Pasep, que terá alterada a forma de correção monetária e deixará de incorporar os ganhos reais do salário-mínimo.
Mais uma alteração ocorre em relação à execução orçamentária, com a inclusão do § 17 ao art. 165[2]. Um dispositivo que torna ainda mais complexa a compreensão das regras de execução orçamentária, em redação pouco clara, cuja interpretação fica sujeita a conceitos ainda não estabelecidos, sem estatura constitucional, muitos dos quais de uso próprio em boletins e relatórios de órgãos governamentais, e que agora são “constitucionalizados” sem um conteúdo preciso e estabilizado.
Aliás, a elaboração e execução orçamentárias tornam-se a cada dia mais inusitadas. As emendas parlamentares possuem regras de detalhamento sem precedentes em qualquer ordenamento jurídico, frequentemente inseridas na Constituição com uma frequência jamais vista. No entanto, essas regras muitas vezes se mostram ineficazes, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) interfere em suas decisões no que foi estabelecido, alterando o que foi regulamentado. Isso gera insegurança jurídica e tensão entre os poderes.
Agora, a questão está se tornando também caso de polícia: “Dino suspende mais de R$ 4 bi em emendas e manda PF apurar manobra de Lira”[3]. Nem mesmo o Banco Central e a fixação das taxas de juros estão imunes à interferência do Judiciário, criando um ambiente de instabilidade no qual não há “mercado” que consiga operar tranquilamente[4].
O que se observa é uma verdadeira “ginástica” para fazer o orçamento federal “encaixar” no arcabouço fiscal e na meta zero da LDO 2025, algo em que poucos acreditam ser factível.
Por oportuno, soma-se a isso a aprovação intempestiva da Lei de Diretrizes Orçamentárias da União (LDO) para 2025, completamente fora do prazo. A LDO deveria ter sido aprovada ainda no primeiro semestre, mas chegamos aos últimos dias do ano sem que tenha sido publicada. Essa situação repete o ocorrido no ano anterior e consolida um péssimo hábito de desrespeito e desprezo pelo sistema de planejamento orçamentário por parte do governo federal.
O ano de 2025 começará novamente sem o orçamento aprovado, o que exigirá provisoriedade no início da execução orçamentária. Essa situação consolida a impressão de uma administração pública que age de forma intempestiva e improvisada, sem planejamento adequado. Além disso, não há justificativas relevantes, já que o período de pandemia ficou para trás e não se identificam razões que permitam atribuir a responsabilidade a fatores externos.
Os temores do “mercado” são bastante compreensíveis, refletindo-se em sua instabilidade e na disparada da moeda americana – certamente não devido a alguns “memes”[5]. Sem presente de Natal, agora nos resta aguardar a virada do ano e torcer por um ano de 2025 mais promissor!
[1] Dólar dispara e fecha a R$ 6,26, a maior cotação da história. In G1 – Globo.com, 24.12.2024 (https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/12/18/dolar-ibovespa.ghtml).
[2] § 17. Para o cumprimento do disposto no inciso I do § 11 deste artigo, o Poder Executivo poderá reduzir ou limitar, na elaboração e na execução das leis orçamentárias, as despesas com a concessão de subsídios, subvenções e benefícios de natureza financeira, inclusive os relativos a indenizações e restituições por perdas econômicas, observado o ato jurídico perfeito.
[3] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/12/23/dino-determina-abertura-de-inquerito-para-apurar-manobra-de-lira-em-emendas.htm
[4] PT entra com ação no STF contra Copom por elevar a Selic. In Poder 360, 23.12.2024 (https://www.poder360.com.br/poder-justica/pdt-entra-com-acao-no-stf-contra-copom-por-elevar-a-selic/).
[5] LACKSO, Madeleine. Dólar lastreado em meme: roteirista do Brasil está fumando crack. O Antagonista, 20.12.2024 (https://oantagonista.com.br/opiniao/dolar-lastreado-em-meme-roteirista-do-brasil-esta-fumando-crack/#google_vignette).